Sócios podem ser responsabilizados por encerramento de empresa

06/12/2019

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Quando falamos em atingir o patrimônio de sócios de pessoa jurídica devedora, em processos ajuizados somente em face da empresa, comumente associamos tal pretensão ao instituto da desconsideração da personalidade jurídica.

No entanto, nos casos em que há a demonstração de que a pessoa jurídica foi dissolvida irregularmente, sem a liquidação de seu passivo e a satisfação de suas obrigações, ainda que a empresa permaneça ativa no cadastro da respectiva Junta Comercial, podemos nos valer do instituto da sucessão processual.

A situação fática destacada acima difere-se do instituto de desconsideração da personalidade jurídica previsto no artigo 50 do Código Civil, pois, para que ocorra a desconsideração nos moldes da legislação civil, devem ser preenchidos os requisitos previstos pela lei, a saber, o abuso da personalidade jurídica caracterizado por desvio de finalidade ou confusão patrimonial.

Se a pessoa jurídica executada se encontra dissolvida irregularmente, com a consequente extinção de sua personalidade jurídica, surge daí a necessidade de redirecionamento dos atos executórios para a figura de seus sócios, como sucessores processuais, em analogia ao artigo 110 do Código de Processo Civil. É com elucida o jurista Daniel Amorim Assumpção Neves, para quem a extinção da pessoa jurídica acarreta a perda da capacidade processual, que equivale à morte da pessoa natural:

“Apesar de a morte ser fenômeno natural exclusivo da pessoa humana, o art. 110 do Novo CPC deve ser aplicado por analogia à pessoa jurídica, sendo também hipótese de sucessão processual obrigatória a extinção da pessoa jurídica durante o trâmite procedimental.” [1]

Não há óbice à inclusão dos sócios na qualidade de sucessores da empresa executada, possibilitando assim eventuais constrições judiciais a fim de satisfazer o crédito existente, ante a ocorrência de extinção da pessoa jurídica, que equivale à morte da pessoa natural.

A pessoa jurídica extinta perde a capacidade processual, e necessariamente terá que ser substituída pelos sucessores. Trata-se de imputação direta da responsabilidade aos sócios, em virtude do ilícito praticado por eles na ocasião em que respondiam pela empresa, nos termos do artigo 1.080 do Código Civil.

Sobre o tema, destaca-se abaixo decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que representam o entendimento pacífico da Corte Paulista:

“EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. Não preenchimento dos requisitos do artigo 50, do Código Civil. RECURSO DESPROVIDO NESTE TÓPICO. EXECUÇÃO – ENCERRAMENTO IRREGULAR DA DEVEDORA. Empresa executada que não foi encontrada pelo Oficial de Justiça no endereço constante da JUCESP. Possibilidade de inclusão dos sócios no polo passivo, em razão da responsabilidade solidária e ilimitada, como já previa o artigo 10 do Decreto nº 3.708/19, reiterado pelo artigo 1.080 do Código Civil. RECURSO PROVIDO NESTE TÓPICO.”[2]

“Agravo de Instrumento. Compra e venda de veículo. “ação declaratória de inexigibilidade de débito/vício redibitório c.c. indenização por danos morais”. Cumprimento de sentença. Decisão que considerou prematuro o pedido de desconsideração de pessoa jurídica da empresa executada. Pretensão à desconsideração da pessoa jurídica com base no art. 28, § 5º do CDC. Impossibilidade. Empresa agravada dissolvida. No entanto, possível a inclusão dos sócios no polo passivo da lide em razão da sucessão processual. Sucessão processual da pessoa jurídica que se dá na pessoa dos sócios. Exegese dos artigos 110 do NCPC. Agravo de instrumento provido.”[3]

“SUCESSÃO PROCESSUAL – Ação indenizatória – Cumprimento de sentença – Decisão que acolheu o incidente de desconsideração de personalidade jurídica, incluindo sócios no polo passivo – Manutenção da decisão, por outro fundamento – Inadmissibilidade da desconsideração da personalidade jurídica – Não preenchimento dos requisitos do artigo 50, do Código Civil – O encerramento irregular da sociedade empresária, por si só, não justifica a desconsideração da personalidade jurídica – Art. 50 do CC, em observância ao procedimento previsto nos artigos 133 a 137 do CPC – Precedentes do STJ – Hipótese de extinção da pessoa jurídica – Inclusão dos sócios no polo passivo da ação, por sucessão processual do art. 110 do CPC, em razão de responsabilidade solidária e ilimitada dos sócios, prevista no artigo 1.080 do CC – Decisão mantida – RECURSO NÃO PROVIDO.”[4]

“Agravo de Instrumento. Locação de imóveis. Execução de título extrajudicial. Decisão que determinou a instauração de incidente de desconsideração de pessoa jurídica. Pretensão à inclusão dos sócios no polo passivo da lide em razão da sucessão processual: possibilidade. Institutos que não se confundem. Empresa agravada dissolvida e extinta por sentença. Sucessão processual da pessoa jurídica que se dá na pessoa dos sócios. Exegese dos artigos 110 do NCPC. Agravo de instrumento provido, prejudicada a análise dos embargos de declaração.”[5]

“CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Empresa extinta irregularmente – Sucessão processual – Possibilidade – Inteligência do art. 110 do CPC – Inclusão dos sócios no polo passivo da ação, em razão de responsabilidade prevista no artigo 1.080 do CC – Decisão reformada – Recurso provido.”[6]

Como se vê, a sucessão processual da empresa devedora, extinta irregularmente, pelos sócios existentes à época da dissolução, confere direito ao credor de incluí-los no polo passivo da ação, para que respondam pelas obrigações assumidas pela sociedade e não liquidadas.

Ressalta-se, novamente, que não estamos falando de abuso da personalidade jurídica ou qualquer outro elemento identificador previsto pelo artigo 50 do Código Civil. O encerramento irregular da pessoa jurídica, por si só, não justificaria a desconsideração de sua personalidade, em observância ao procedimento previsto nos artigos 133 a 137 do Código de Processo Civil. A situação fática é de mera sucessão processual da pessoa jurídica pelos seus sócios, o que trará novas possibilidades de o credor satisfazer o seu crédito.

 


[1] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. 2ª ed. Salvador: Juspodivm, 2017, comentário ao art. 110, p. 194.

[2] TJSP; Agravo de Instrumento nº 2186579-37.2014.8.26.0000; Relator Desembargador Sérgio Shimura; 23ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 17/12/2014.

[3] TJSP; Agravo de Instrumento 2095575-74.2018.8.26.0000; Relator Desembargador Francisco Occhiuto Júnior; 32ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 08/10/2018.

[4] TJSP; Agravo de Instrumento 2212753-78.2017.8.26.0000; Relator Desembargador Spencer Almeida Ferreira; 38ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 30/11/2017.

[5] TJSP; Agravo de Instrumento 2059086-38.2018.8.26.0000; Relator Desembargador Francisco Occhiuto Júnior; 32ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 31/08/2018.

[6] TJSP; Agravo de Instrumento 2227670-68.2018.8.26.0000; Relator Desembargador Paulo Pastore Filho; 17ª Câmara de Direito Privado; Data do Julgamento: 12/04/2019.

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