Transação extrajudicial pode dar quitação geral ao contrato de trabalho?

28/01/2020

Por Eduardo Galvão Rosado

A Lei nº 13.467/17 (“Reforma Trabalhista”) inseriu o Capítulo III-A, no Título X da CLT (artigo 855-B até 855-E), dispondo sobre o processo de jurisdição voluntária para homologação de acordo extrajudicial, cujo objetivo principal consiste na prevenção de eventuais litígios. Vejamos:

“Art. 855-B. O processo de homologação de acordo extrajudicial terá início por petição conjunta, sendo obrigatória a representação das partes por advogado.

§ 1o As partes não poderão ser representadas por advogado comum.

§ 2Faculta-se ao trabalhador ser assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria.

Art. 855-C.  O disposto neste Capítulo não prejudica o prazo estabelecido no § 6o do art. 477 desta Consolidação e não afasta a aplicação da multa prevista no § 8o art. 477 desta Consolidação.

Art. 855-D.  No prazo de quinze dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência se entender necessário e proferirá sentença.

Art. 855-E.  A petição de homologação de acordo extrajudicial suspende o prazo prescricional da ação quanto aos direitos nela especificados.

Parágrafo único.  O prazo prescricional voltará a fluir no dia útil seguinte ao do trânsito em julgado da decisão que negar a homologação do acordo”.

De acordo com a legislação acima, a transação extrajudicial terá início por petição conjunta (que deverá atender a todos os requisitos legais dos artigos 840 da CLT e 319 do CPC), sendo obrigatória a representação das partes por advogados distintos, facultando-se ao trabalhador estar assistido pelo advogado do sindicato de sua categoria. No mais, no prazo de 15 dias a contar da distribuição da petição, o juiz analisará o acordo, designará audiência (se entender necessário) e proferirá sentença.

Salienta-se, ainda, que o referido procedimento não afetará os prazos e as multas fixados na CLT para pagamento das verbas rescisórias (artigo 477, §6º e §8º).

Portanto, pela análise dos requisitos formais acima descritos, denota-se que a norma não faz qualquer menção sobre os limites da quitação outorgada pelo empregado, possibilitando, por corolário lógico, a homologação com efeito de quitação geral do extinto contrato de trabalho. Seguindo essa mesma linha de raciocínio são as Ementas abaixo:

“TRANSAÇÃO EXTRAJUDICIAL – No caso ora analisado inexiste qualquer obstáculo para que seja homologado o termo firmado entre as partes, pois não constatado o vício de vontade, sendo certo que as partes compareceram em Juízo ratificando integralmente o seu conteúdo, sem violação à lei ou interesse de terceiros, além de terem sido observados os requisitos dispostos nos artigos 855-B a 855-E da CLT. Data de publicação 28/08/2019. Processo nº 100531-03.2019.5.02.0041”.

“ACORDO EXTRAJUDICIAL. CLÁUSULA DE QUITAÇÃO GERAL. Possível a cláusula de quitação geral constante de acordo extrajudicial diante da nova redação do artigo 855-B da CLT. Data de publicação 02/10/2019. Processo nº 1001559-84.2018.5.02.0382”.

Ocorre que, para parte da Jurisprudência, essa nova sistemática refere-se exclusivamente a transação extrajudicial (conforme previsto no artigo 515, inciso III, do CPC) que, por sua vez, comporta interpretação restritiva, nos termos do artigo 843 do CC sendo, por esta razão, incabível que o trabalhador outorgue a quitação geral de todos os títulos oriundos do extinto contrato de emprego (para essa corrente, inclusive, a pretendida quitação geral só seria possível em composição realizada em processo contencioso, na forma do artigo 515, inciso II, §2º, do CPC). Vejamos:

“O procedimento estabelecido nos arts. 855-B e seguintes da CLT retrata hipótese de transação extrajudicial, que deve ser interpretada de forma restritiva (art. 843 do CC). Data de publicação 05/09/2019. Processo nº 100793.60.2019.5.02.0070”.

“HOMOLOGAÇÃO PARCIAL. ACORDO EXTRAJUDICIAL. QUITAÇÃO RESTRITA. O Direito do Trabalho pauta-se pelo princípio da irrenunciabilidade dos direitos pelo empregado, garantia estabelecida pelo legislador a fim de evitar abusos e assegurar o cumprimento das normas em vigor. Por isso, a transação de direitos decorrentes do contrato de trabalho, com a renúncia pelo empregado do direito de ação quanto a todas as verbas provenientes da relação mantida entre as partes, não tem validade, até porque a transação interpreta-se restritivamente, a teor do disposto no artigo 843 do Código Civil. Data de publicação 13/12/2018. Processo nº 1000525-35.2018.5.02.0007”.

Também, segundo essa corrente, não é possível a homologação quando os termos da transação envolverem matéria de ordem pública e/ou direito de terceiros:

“HOMOLOGAÇÃO DE ACORDO EXTRAJUDICIAL. VÍNCULO DE EMPREGO. A existência ou não de vínculo de emprego, trata-se de matéria de ordem pública, portanto, irrenunciável pelo trabalhador, tornando-se inviável o acolhimento da pretensão de homologação de acordo extrajudicial, principalmente quando envolvidos os direitos de terceiros, no caso, os direitos fiscais e previdenciários da União (art. 841, caput, e 844 do Código Civil). Recurso ordinário a que se nega provimento. Data de publicação 11/09/2019. Processo nº 1001587-52.2018.5.02.0382”.

Entretanto, não obstante a enorme celeuma que existe acerca do tema, o TST (órgão máximo na seara trabalhista) vem se inclinando para o raciocínio de que “não há de se questionar a vontade das partes envolvidas e do mérito do acordado”, notadamente quando a lei requer a presença de advogado para o empregado, rechaçando, nesta situação, o uso do jus postulandi do artigo 791 da CLT. Nesse sentido, destacam-se alguns trechos do Acórdão (publicado em 20/09/2019) proferido pelo citado tribunal, nos autos do Processo nº RR-1000015-96.2018.5.02.0435 (a íntegra da decisão também poderá ser consultada no seguinte link):

“Da simples leitura dos novos comandos de lei, notadamente do art. 855-C da CLT, extrai-se a vocação prioritária dos acordos extrajudiciais para regular a rescisão contratual e, portanto, o fim da relação contratual de trabalho.

(…)

A moderna dinâmica das relações trabalhistas impôs a adoção de medidas de simplificação dos procedimentos de desligamento laboral, daí a desnecessidade de que o Judiciário tutele uma lide anterior ao acordo, como antes se dava, a fim de reconhecer a natureza de título executivo judicial ao pactuado em juízo. E esse é o sentido dos arts. 855-B a 855-E da CLT. Não fosse a possibilidade da quitação integral do contrato de trabalho com a chancela do Judiciário e o Capítulo III-A não teria sido acrescido ao Título X da CLT, que trata do Processo Judiciário do Trabalho.

(…)

Nesse sentido, entende-se que o art. 855-B, §§ 1º e 2º, da CLT, a par dos requisitos gerais de validade dos negócios jurídicos que se aplicam ao direito do trabalho, nos termos do art. 8º, § 1º, da Lei Consolidada e que perfazem o ato jurídico perfeito (CC, art. 104 – agente capaz, objeto lícito e forma prescrita ou não vedada por lei), traçou as balizas para a apresentação do acordo extrajudicial apto à homologação judicial: petição conjunta dos interessados e advogados distintos, podendo haver assistência sindical para o trabalhador. A petição conjuntamente assinada para a apresentação do requerimento de homologação ao juiz de piso serve à demonstração da anuência mútua dos interessados em por fim ao contratado, e, os advogados distintos, à garantia de que as pretensões estarão sendo individualmente respeitadas.

(…)

Vale lembrar, ainda, que há vantagens trazidas pelo art. 855-B da CLT e inerentes à celebração de um pacto que põe fim ao contrato de trabalho, podendo nominar aqui a abreviação do tempo que um empregado levaria na Justiça do Trabalho, para receber a verba numa reclamatória; a segurança jurídica para os envolvidos de que a situação foi resolvida, sem pendência, mediante o reconhecimento da quitação geral do contrato pelo acordo; a eliminação do risco trazido pela Lei 13.467/17 quanto à possibilidade de condenação do empregado ao pagamento dos honorários de advogado sucumbenciais; a eliminação do obstáculo da produção de provas pelo trabalhador, quando dele o ônus; e a garantia de obtenção de um título executivo judicial, sem o desgaste do ajuizamento da ação trabalhista.

(…)

Portanto, dou provimento ao recurso de revista da Requerente, para, reformando a decisão regional, homologar o termo de “Transação Extrajudicial” apresentado pelas Interessadas, sem ressalvas, com efeito de quitação geral do extinto contrato de trabalho”.

Por todas estas razões, nos perfilamos ao atual posicionamento do TST, pois, em nosso sentir, como a transação extrajudicial visa justamente evitar litígios, se for da vontade das partes (que, inclusive, estarão devidamente representadas por advogados distintos), é possível a inserção de cláusula no termo de transação extrajudicial com o escopo de dar quitação geral e irrestrita ao contrato de trabalho.

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