Empresa pode terceirizar todas as suas atividades

21/10/2019

Por Eduardo Galvão Rosado

Por Eduardo Galvão Rosado
 

A terceirização – também chamada de desverticalização – é a relação triangular formada entre trabalhador, intermediador de mão de obra e o tomador de serviços, caracterizada pela não coincidência do empregador real com o formal.

 

A empresa prestadora de mão de obra coloca seus trabalhadores nas empresas tomadoras ou clientes. Ou seja, a tomadora contrata mão de obra por meio de outra pessoa, que serve de intermediadora entre o tomador e os trabalhadores, sendo que o liame empregatício se estabelece com a colocadora de mão de obra.

 

A terceirização não é ilícita nem proibida, estando inclusive permitida e prestigiada em nosso ordenamento jurídico nas hipóteses de trabalho temporário; serviços de vigilância, segurança e transporte de valores para estabelecimentos bancários e de crédito (Lei 7.102/83); de conservação e limpeza; e antes apenas para serviços especializados ligados a atividade-meio da tomadora de mão de obra, sendo que em todas as hipóteses, sempre que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta. Assim dispõe a Súmula 331 do TST, in verbis:

 

“Súmula nº 331 do TST. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE (nova redação do item IV e inseridos os itens V e VI à redação) – Res. 174/2011, DEJT divulgado em 27, 30 e 31.05.2011.

 

I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).

  

II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera vínculo de emprego com os órgãos da Administração Pública direta, indireta ou fundacional (art. 37, II, da CF/1988).

 

III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta.

 

IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.

 

V – Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.

 

VI – A responsabilidade subsidiária do tomador de serviços abrange todas as verbas decorrentes da condenação referentes ao período da prestação laboral."

 

Como se denota, a terceirização, ainda que lícita, não retira a responsabilidade subsidiária da tomadora de serviços, na ocorrência de descumprimento, pela contratada, das obrigações trabalhistas. Vejamos:

 

“TERCEIRIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. TOMADORA DE SERVIÇOS. Incontroversa a relação comercial entre empregadora e tomadora, sem que tenha sido negada a prestação de serviços do autor em seu favor, impõe-se o reconhecimento da sua responsabilidade subsidiária, que a terceirização lícita não afasta. Súmula 331, IV, do TST. Sentença mantida. Data de publicação 30/04/2019. Proc. nº 1000564-16.2018.5.02.0271”. 

 

“TERCEIRIZAÇÃO. TOMADOR. RESPONSABILIDADE. A responsabilidade do contratante, na terceirização de serviços que poderiam ser executados com mão de obra própria, decorre dos princípios da dignidade da pessoa humana e da valorização do trabalho (art. 1º, incisos III e IV, da Constituição Federal). Ao eleger mal e deixar de fiscalizar o cumprimento das obrigações trabalhistas, o tomador dos serviços age em flagrante abuso do direito de terceirizar. Por isso, tem a obrigação de reparar os danos que causou (art. 186 e 927 do CCB). Recurso que se nega provimento. Data de publicação 31/01/2017. 17ª TURMA RECURSO ORDINÁRIO PROCESSO TRT/SP Nº 0002401-50.2014.5.02.0373”. 

 

A fixação da responsabilidade subsidiária da empresa tomadora de serviços está embasada nas modalidades de responsabilidade por culpa, seja in eligendo, seja in vigilando. O Direito Civil define tais institutos da seguinte forma, segundo o entendimento de Valdeci Mendes de Oliveira[1]:

 

“Por culpa in eligendo, entenda-se que resulta de má escolha de preposto ou de representante. Quem elege mal o representante, ou empregado, responde civilmente por atos ilícitos por este praticado. Admitir ou manter um preposto sem escrúpulos na execução de um serviço ou tarefa implica responsabilidade do preponente pala péssima eleição ou escolha, devendo pagar indenização se alguém for vítima de ato ilícito perpetrado pelo escolhido. A culpa in vigilando decorre da ausência de ou má fiscalização de quem, por lei ou contrato, tem a incumbência de vigiar pessoas ou coisas. É o caso do patrão que descuida de empregados motoristas, e permite que estes dirijam embriagados, ou autoriza a saída de veículos em péssimo estado de conservação, causando acidentes”.

 

Com o advento da Lei 13.429/2017 (de 31/03/2017), este panorama não se modificou e, muito menos, houve revogação ou anulação da Súmula 331 do TST.  

 

Na realidade, a principal alteração inserida foi a permissão da terceirização de todas as atividades da empresa tomadora de serviços (seja meio, seja ela ligada à atividade fim). A questão, inclusive, foi analisada pelo STF em 2018 (RE 958.252 e ADPF 324), que ratificou a possiblidade da terceirização ampla e irrestrita. 

 

A tese de repercussão geral aprovada no Recurso Extraordinário 958.252 (Relator Ministro Luiz Fux), com efeito vinculante para todo o Poder Judiciário, restou assim redigida: "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante."

 

Além disso, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 324, o Relator, Ministro Roberto Barroso assim se manifestou: "1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o empregado da contratada. 2. Na terceirização, compete à tomadora do serviço: i) zelar pelo cumprimento de todas as normas trabalhistas, de seguridade social e de proteção à saúde e segurança do trabalho incidentes na relação entre a empresa terceirizada e o trabalhador terceirizado; bem como ii) assumir a responsabilidade subsidiária pelo descumprimento de obrigações trabalhistas e pela indenização por acidente de trabalho, bem como a responsabilidade previdenciária, nos termos do art. 31 da Lei 8.212/1993".

 

Nesse mesmo sentido é a Ementa abaixo:

 

“RECURSO ORDINÁRIO INTERPOSTO PELO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. TERCEIRIZAÇÃO. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. Ao julgar em 30/08/2018 a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental nº 324 e o Recurso Extraordinário nº 958.252, com repercussão geral reconhecida, o C. Supremo Tribunal Federal decidiu que é lícita a terceirização em todas as etapas do processo produtivo, seja meio ou fim, sendo admitida a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas. De se destacar que o C. TST, analisando casos em que houve terceirização de serviços auxiliares de saúde, tem decidido reiteradamente pela licitude desse fenômeno, entendendo que serviços especializados podem ser terceirizados por hospitais e clínicas, já que nem mesmo envolvem a atividade-fim do contratante. Assim, no caso dos autos, afigura-se lícita a terceirização operada pelas reclamadas, que visou a prestação de serviços auxiliares de radiologia. Precedentes do C. TST. Recurso ordinário improvido. Data de Publicação 04/09/2019. Processo nº 1000902-81.2017.5.02.0446”

 

Ocorre que, ao contrário do que vem sendo propagado, a terceirização, para ser válida, precisa atender os requisitos legais, notadamente aqueles previstos nos artigos 4º-A e seguintes da Lei 6.019/1974, in verbis:

 

“Art. 4º-A. Considera-se prestação de serviços a terceiros a transferência feita pela contratante da execução de quaisquer de suas atividades, inclusive sua atividade principal, à pessoa jurídica de direito privado prestadora de serviços que possua capacidade econômica compatível com a sua execução (Redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017)

 

§ 1o A empresa prestadora de serviços contrata, remunera e dirige o trabalho realizado por seus trabalhadores, ou subcontrata outras empresas para realização desses serviços. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 

§ 2o Não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante. (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 

Art. 4º-B. São requisitos para o funcionamento da empresa de prestação de serviços a terceiros: (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 

I – prova de inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ); (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 

II – registro na Junta Comercial; (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 

III – capital social compatível com o número de empregados, observando-se os seguintes parâmetros: (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 

a) empresas com até dez empregados capital mínimo de R$ 10.000,00 (dez mil reais); (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 

b) empresas com mais de dez e até vinte empregados capital mínimo de R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais); (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 

c) empresas com mais de vinte e até cinquenta empregados capital mínimo de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais); (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 

d) empresas com mais de cinquenta e até cem empregados capital mínimo de R$ 100.000,00 (cem mil reais); e (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)

 

e) empresas com mais de cem empregados capital mínimo de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais). (Incluído pela Lei nº 13.429, de 2017)”.

 

Pela análise da referida Lei, verifica-se que a empresa prestadora de serviços deverá preencher obrigatoriamente os requisitos previstos no artigo 4º-B, tais como inscrição no CNPJ, registro na Junta Comercial e capital social compatível. 

 

No mais, também não poderá figurar como contratada, a pessoa jurídica cujos titulares ou sócios tenham, nos últimos 18 meses, prestado serviços à contratante na qualidade de empregado ou trabalhador sem vínculo empregatício, exceto se os referidos titulares ou sócios foram aposentados (artigo 5º-C, da Lei nº 6.019/74). 

 

O mesmo raciocínio também se aplica ao empregado demitido da empresa tomadora de serviços, que só poderá figurar como empregado da empresa prestadora de serviços após o decurso do prazo de 18 meses, contados a partir da sua demissão (artigo 5º-D, da Lei nº 6.019/74).

 

É importante destacar, ainda, que apesar do §2º, do artigo 4º-A, da Lei 6.019/1974 prever expressamente que “não se configura vínculo empregatício entre os trabalhadores, ou sócios das empresas prestadoras de serviços, qualquer que seja o seu ramo, e a empresa contratante”, a chamada “Pejotização” não está autorizada.

 

Isso porque, essa prática continua sendo ilegal, pois, se na relação estabelecida entre as partes estiverem presentes os requisitos dos artigos 2º e 3º da CLT (pessoalidade, subordinação, onerosidade e não eventualidade), o vínculo empregatício será indiscutivelmente reconhecido pelo Poder Judiciário. Nesse mesmo sentido é a Ementa abaixo:

 

“Publicação 22/11/2016. PROCESSO TRT/SP Nº 0000500-57.2014.5.02.0014 RECURSO ORDINÁRIO ORIGEM: 14ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO EMENTA: CONTRATO DE TRABALHO X PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. O contrato de trabalho é um contrato realidade. O contrato escrito de prestação de serviços, por si só não é suficiente, pois há de se analisar a prova dos autos para verificar se este não está a mascarar uma verdadeira relação empregatícia. Recurso do reclamante a que se concede provimento”. 

 

É evidente que, com o advento da Lei 13.429/2017, a empresa tomadora de serviços não poderá mais ser condenada (com o reconhecimento do vínculo empregatício e a responsabilidade direta, por exemplo), apenas sob o fundamento de que as atividades desenvolvidas pelo prestador de serviços estão ligadas e inseridas no seu escopo social, na medida em que o exercício da chamada “atividade-fim”, por empresas terceirizadas, a partir de agora, está autorizado. Entretanto, conforme já declinado, os requisitos previstos na Lei 6.019/1974 deverão ser rigorosamente atendidos, sob pena de nulidade da terceirização.

 

As fraudes e as incorreções mais comuns nos contratos de terceirização são as seguintes: quando há subordinação direta entre o empregado da empresa prestadora de serviços e a contratante; quando a mão de obra é contratada para determinada atividade, mas, na prática, desenvolve outra; e, ainda, quando fica comprovado que a empresa prestadora de serviços não tem capacidade econômica compatível com o número de empregados.

 

Seguindo essa mesma linha de raciocínio é a Jurisprudência abaixo:
 

“Terceirização ilícita. Unicidade contratual. Comprovada a terceirização ilícita pela subordinação direta à primeira reclamada, é devido o reconhecimento da unicidade contratual no período laborado como "terceirizado" e "empregado direto". Proc. 1000166-33.2017.5.02.0262. 6ª Turma”.
 

“TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. VÍNCULO EMPREGATÍCIO RECONHECIDO DIRETAMENTE COM O TOMADOR DE SERVIÇOS. A prova é firme e convincente quanto à fraude na contratação do reclamante, utilizando-se o Banco demandado de uma empresa interposta a qual, em verdade, não passa de mera fornecedora de mão de obra, caracterizando intermediação de mão de obra. A regular terceirização de serviços não se confunde com a mera intermediação de mão de obra, a qual se aproveita da força de trabalho despendida em atividade especializada do tomador dos serviços com o só intuito de mascarar o vínculo de emprego. Não se pode admitir que, sob o pálio da contratação de serviços terceirizados, ficasse o empregado excluído do rol dos direitos trabalhistas e, de outro lado, o real empregador desincumbido dos encargos sociais correspondentes. Nos termos do artigo 9.º da CLT, são nulos de pleno direito os atos praticados com o objetivo de desvirtuar, impedir ou fraudar a aplicação dos preceitos consolidados, razão por que se considera ilícita a terceirização perpetrada (Súmula 331, I, do C. TST). Publicação 11/10/2019. Proc. 1000326-15.2018.5.02.0071.”
 

“TERCEIRIZAÇÃO ILÍCITA. VÍNCULO DE EMPREGO COM O TOMADOR DE SERVIÇOS. Não há outro caminho a ser trilhado a não ser o do reconhecimento da intermediação ilícita de mão-de-obra, uma vez evidenciado nos autos que a reclamante foi contratada por empresa interposta para contribuir com os fins econômicos da 2ª reclamada (Banco Itaú), eis que a autora recebia ordens dos coordenadores da 2ª reclamada, bem como que tinha acesso da 2ª reclamada inclusive com senha, participava de reuniões com a 2ª reclamada, sendo em torno de 3 reuniões na semana, recebendo orientações de cobrança de metas, alinhamentos de procedimentos. Data de publicação 02/04/2019. Processo nº 1000124-32.2018.5.02.0073”.
 

“Terceirização ilícita de serviços. Apesar de o STF, em Sessão Plenária do dia 30/8/2018, ter consolidado o tema 725 da repercussão geral no sentido de que, "é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante", impõe-se reconhecer o vínculo de emprego com o tomador de serviços quando a prova revela que havia pessoalidade e subordinação direta com a empresa tomadora, configurando fraude à legislação trabalhista. Data de publicação 30/09/2019, Processo nº 1000838-39.2017.5.02.0004”.

 

Destarte, não obstante o STF – após apreciar o Recurso Extraordinário 958.252 e a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 324 – ter fixado em caráter geral e erga omnes, portanto, com observância obrigatória pelos demais órgãos do Poder Judiciário nacional, a tese de que é lícita a terceirização de toda e qualquer atividade empresarial (meio ou fim), ou qualquer outra forma de divisão do labor entre pessoas jurídicas distintas, não se olvida que os requisitos legais previstos na Lei 6.019/1974 devem ser obrigatoriamente preenchidos (além de inexistentes a pessoalidade e a subordinação), sob pena de nulidade do contrato de terceirização e condenação direta (e não apenas subsidiária), da empresa tomadora de serviços.

[1] “Obrigações de Responsabilidade Civil”, 2ª Edição, Edipro, página 752

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