Contratante não pode questionar cláusula proposta por ele mesmo

09/09/2019

Por Orlando Quintino Martins Neto

Por Orlando Quintino Martins Neto

A regra geral para estipulação de cláusula penal nos contratos é aquela prevista nos artigos 408 e 412 do Código Civil:

“Art. 408. Incorre de pleno direito o devedor na cláusula penal, desde que, culposamente, deixe de cumprir a obrigação ou se constitua em mora.

Art. 412. O valor da cominação imposta na cláusula penal não pode exceder o da obrigação principal.”

O Superior Tribunal de Justiça, em recente decisão, analisou um caso em que o próprio comprador de um imóvel propôs a inclusão no contrato de uma cláusula penal em que este, em caso de inadimplemento, estaria sujeito à resolução do referido contrato e à perda da totalidade dos valores pagos (e não apenas do sinal).

Baseado nos princípios da boa-fé contratual e da vedação à adoção de comportamento contraditório pelas partes contratantes, o STJ, em decisão unânime dos integrantes da 3ª Turma, chancelou a cláusula penal inserida no contrato.

O acórdão foi publicado em 12/08/2019 e assim ementado:

“RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPROMISSO DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL ENTRE PARTICULARES. RESCISÃO DO CONTRATO. VALORES PAGOS. PERDA INTEGRAL. PREVISÃO EM CLÁUSULA PENAL. VALIDADE. NEGÓCIO JURÍDICO. AUSÊNCIA DE VÍCIOS. PROPOSIÇÃO DO PROMITENTE COMPRADOR. ALEGAÇÃO DE INVALIDADE. IMPOSSIBILIDADE. PROIBIÇÃO DE COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. 1. Recurso especial interposto contra acórdão publicado na vigência do Código de Processo Civil de 2015 (Enunciados Administrativos nºs 2 e 3/STJ). 2. Cinge-se a controvérsia a discutir a validade de cláusula penal que prevê a perda integral dos valores pagos em contrato de compromisso de compra e venda firmado entre particulares. 3. Para a caracterização do vício de lesão, exige-se a presença simultânea de elemento objetivo – a desproporção das prestações – e subjetivo – a inexperiência ou a premente necessidade, que devem ser aferidos no caso concreto. 4. Tratando-se de negócio jurídico bilateral celebrado de forma voluntária entre particulares, é imprescindível a comprovação dos elementos subjetivos, sendo inadmissível a presunção nesse sentido. 5. O mero interesse econômico em resguardar o patrimônio investido em determinado negócio jurídico não configura premente necessidade para o fim do art. 157 do Código Civil. 6. Na hipótese em apreço, a cláusula penal questionada foi proposta pelos próprios recorrentes, que não comprovaram a inexperiência ou premente necessidade, motivo pelo qual a pretensão de anulação configura comportamento contraditório, vedado pelo princípio da boa-fé objetiva. 7. Recurso especial não provido.”

Em seu voto, o relator, Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, menciona:

“No caso dos autos, por se tratar de compromisso de compra e venda celebrado de forma voluntária entre particulares que, em regra, estão em situação de paridade, é imprescindível que os elementos subjetivos da lesão sejam comprovados, não se admitindo a presunção de tais elementos. Entendimento em sentido contrário poderia incentivar a parte a assumir obrigações que sabe serem excessivas para depois pleitear a anulação do negócio.”
 
E, ainda:
 
“Nas relações contratuais, deve-se manter a confiança e a lealdade, não podendo o contratante exercer um direito próprio contrariando um comportamento anterior.
 
(…)
 
Logo, concluir pela invalidade da Cláusula 3.1 do termo aditivo, ou mesmo pela redução da penalidade imposta, nos termos em que pretende o recorrente ao indicar a violação do art. 413 do Código Civil, implicaria ratificar a conduta da parte que não observou os preceitos da boa-fé em todas as fases do contrato, o que vai de encontro à máxima do ‘venire contra factum proprium’".

 
No caso concreto, pesou o fato de o comprador ser advogado e, por isso, não se tratar de pessoa inexperiente ao ponto de não saber quais seriam as consequências do inadimplemento contratual.
 
Conclui-se, assim, que, afora as situações que envolvam relação de consumo e/ou aquelas sujeitas à Lei Federal 13.786/2018 (Lei do Distrato) – que não é o caso da situação citada no acórdão –, a cláusula penal ajustada de comum acordo pelas partes em situação de paridade, é perfeitamente válida.
 
A íntegra do acórdão pode ser consultada clicando aqui.

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