A cada nova ação de indenização por danos morais ajuizada em razão de atraso ou cancelamento de voos internacionais, as companhias aéreas demandadas têm sustentado que o pleito não poderia ser considerado devido à inexistência de previsão do instituto do dano moral na Convenção de Montreal, convenção aplicável nos casos de transporte aéreo internacional.
Conforme entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, a referida alegação não se sustenta, já que o direito à reparação dos danos morais encontra-se previsto não só nos artigos 186 do Código Civil, e 6º, inciso VI, do Código do Consumidor, como também no artigo 5º, incisos V e X, da Constituição Federal, caracterizando-se como um direito fundamental em nosso ordenamento jurídico.
De toda sorte, devemos nos ater ao fato de que a Convenção de Montreal não exclui a possibilidade de indenização de passageiros por danos morais, haja vista ser silente neste aspecto. Logo, se a Convenção não cuidou dos danos morais, não cabe estender a estes a aplicação dos limites de indenização estabelecidos na referida norma.
Como se não bastasse tal fato, inexiste rol taxativo na mencionada Convenção referente às hipóteses de indenização por danos decorrentes de transporte aéreo internacional. A própria ementa da Convenção de Montreal deixa claro não trazer um rol taxativo, estando assim redigida: “Promulga a Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, celebrada em Montreal, em 28 de maio de 1999”.
Se a Convenção unifica “certas regras”, e não todas elas, sobre o transporte aéreo internacional, é lícito aos países signatários legislar sobre a matéria, desde que não haja conflito entre a norma interna e a Convenção de Montreal.
Sobre o tema, destacam-se abaixo decisões do Tribunal de Justiça de São Paulo, que representam o entendimento da Corte Paulista:
“Apelação – Transporte aéreo internacional – Voo cancelado – Ação indenizatória – Sentença de acolhimento parcial do pedido – Irresignação procedente – Autor que, em razão do cancelamento do voo, foi realocado em voo com partida dois dias após o inicialmente contratado, o que fez com que não comparecesse em festival de teatro para apresentação em Tel Aviv – Dano moral bem reconhecido e não discutido nesta esfera recursal – Convenção de Montreal, com efeito, não excluindo a indenização por dano moral, nem a tarifando – Precedentes – Indenização arbitrada em primeiro grau, na quantia de R$ 5.000,00, comportando majoração para a importância de R$10.000,00, nos termos do pedido, consideradas as peculiaridades do caso, à luz da técnica do desestímulo – Sentença reformada, com a proclamação da procedência integral da demanda”.[1] (destacou-se)
“INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL E MATERIAL.TRANSPORTE AEREO. Cancelamento de voo internacional que ocasionou atraso de vinte e seis horas para a chegada dos autores ao destino. Problema técnico na aeronave. Fato previsível que não afasta a responsabilidade da transportadora. Má prestação do serviço caracterizada. Convenção de Montreal que não exclui a possibilidade de indenizar os passageiros por dano moral. Indenização por dano moral devida. Majoração do valor fixado originalmente em R$6.000,00 para R$10.000,00, para cada autor. Dano material comprovado. Indenização por dano material fixada em valor inferior ao limite previsto no art.22 da Convenção de Montreal. Sentença parcialmente reformada. RECURSO DA RÉ DESPROVIDO E RECURSODOS AUTORES PROVIDO.”[2] (destacou-se)
Nesse sentido também entendeu o Colendo Supremo Tribunal Federal, proferindo decisão, em 14/04/2018, dotada de eficácia vinculante ao julgar o RE 351.750, afirmando que nos casos de contrato de transporte aéreo internacional, a norma internacional que rege a matéria deve prevalecer sobre o Código de Defesa do Consumidor para eventual condenação tanto por danos materiais quanto por danos morais.
Como se vê, a inexistência de previsão do instituto do dano moral na Convenção de Montreal não retira o direito da parte de ser indenizada. Adotar posicionamento contrário a esse implicaria verdadeiro retrocesso social e vilipêndio aos direitos assegurados constitucionalmente, atitudes que devem ser constantemente questionadas.
[1] TJSP, Apelação nº 1109400-30.2017.8.26.0100,19ªCâmara de Direto Privado, Rel. Desembargador Ricardo Pessoa de Mello Belli, DJ 13/08/2018.
[2] TJSP, Apelação n° 1013111-98.2018.8.26.0100, 17ª Câmara de Direito Privado, Rel. Desembargador Afonso Bráz, DJ 17/10/2018.
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