Decisão do CARF reabre discussão sobre tributação de securitizadora

26/08/2019

Por Vinícius de Barros

Por Vinicius de Barros
 

A securitização de créditos comerciais surgiu como alternativa para os atuantes no mercado de aquisição de títulos de créditos. A atividade era vista como substitutiva da factoring, pois apresentava supostas vantagens tributárias. As vantagens acenadas pelos adeptos desse modelo de negócio eram a possibilidade da opção de tributação do IRPJ e da CSLL pelo lucro presumido, a apuração das contribuições ao PIS e COFINS pelo regime cumulativo (com alíquotas de, respectivamente, 0,65% e 3%), e a não incidência do IOF nas operações de cessão de créditos. 
 

A possibilidade de optar pelo lucro presumido e pelo regime cumulativo era embasada em pronunciamentos feitos pela Receita Federal em resposta a consultas feitas por determinadas empresas. Esse caminho nunca se mostrou seguro para quem apenas pegou carona nesses pronunciamentos, pois na verdade a autorização para a tributação nos regimes presumido e cumulativo foi dada pela Receita Federal para algumas empresas apenas. O cenário sempre foi de incerteza e insegurança para a maioria.
 

Em abril de 2014, todas as empresas de securitização que adotavam os regimes de tributação presumido e cumulativo receberam um balde de água fria. A Receita Federal publicou o Parecer Normativo nº 5, regulamentando, por assim dizer, a tributação das securitizadoras de créditos comerciais. Segundo o fisco, as securitizadoras deveriam adotar o mesmo regime de tributação das factorings, ou seja, o lucro real para o IRPJ e CSLL e o regime não-cumulativo para o PIS e a COFINS. Assim, restaria como única vantagem das securitizadoras a não incidência do IOF.

Por conta do Parecer Normativo nº 5, temos conhecimento de que muitas empresas securitizadoras de créditos comerciais que adotaram os regimes presumido e cumulativo foram autuadas pela Receita Federal, e que parte delas está discutindo a autuação na esfera administrativa, possivelmente argumentando a ilegalidade da referida norma da Receita Federal.
 

A esperança de que as autuações podem ser canceladas surgiu a partir de um recente julgado do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (“CARF”). No voto proferido no processo 10920.723057/2017-17, a relatora do recurso, Conselheira Bianca Felicia Rothschild, julgou ser ilegal o Parecer Normativo nº 5/2014 da Receita Federal, por entender que o fisco não poderia obrigar as securitizadoras de créditos comerciais a adotar o regime do lucro real sem que houvesse lei expressa nesse sentido. Eis os principais trechos do voto da conselheira:
 

Em face dos julgamentos realizados por este colegiado e do histórico legislativo acima mencionado, entendo que em nome do principio da segurança jurídica e moralidade, devese reconhecer que a contribuinte não enquadra-se no inciso VI do artigo 14 da Lei 9.718/98 e esteve, enquanto praticante de atividades de securitização devidamente sujeita ao regime de tributação do lucro presumido.

Entendo, ainda, que a contribuinte não se enquadra no inciso VII do artigo 14 da Lei 9.718/98, inserido pela Lei 12.249/10, posto que menciona expressamente apenas as securitizadoras de créditos imobiliários, financeiros e do agronegócio.

Julgo, ainda, que o Parecer Normativo Cosit 05 de 11 de abril de 2014, inovou o ordenamento jurídico, não reconhecendo o alegado caráter interpretativo do mesmo (eficácia ex tunc), posto que reconhecê-lo desta forma afrontaria a legalidade em virtude de ofensa à segurança jurídica, moralidade administrativa e proteção à confiança.

Segundo o entendimento exposto no citado Parecer Normativo, "a Lei 12.249, de 11 de junho de 2010, ao incluir, no dispositivo supracitado, o inciso VII especificando segmentos de negócio, deu margem ao entendimento de que a norma não alcançaria a securitização de créditos comerciais por falta de menção expressa, o que entendo ser interpretação equivocada, pois a alteração promovida pela Lei 12.249/2010 é clara no sentido de que houve uma inovação no ordenamento jurídico para que determinadas atividades também fossem arroladas entre aquelas que estão obrigatoriamente submetidas ao lucro real.

Em outras palavras, não se deve invocar dúvida quanto à hipótese clara e precisa indicada no inciso VII do art. 14 da Lei 9.718/98 (com alteração da Lei 12.249/2010), pois se o legislador tivesse a intenção de incluir toda e qualquer atividade de securitização no rol do art. 14 da Lei n. 9.718/98 então, não teria especificado três segmentos da atividade de securitização – créditos imobiliários, créditos financeiros e créditos do agronegócio.

Ademais, importante ressaltar que o artigo 14, inciso VII, da Lei n. 9.718/98 já estava vigente no momento em que a Recorrente sofreu as primeiras autuações fiscais e a própria Receita Federal entendia correta a opção da empresa pelo lucro presumido, somente questionando o percentual aplicado (8%/32%).

Verifica-se da leitura atenta do referido parecer normativo, que a linha de raciocínio da RFB é no sentido de que, a atividade de securitização de ativos empresariais já estaria albergada pelo inciso VI do artigo 14 da Lei 9.718/98, que trata de hipótese específica – a atividade de factoring – o que, a despeito de guardar alguma semelhança com a atividade de securitização de ativos empresariais, caracteriza situação distinta e, portanto, não pode o intérprete expandir a obrigação tributária ali prevista para atingir outras situações que não aquelas expressamente descritas na lei.”

Como bem salientado no supracitado voto, não pode a Receita Federal, sob o pretexto de “interpretar” a legislação, impor uma nova obrigação tributária (ou seja, a adoção do lucro real pelas securitizadoras), até então inexistente e, inclusive, contrária a atos normativos e práticas reiteradamente observadas pelo próprio fisco, sem que haja expressa previsão legal (leia-se, lei em sentido estrito). De fato, não há lei que obrigue uma empresa securitizadora de créditos comerciais a ser tributada pelo lucro real; a suposta obrigatoriedade foi criada pela Receita Federal, mas isso não compete a ela. 
 

Foi “apenas” um voto de um dos processos que chegou no CARF, mas, a nosso ver, a fundamentação da decisão da Conselheira Bianca Felicia Rothschild tem tudo para servir de norte para os próximos julgamentos envolvendo outras securitizadoras autuadas. Caso a jurisprudência do CARF se consolide nesse sentido, o caminho pode ficar aberto para as empresas securitizadoras voltarem a adotar o regime de tributação do lucro presumido, dessa vez com mais segurança. 

 

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