Prazo de tolerância para entrega de imóvel deve ser contado em dias corridos

09/08/2019

Por Rosana da Silva Antunes Ignacio

Por Rosana da Silva Antunes Ignacio
 
É prática comum das construtoras incluírem em seus contratos de venda e compra de imóveis na planta o chamado prazo de tolerância para a entrega da unidade que será construída.
 
Tal prazo nada mais é do que um tempo adicional àquele inicialmente estabelecido para finalização das obras e entrega do imóvel, considerando a possibilidade de ocorrerem situações que possam causar o atraso na entrega do empreendimento, impossíveis de serem previstas quando do início das obras e elaboração do planejamento e cronograma da construção.
 
Os Tribunais consideram válida a cláusula contratual que estabelece o prazo de tolerância, desde que expressamente prevista no contrato celebrado entre a construtora e o comprador da unidade, de forma clara e inteligível.
 
No Tribunal de Justiça de São Paulo, por exemplo, foi editada a Súmula 164 para pacificar o entendimento a respeito do tema:
 
“Súmula 164: É válido o prazo de tolerância não superior a cento e oitenta dias, para entrega de imóvel em construção, estabelecido no compromisso de venda e compra, desde que previsto em cláusula contratual expressa, clara e inteligível.”
 
Contudo, em que pese a validade da cláusula de tolerância seja plenamente aceita pelos Tribunais, havia divergência quanto a forma de contagem do prazo por ela estabelecido, se seria em dias úteis ou em dias corridos.
 
Visando estabelecer um prazo razoável para entrega da obra, bem como não causar danos aos compradores das unidades comercializadas, especialmente por se tratar, em grande parte, de relação de consumo, o Tribunal de Justiça de São Paulo tem se posicionado no sentido de que a contagem do prazo de tolerância deve ser feita em dias corridos, sob pena de parcial abusividade da cláusula contratual e caracterização da mora da construtora na entrega após o prazo estipulado em contrato, acrescido da tolerância.
 
Vejamos alguns recentes julgados a respeito do tema:
 
“APELAÇÃO CÍVEL – COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA IMÓVEL – AÇÃO DE CONHECIMENTO – CONDENATÓRIA CUMULADA COM OBRIGAÇÃO DE FAZER – (…) Atraso na entrega do imóvel – Inadimplemento comprovado – Cláusula de tolerância válida, afastada a previsão de contagem em dias “úteis” (…) A cláusula 6.1 do contrato originário prevê o prazo de tolerância de 120 dias úteis. A cláusula de tolerância de até 180 dias deve incidir uma vez não se mostrar abusiva consoante reiterada jurisprudência desta Corte, consolidada em sua Súmula 164 com a seguinte redação, in verbis: (…). A ré empreendeu contagem em dias corridos como já visto. No entanto, não se mostra desnecessário reconhecer a abusividade da contagem em dias úteis, que, no final das contas, prorrogaria o prazo de tolerância para além dos seis meses. Assim, nos termos do artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do Consumidor, é parcialmente nula a cláusula 6.1 da avença, devendo ser considerada como válida a incidência do prazo de tolerância de 120 dias corridos, e não úteis. O prazo de sessenta dias úteis previsto na cláusula 7.1 do contrato (fls.284) mostra-se abusivo, e, portanto, deve ser desconsiderado. Assim se decide porque referida cláusula admite solução de continuidade entre o primeiro e o segundo prazos de tolerância, o que não se mostra admissível.”[1]
 
“IMÓVEL – Compromisso de compra e venda – Atraso na entrega da obra – Prazo de tolerância previsto para ser contado em dias úteis – Abusividade – Contagem em dias corridos – Súmula 164 do TJSP (…) O prazo se conta em dias corridos, e não em dias úteis. Aliás, trata-se de prazo bem extenso, o qual já decorre, como se disse, de tolerância, no qual caberia à ré promover os últimos ajustes para que o imóvel fosse entregue. Portanto, a cláusula é parcialmente abusiva.[2]
 
“COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA – Atraso na entrega da obra – Reconhecimento (…) Contrato que estabelecia prazo determinado para a conclusão da obra – Ausência de comprovação efetiva do percentual de adquirentes optantes pelo referido plano e seus reflexos concretos na obra – Atraso que só deve ser considerado após o vencimento do prazo de tolerância de 180 dias, que não se afigura abusivo, nos termos da Súmula 164 deste E. Tribunal – Contagem que deve ser feita de forma corrida, e não apenas por dias úteis (…) Assim, configurada a mora da construtora. Quanto à cláusula de tolerância, correta a solução dada pela r. sentença. O prazo de tolerância de 180 dias deve ser admitido, uma vez que, consideradas as dimensões da obra a ser realizada, e a eventual possibilidade de percalços durante a construção, razoável que se estabeleça uma margem limitada de variação do prazo. A respeito do tema, foi editada a Súmula 164 deste Egrégio Tribunal de Justiça, que assim dispõe: (…). No entanto, também correta a sentença ao estabelecer que a contagem do prazo deve ser em dias corridos, e não úteis, já que, a considerar-se apenas estes, o prazo ultrapassaria o razoável.[3]
 
Portanto, além de se atentar acerca da disposição contratual relativa ao prazo de tolerância, as construtoras devem prever a contagem em dias corridos, minimizando, assim, eventuais riscos de abusividade parcial da disposição contratual e contagem do prazo de forma diversa daquela estabelecida, causando o dever de indenizar o consumidor caso haja atraso na entrega da unidade imobiliária.

 


[1] TJSP, Apelação nº 1001362-16.2014.8.26.0071, 10ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Dimitrios Zarvos Varellis, j. 27 de novembro de 2018.

[2] TJSP, Apelação nº 1006994-66.2014.8.26.0477, 8ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Mônica de Carvalho, j. 14 de maio de 2018.

[3] TJSP, Apelação nº 0014202-11.2012.8.26.0309, 2ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Marcus Vinicius Rios Gonçalves, j. 28 de fevereiro de 2018.

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