Liberdade Econômica e a Desconsideração da Personalidade Jurídica

27/09/2019

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

No artigo publicado no dia 08/05/2019, comentamos as mudanças positivas que a Medida Provisória 881/19, que instituiu a Declaração de Direitos de Liberdade Econômica, trouxe ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica. Cabe agora comentar o que mudou com a sua conversão para a Lei 13.874/19.

Substancialmente, a Lei 13.874/19 introduziu o artigo 49-A no Código Civil, que não estava previsto no texto da MPV 881/19. Mas essa norma não é bem uma novidade, apenas reafirma o conceito já existente de distinção e autonomia patrimonial da pessoa jurídica em relação aos seus sócios:

“Art. 49-A. A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.

Parágrafo único. A autonomia patrimonial das pessoas jurídicas é um instrumento lícito de alocação e segregação de riscos, estabelecido pela lei com a finalidade de estimular empreendimentos, para a geração de empregos, tributo, renda e inovação em benefício de todos.”

Não nos parece, entretanto, que a inclusão dessa norma antes do artigo 50 tenha sido aleatória!

A nosso ver, quis o legislador deixar claro que a regra é a da autonomia da pessoa jurídica em relação aos seus sócios e administradores, a exceção será quando ficar caracterizado o abuso da sua personalidade por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

O artigo 50 do Código Civil, que regula o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, foi aprovado pela Lei 13.784/19 com a redação proposta na MPV 881/19, passando a viger da seguinte forma:

“Art. 50.  Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio de finalidade ou pela confusão patrimonial, pode o juiz, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, desconsiderá-la para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica beneficiados direta ou indiretamente pelo abuso.

§1° Para os fins do disposto neste artigo, desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e para a prática de atos ilícitos de qualquer natureza.

§2º Entende-se por confusão patrimonial a ausência de separação de fato entre os patrimônios, caracterizada por:

I – cumprimento repetitivo pela sociedade de obrigações do sócio ou do administrador ou vice-versa;

II – transferência de ativos ou de passivos sem efetivas contraprestações, exceto os de valor proporcionalmente insignificante; e

III – outros atos de descumprimento da autonomia patrimonial.

§3° O disposto no caput e nos §§ 1º e 2º deste artigo também se aplica à extensão das obrigações de sócios ou de administradores à pessoa jurídica.

§4° A mera existência de grupo econômico sem a presença dos requisitos de que trata o caput deste artigo não autoriza a desconsideração da personalidade da pessoa jurídica.

§5° Não constitui desvio de finalidade a mera expansão ou a alteração da finalidade original da atividade econômica específica da pessoa jurídica.”

A aprovação da Lei 13.784/19 está no top trends das notícias jurídicas e é certo que as mudanças introduzidas por ela reabrirão as discussões em torno do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, com impacto na jurisprudência, que por sua vez deverá se encarregar de dar a correta interpretação do que seja o benefício direto ou indireto decorrente do abuso da pessoa jurídica, ou, ainda, do que seja “[…] valor proporcionalmente insignificante” disposto no inciso II do §°2 do artigo 50, para não caracterizar confusão patrimonial.

O que se espera dessa Lei é a apreciação dos pedidos de desconsideração da personalidade jurídica de forma mais objetiva. Aliás, vale lembrar que é esse o propósito da Declaração de Direitos de Liberdade Econômica: a mínima intervenção do Estado e maior autonomia do particular, previsto no inciso III do artigo 2° da Lei 13.874/19[1].

 


 [1]Art. 2º São princípios que norteiam o disposto nesta Lei:
I – a liberdade como uma garantia no exercício de atividades econômicas;
II – a boa-fé do particular perante o poder público;
III – a intervenção subsidiária e excepcional do Estado sobre o exercício de atividades econômicas; e
IV – o reconhecimento da vulnerabilidade do particular perante o Estado.
Parágrafo único. Regulamento disporá sobre os critérios de aferição para afastamento do inciso IV do caput deste artigo, limitados a questões de má-fé, hipersuficiência ou reincidência.

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