O dever do credor de mitigar o próprio prejuízo

08/07/2019

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Por Antônio Carlos Magro Júnior

O dever de mitigar o próprio prejuízo é um instituto trazido do Direito Anglo Saxônico, com a original denominação de duty to mitigate the loss. Sua aplicação, cada vez mais, vem sendo defendida pela doutrina e adotada por nossos tribunais.
 
Referido instituto se baseia no princípio da boa-fé objetiva[1], e consiste no fato de que o credor deve atuar, sempre que possível, tanto na relação contratual como em juízo, de maneira a reduzir a extensão do dano da outra parte. De certa forma, o credor deve colaborar com o devedor, para que o dano, tido como certo, tenha a menor proporção possível.
 
O primeiro registro formal a respeito do tema, no Brasil, surgiu no encontro III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, em 2005, lá tendo sido editado o seguinte enunciado a este respeito:
 
Enunciado nº 169: Art. 422: O princípio da boa-fé objetiva deve levar o credor a evitar o agravamento do próprio prejuízo.
 
Posteriormente, em 2010, o Superior Tribunal de Justiça julgou o leading case que passou a servir de referência aos demais tribunais, para que viessem a adotar em suas decisões o dever do credor de mitigar o próprio prejuízo.
 
Assim, conveniente colacionarmos o seguinte trecho da ementa do julgamento proferido pelo STJ[2], de forma a demonstrar no que consiste o instituto em comento:
 
"DIREITO CIVIL. CONTRATOS. BOA-FÉ OBJETIVA. STANDARD ÉTICO-JURÍDICO. OBSERVÂNCIA PELAS PARTES CONTRATANTES. DEVERES ANEXOS. DUTY TO MITIGATE THE LOSS. DEVER DE MITIGAR O PRÓPRIO PREJUÍZO. INÉRCIA DO CREDOR. AGRAVAMENTO DO DANO. INADIMPLEMENTO CONTRATUAL. RECURSO IMPROVIDO.
(…)
3. Preceito decorrente da boa-fé objetiva. Duty to mitigate the loss: o dever de mitigar o próprio prejuízo. Os contratantes devem tomar as medidas necessárias e possíveis para que o dano não seja agravado. A parte a que a perda aproveita não pode permanecer deliberadamente inerte diante do dano. Agravamento do prejuízo, em razão da inércia do credor. Infringência aos deveres de cooperação e lealdade."
 
No caso analisado pelo STJ, o credor deixou de adotar, dentro de um prazo razoável, providências efetivas contra um irregular ocupante de um imóvel de sua propriedade, o que fez com que o débito atribuído a referido ocupante aumentasse de maneira significativa.
 
O TJ/SP também tem adotado a tese do dever de mitigar o próprio prejuízo, desde que o devedor efetivamente demonstre que poderia o credor ter reduzido a extensão do dano sofrido. Confira-se o seguinte aresto[3]:
 
"Execução de título extrajudicial. Contrato de prestação de serviço escolar. Embargos opostos improcedentes. Alegação de cerceamento de defesa. Inocorrência. Contrato formalmente celebrado e com a assinatura de duas testemunhas instrumentárias e com comprovação da prestação do serviço mediante apresentação de extrato do histórico escolar. Aptidão, portanto, para servir como título exequível. Prestação de serviços educacionais contratados, sem efetiva comprovação de formalização de pedido de cancelamento de matrícula. Estabelecimento, porém, que poderia ter rescindido o contrato por faltas do aluno, após 60 dias. Afronta à boa-fé objetiva em não minimizar o débito do aluno (CCivil, 422). "Duty to mitigate the loss". Débito diminuído para 60 dias de inadimplência. Apelo provido parcialmente, rejeitadas as preliminares."

Como se nota, poderia a instituição de ensino, conforme previsão contratual por ela mesma imposta ao aluno, ter extinto o contrato após 60 dias de faltas injustificadas, e, assim, a inadimplência se resumiria ao período em questão. Não o fazendo em tal prazo, portanto, fez com que a dívida se elevasse, ocasião em que o TJ/SP entendeu pela redução da inadimplência no equivalente a 60 dias de mensalidade escolar impaga.
 
Em conclusão, importante salientar que o instituto em análise muito interessa às empresas, tanto no momento de contratarem, quando poderão dispor de cláusulas que contemplem o dever de mitigar o próprio prejuízo, quanto nas hipóteses em que tenham que demandar por obrigações inadimplidas, especialmente para que sejam tomadas decisões e traçadas estratégias que prevejam um eventual entendimento do Judiciário pela aplicação de aludido instituto.



[1] Conceito do princípio da boa-fé objetiva: Compreende ele um modelo de conduta social, verdadeiro standard jurídico ou regra de conduta, caracterizado por uma atuação de acordo com determinados padrões sociais de lisura, honestidade e correção de modo a não frustrar a legítima confiança da outra parte (Nelson Rosenvald, in Código Civil Comentado, Editora Manole, 7ª Edição, Barueri, 2003).

[2] Recurso Especial 758.518/PR, Relator Ministro Vasco Della Giustina (Desembargador convocado do TJ/RS), data de julgamento 17/10/2010.

[3] Apelação Cível 1011888-18.2014.8.26.0564; Relator: Soares Levada, data de julgamento 12/08/2016.

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