Certidão de regularidade fiscal não afasta risco de fraude

04/11/2019

Por Vinícius de Barros

Por Vinicius de Barros

Ao contrário do que muitas pessoas imaginam, a apresentação da certidão positiva de débitos fiscais com efeitos de negativa, pelo alienante do bem, não garante que o negócio estará livre de uma possível alegação de fraude pelo fisco. 

Apesar de ter os mesmos efeitos da certidão negativa e atestar a regularidade fiscal do contribuinte, a certidão positiva com efeitos de negativa é um indicativo de que a pessoa possui débitos perante o fisco e que, por alguma razão, esses débitos estão com a exigibilidade suspensa. É o caso, por exemplo, de débitos parcelados.

De fato, o parcelamento é uma das causas de suspensão da exigibilidade que viabilizam a emissão do certificado de regularidade fiscal em nome do devedor. Mas o contribuinte que possuir débitos parcelados e resolver alienar ou onerar bens ou rendas pode cometer fraude contra o fisco, ainda que esteja em dia com o pagamento das parcelas.

Isso acontece porque a legislação estabelece uma presunção absoluta – isto é, que não admite prova em contrário – de que o ato de alienação pelo devedor de crédito tributário tem por objetivo fraudar o fisco. Essa conclusão surge a partir do art. 185 do Código Tributário Nacional, que dispõe que é presumida a fraude na alienação ou oneração de bens ou rendas por quem tiver débitos tributários inscritos em dívida ativa:
 

Art. 185. Presume-se fraudulenta a alienação ou oneração de bens ou rendas, ou seu começo, por sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa.

Na hipótese de existirem débitos parcelados, a única saída para não caracterizar uma possível fraude é a comprovação de que o devedor (alienante) reservou, no momento da alienação, outros bens ou rendas suficientes para a quitação integral da dívida existente em seu nome, nos termos do parágrafo único do art. 185 do Código Tributário Nacional:
 

Parágrafo único. O disposto neste artigo não se aplica na hipótese de terem sido reservados, pelo devedor, bens ou rendas suficientes ao total pagamento da dívida inscrita.”

Assim, se o alienante descumprir o parcelamento e o saldo da dívida passar a ser exigido, a salvação do comprador contra uma alegação de fraude pelo fisco será a comprovação de que o alienante possuía outros bens capazes de garantir a totalidade da dívida fiscal. Se essa prova não for feita pelo comprador, o negócio fatalmente será declarado ineficaz e o bem será penhorado em favor do fisco, restando ao comprador o direito de regresso contra o alienante.

É importante salientar que o comprador não conseguirá afastar a fraude contra o fisco alegando que agiu de boa-fé ou que não havia informação da existência de ônus no registro do bem – o que seria possível se o crédito fosse de um particular, nos termos da Súmula n.º 375 do STJ (“O reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”). A jurisprudência consolidou o entendimento de que a Súmula n.º 375 do STJ não se aplica aos casos de débitos fiscais, conforme julgado abaixo:
 

DIREITO PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO EM EXECUÇÃO FISCAL. PENHORA NO ROSTO DOS AUTOS DE AÇÃO DE REPETIÇÃO DE INDÉBITO TRIBUTÁRIO. CESSÃO DE CRÉDITOS ORIUNDOS DE PRECATÓRIO APÓS INSCRIÇÃO EM DÍVIDA ATIVA. FRAUDE À EXECUÇÃO FISCAL. RESP 1141990/PR. ART. 185, DO CTN, COM REDAÇÃO DA LC 118/2005. PARCELAMENTO. ESCRITURA PÚBLICA. IRRELEVÂNCIA. SOLVÊNCIA E BOA-FÉ NÃO DEMONSTRADAS. APELAÇÃO NÃO PROVIDA.

1. No julgamento do RESp 1141990/PR, submetido ao rito dos repetitivos, restou pacificado pelo STJ que, em matéria de fraude à execução, não se aplica aos executivos fiscais as normas processuais civis e o enunciado de sua súmula 375, devendo ser observado o disposto no art. 185, do CTN, do seguinte modo: a) quanto aos negócios jurídicos celebrados sob a redação original, presume-se a fraude a partir da citação válida do executado; b) nas alienações realizadas posteriormente às alterações da LC 118/2005, configura-se a fraude desde a mera inscrição do débito tributário em dívida ativa. 

2. Nos estritos termos do representativo acima citado, a má-fé é presumida de forma absoluta, uma vez que a fraude fiscal possui natureza diversa da fraude civil e afronta o interesse público. 

3. A adesão a programa de parcelamento não tem o condão de afastar a fraude, que para ser reconhecida basta que o alienante seja "sujeito passivo em débito para com a Fazenda Pública, por crédito tributário regularmente inscrito como dívida ativa". Assim, a alienação é válida, mas a eficácia perante o Fisco estará condicionada ao adimplemento do parcelamento fiscal, acentuando-se que entendimento contrário geraria um forte estímulo para a dissipação, pelo executado, de seu patrimônio. Precedentes desta Corte Regional. 

4. Elide-se a presunção de má-fé somente quando o devedor reserva patrimônio suficiente para a garantia do débito fiscal, sendo ônus do executado/alienante e do terceiro adquirente a demonstração da solvência. Inteligência do art. 185, parágrafo único, do CTN. Jurisprudência desta Terceira Turma. 

5. Hipótese em que a penhora no rosto dos autos de ação de repetição de indébito atingiu precatório destinado à empresa executada, objeto de cessão de créditos celebrada em 29/12/2009 com a embargante. Ocorre que a CDA havia sido constituída em 19/09/1996, restando inconteste a presença do primeiro requisito para a presunção da fraude, de acordo com o art. 185, do CTN, na redação dada pela LC 118/2005, sendo insignificante o parcelamento – com pagamentos irrisórios – vigente no período de 2000 a 2011. 

6. Irrelevante, para fins de pronunciamento da fraude, a formalização da cessão de créditos através de escritura pública. Esta é apenas uma das formas que, junto com outros pressupostos, confere validade ao negócio jurídico e eficácia perante terceiros em geral; mas não afasta a ineficácia da alienação diante da Fazenda Pública quando implica em fraude à execução. 

7. Não se desincumbiu a embargante do ônus de demonstrar que a empresa executada possui bens, rendas ou créditos suficientes para a garantia da dívida tributária, inexistindo nos autos qualquer menção nesse sentido, de modo que a segunda condição para a configuração da fraude também se encontra presente. 

8. Em obiter dictum, consigne-se que a Primeira Turma do STJ excepcionalmente abrandou o posicionamento do REsp 1141990, destacando que "a presunção de fraude à execução quando a alienação do bem do devedor ocorre após a citação é relativa, ou seja, admite prova em contrário, sendo invertida pelo adquirente que comprova que agiu com boa-fé na aquisição do  bem, mediante a apresentação de certidões pertinentes ao local onde se situa o imóvel, além de demonstrar desconhecer a existência da Execução Fiscal ou da inscrição em dívida ativa em desfavor do alienante" (EDcl nos EDcl no AgRg no Ag 1225829/PR, Rel. Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, DJe 22/02/2017). Contudo, não há nada no presente feito capaz de evidenciar a boa-fé da embargante. 

9. A propósito, causa estranheza que a empresa cessionária, atuante desde 15/07/1983 no "ramo de agenciamento e incrementação de negócios, isoladamente ou em conjunto com outra sociedade; assessoria, gerenciamento e consultoria empresarial; participação no capital de outras empresas", não tenha analisado a situação fiscal da executada, através da expedição de, verbi gratia, certidões judiciárias ou administrativas. Se tivesse atuado prudentemente e em conformidade com seus próprios fins empresariais, se depararia com inúmeras execuções fiscais promovidas contra a cedente desde o ano de 1996, por dívidas expressivas e nem sempre aderindo a programas de parcelamento. Como bem observado pelo juízo a quo, "a embargante poderia ter sido mais diligente quando adquiriu os créditos, exigindo prova do cumprimento regular do parcelamento e da existência de outros bens a evitar o risco de insolvência. Caso exigisse tal comprovação da executada/alienante, constataria que ela estava em mora no parcelamento desde 2001, com saldo devedor de mais de oito milhões de reais". 

10. Os riscos assumidos, enfim, não podem atingir o Fisco, devendo a adquirente buscar as vias próprias para ressarcimento de eventuais prejuízos sofridos. 

11. Manutenção da sentença de improcedência, com o reconhecimento da fraude à execução fiscal. 

12. Apelação da embargante não provida. (TRF 3ª Região, TERCEIRA TURMA,  Ap – APELAÇÃO CÍVEL – 2291852 – 0010392-04.2013.4.03.6182, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NELTON DOS SANTOS, julgado em 02/05/2018, e-DJF3 Judicial 1 DATA:09/05/2018)
 

A questão tratada no presente artigo revela a importância da realização de uma diligência prévia pelo comprador, que para ser perfeita deve não apenas identificar os riscos do negócio, mas também encontrar as soluções adequadas para garantir a eficácia do negócio. 

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