Impactos da Lei da Liberdade Econômica nas relações contratuais

27/09/2019

Por Orlando Quintino Martins Neto

Por Orlando Quintino Martins Neto

No último dia 20 de setembro foi sancionada pelo Presidente Jair Bolsonaro a Lei 13.874/2019. É a chamada “Lei da Liberdade Econômica”, originada da Medida Provisória nº 881/2019.
 
Dentre outros assuntos que aborda, a referida lei trouxe alterações relevantes ao Código Civil, que afetam diretamente as relações contratuais.
 
Pela nova lei, foram alterados os artigos 113 e 421, e incluído o artigo 421-A no Código Civil, cuja redação atual dos dispositivos legais ficou da seguinte forma:
 
Art. 113. Os negócios jurídicos devem ser interpretados conforme a boa-fé e os usos do lugar de sua celebração.
 
§ 1º. A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que:
 
I – for confirmado pelo comportamento das partes posterior à celebração do negócio;
 
II – corresponder aos usos, costumes e práticas do mercado relativas ao tipo de negócio;
 
III – corresponder à boa-fé;
 
IV – for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável; e
 
V – corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração.
 
§ 2º. As partes poderão livremente pactuar regras de interpretação, de preenchimento de lacunas e de integração dos negócios jurídicos diversas daquelas previstas em lei.
 
[….]
 
Art. 421. A liberdade contratual será exercida nos limites da função social do contrato.
 
Parágrafo único. Nas relações contratuais privadas, prevalecerão o princípio da intervenção mínima e a excepcionalidade da revisão contratual.
 
 
Art. 421-A. Os contratos civis e empresariais presumem-se paritários e simétricos até a presença de elementos concretos que justifiquem o afastamento dessa presunção, ressalvados os regimes jurídicos previstos em leis especiais, garantido também que:
 
I – as partes negociantes poderão estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação das cláusulas negociais e de seus pressupostos de revisão ou de resolução;
 
II – a alocação de riscos definida pelas partes deve ser respeitada e observada; e
 
III – a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada.
 
Antes das alterações trazidas pela nova lei, não existiam os parágrafos 1º e 2º no artigo 113, o parágrafo único no artigo 421, e nem o artigo 421-A, todos ora introduzidos ao Código Civil.

Até então, no que se refere às relações contratuais, prevalecia o princípio da função social do contrato (CC, artigo 421, caput), regra aberta que, devido à sua subjetividade, permitia ao Estado (o Poder Judiciário) intervir de forma quase que irrestrita.
 
Em que pese esse princípio tenha sido mantido pela nova lei, já que o caput do artigo 421 não foi alterado substancialmente, com a inclusão do artigo 421-A e seus incisos, houve significativa redução no poder de intervenção do Estado, pois a revisão contratual passou a ser considerada como uma medida excepcional.
 
Quando a lei atual menciona “intervenção mínima”, “excepcionalidade da revisão contratual” e que “a revisão contratual somente ocorrerá de maneira excepcional e limitada”, nada mais fez o legislador do que fortalecer o princípio do pacta sunt servanda.[1]
 
Parece-nos, com as alterações realizadas, que o objetivo do legislador foi o de (i) oferecer mais liberdade às partes contratantes para estabelecer seus entendimentos; bem como (ii) proporcionar maior segurança jurídica aos negócios. Tenta o legislador trazer uma certeza – ou o mais próximo possível disso – de que as regras definidas pelas partes serão observadas.
 
Mas é importante registrar que a liberdade de contratar traz, em consequência, também uma maior responsabilidade, tanto para quem contrata, quanto para quem elabora o instrumento contratual.
 
Isso porque, com as alterações realizadas, as partes podem, por exemplo, estabelecer parâmetros objetivos para interpretação das cláusulas contratuais, ou mesmo definir a alocação dos riscos a que cada uma estará sujeita.
 
Mas, em caso de dúvidas na interpretação do instrumento contratual, segundo o inciso V, do artigo 113, do Código Civil, inserido pela nova lei, prevalecerá a interpretação que “for mais benéfico à parte que não redigiu o dispositivo, se identificável”.
 
Ou seja, elaborar um contrato que reflita exatamente o entendimento das partes tornou-se muito mais relevante. Doravante, ou a redação do contato contempla todas as questões jurídicas de acordo com o que foi ajustado pelas partes, ou, a despeito da presunção de serem as partes paritárias, prevista no caput do artigo 421-A do Código Civil, a eventual interpretação será realizada, sempre, em favor da parte que não redigiu o instrumento.
 
Acreditamos que, com as alterações trazidas ao Código Civil pela nova lei, finalmente, perdem espaço os “modelos de contratos” e entram em cena os trabalhos customizados.

 


[1] Segundo a doutrina “Pacta sunt servanda (do Latim ‘Acordos devem ser mantidos’), é um brocardo latino que significa ‘os pactos assumidos devem ser respeitados’ ou mesmo ‘os contratos assinados devem ser cumpridos’".

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