Por Roberto Caldeira Brant Tomaz
A igualdade entre os credores é um dos princípios basilares do processo de Falência e aplicado de forma análoga na Recuperação Judicial. Entretanto, alguns dos credores, por terem contribuição significativa no auxílio ao soerguimento da empresa em recuperação, podem receber tratamento diferenciado no recebimento de seus créditos, ainda que dentro de uma mesma classe de credores.
A título de exemplo, é possível que, dentro da classe quirografária, onde existem credores com interesses bastante diversos entre si, sejam criados subgrupos de credores com interesses semelhantes, que possam se beneficiar de condições mais favoráveis para o recebimento dos seus créditos, como deságio menor e prazo de pagamento mais curto.
Esses credores privilegiados estão entre os que, mesmo após a decretação da Falência ou da concessão da Recuperação Judicial, continuam fornecendo à empresa os recursos indispensáveis para que ela mantenha o exercício de suas atividades, podendo não apenas se perpetuar no mercado, mas também liquidar suas dívidas.
Embora não haja previsão expressa na Lei, a criação de subclasses no plano de recuperação judicial, visando oferecer melhores condições de pagamento aos fornecedores essenciais, tem sido muito utilizada na prática no âmbito dos processos recuperacionais e vem se revelando vantajosa até para os credores diretamente não contemplados, na medida em que o impulsionamento da empresa eleva as expectativas de cumprimento do plano e, consequentemente, de pagamento de todas as classes de créditos, culminando na recuperação da empresa.
De olho nessa realidade, o Superior Tribunal de Justiça se posicionou recentemente pela validade da criação de subclasses e tratamento diferenciado aos credores parceiros na Recuperação Judicial.
Em julgamento do REsp 1634844-SP (clique aqui), a Terceira Turma do STJ firmou entendimento de que a prática em questão é possível, desde que estabelecido um critério objetivo, justificado no plano de recuperação judicial, abrangendo credores com interesses homogêneos e ficando vedada a anulação de direitos de eventuais credores isolados.
Os ministros reconheceram que não há nenhuma proibição expressa na Lei 11.101/2005 que impeça essa prática, e que a previsão de tratamento diferenciado aos credores colaboradores não se submete à apreciação do Poder Judiciário, cujo exame está restrito à legalidade do ato deliberativo e não da viabilidade econômica do plano, a qual constitui mérito da vontade soberana dos credores em assembleia.
No caso posto em julgamento, o plano de recuperação judicial previa que os fornecedores de matérias-primas essenciais ao funcionamento da empresa teriam condições mais benéficas no recebimento do seu crédito, em relação aos outros credores da classe quirografária. Mas os ministros ressaltaram que não há limitação para o critério de criação das subclasses, bastando haver interesses homogêneos entre os credores, como se extrai do invocado Enunciado nº 57 da I Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal: “O plano de recuperação judicial deve prever tratamento igualitário para os membros da mesma classe de credores que possuem interesses homogêneos, sejam estes delineados em função da natureza do crédito, da importância do crédito ou de outro critério de similitude justificado pelo proponente do plano homologado pelo magistrado".
A questão, que ainda não havia sido apreciada em instância extraordinária, confirma que não só os credores que fornecem matéria-prima à recuperanda podem receber tratamento diferenciado na Recuperação Judicial, mas também empresas que atuam com aquisição de direitos creditórios, antecipação de recebíveis, desconto de títulos e fomento à produção, credores estes que, de forma análoga aos fornecedores essenciais, exercem importante papel na alavancagem mercadológica de empresas em crise financeira.
Conclui-se, portanto, que a já recorrente criação de subclasses de credores no plano de recuperação judicial alcança perfeitamente as empresas que atuam no mercado de direitos creditórios, até porque, muitas vezes, as operações de crédito que conferem liquidez imediata são justamente o mecanismo que viabiliza a aquisição dos insumos e matérias-primas que o ente necessita para produzir, gerar receita e, assim, superar a situação de crise econômico-financeira.
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