TJSP pacifica entendimento sobre retirada de bens após stay period

29/04/2019

Por Thaís de Souza França

Por Thaís de Souza França

Tem sido cada vez mais comum a vinculação de garantias às operações de cessão de créditos celebradas por fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC). Os fundos assinam contratos de alienação fiduciária de bens móveis ou imóveis, incluindo-se a cessão fiduciária de duplicatas ou outros recebíveis.

Como já comentamos por diversas oportunidades nesse espaço, uma das grandes vantagens da alienação fiduciária sobre outros tipos de garantia, como a hipoteca e o penhor, está prevista no parágrafo 3º do artigo 49 da Lei Federal nº 11.101/2005 (Lei de Recuperação Judicial), que livra os créditos de proprietários fiduciários dos efeitos do processo de recuperação judicial:

“Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.

Ou seja, o credor fiduciário poderá exercer o seu direito de exigir perseguir o crédito garantido por alienação fiduciária, e excutir a garantia, tudo independentemente do processo de recuperação judicial da devedora. Ao credor somente é vedada a retirada de bens essenciais ao exercício da atividade empresarial da devedora durante o chamado stay period, isto é, período de suspensão[1] de 180 dias úteis[2] contado a partir do deferimento do processamento da RJ. Um alerta: esse prazo costuma ser prorrogado por igual período, mesmo diante da expressa previsão legal de vedação de prorrogação “em nenhuma hipótese”.

A Lei é clara ao estabelecer que a vedação à retirada de bens essenciais da recuperanda pelo credor fiduciário é limitada ao stay period. Na prática, entretanto, o argumento de essencialidade dos bens, vira e mexe, tem servido como fundamento para suspender a busca da garantia fiduciária por um prazo maior, indeterminado, interminável, muitas vezes prejudicando o direito de o credor excutir a garantia livremente pactuada, causando verdadeira insegurança jurídica.

Com o objetivo de consolidar um entendimento sobre esse tema, e gerar maior segurança aos jurisdicionados, o Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo editou o Enunciado III, que estabelece:

“Escoado o prazo de suspensão de que trata o § 4º, do art. 6º, da Lei nº 11.101/05 (stay period), as medidas de expropriação pelo credor titular de propriedade fiduciária de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor, poderão ser retomadas, ainda que os bens a serem excutidos sejam essenciais à atividade empresarial”.

A uniformização desse entendimento é importante para que, já em 1º grau, os juízes das recuperações judiciais reconheçam a impossibilidade de suspensão da excussão da garantia ad eternum, facilitando o exercício do direito pelo credor que acreditara no privilégio conferido pela Lei à garantia fiduciária antes de celebrar operações com a empresa que, posteriormente, apresentara pedido de recuperação judicial.

Esse Enunciado III, a propósito, manda um recadinho animador a credores fiduciários titulares de bens imóveis operacionais, veículos e máquinas da Recuperanda.



[1] Lei de recuperação judicial, artigo 6º: A decretação da falência ou o deferimento do processamento da recuperação judicial suspende o curso da prescrição e de todas as ações e execuções em face do devedor, inclusive aquelas dos credores particulares do sócio solidário.  (…) parágrafo 4º: Na recuperação judicial, a suspensão de que trata o caput deste artigo em hipótese nenhuma excederá o prazo improrrogável de 180 (cento e oitenta) dias úteis, contado do deferimento do processamento da recuperação, restabelecendo-se, após o decurso do prazo, o direito dos credores de iniciar ou continuar suas ações e execuções, independentemente de pronunciamento judicial”.

[2] Conforme Recurso Especial nº 1699528 MG.

 

 

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