Publicada em 5 de setembro do ano passado, a Lei nº 13.869/2019, que ficou conhecida como a Lei de Abuso de Autoridade, entrou recentemente em vigor, especificamente no dia 3 de janeiro.
Referida lei, em resumo, apresenta as sanções penais a 45 condutas praticadas por todos os agentes públicos do país no desempenho de suas atividades, e atinge especialmente os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público.
Sem a pretensão de ingressar no debate de que referida lei seja necessária ou não, diante das inúmeras situações que são noticiadas diariamente, fato é que uma de suas disposições já causam certo embaraço aos credores que litigam em ações judiciais de natureza cível. O problema está no artigo 36 da Lei de Abuso de Autoridade, que atribui uma pena de detenção e multa ao magistrado que tornar indisponíveis ativos financeiros que ultrapassem o valor da dívida:
“Artigo 36. Decretar, em processo judicial, a indisponibilidade de ativos financeiros em quantia que extrapole exacerbadamente o valor estimado para a satisfação da dívida da parte e, ante a demonstração, pela parte, da excessividade da medida, deixar de corrigi-la:
Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa”.
Aqui cabem imprescindíveis parênteses: a tal indisponibilidade de ativos financeiros, como consta do dispositivo legal supra, é aquela decorrente da utilização da ferramenta denominada BacenJud, empregada pelo Poder Judiciário há cerca de 15 anos.
Via internet, referida ferramenta interliga a Justiça ao Banco Central, e este às instituições bancárias, e, diante das informações obtidas, ao magistrado é possibilitado proceder à chamada penhora on-line de ativos financeiros dos devedores em ações judiciais.
Para termos uma noção da eficiência do BacenJud, basta informarmos que no ano de 2005, quando de sua implementação, os bloqueios realizados totalizavam o montante de R$ 196.368.996,00.
Já no ano de 2018, até o mês de novembro referidos bloqueios correspondiam ao valor de R$ 47.878.534.403,00[1], ou seja, os créditos recuperados judicialmente foram quase 250 vezes mais que aqueles indicados no início da operação da ferramenta.
Dito isso, alguns magistrados menos experientes têm se sentido intimidados em proceder com a penhora on-line, via BacenJud, indeferindo tal pedido, com fundamento, justamente, no artigo 36 da citada Lei de Abuso de Autoridade.
Tal posicionamento não se mostra adequado e deve ser combatido pelo zelo e diligência do advogado. É que o Código de Processo Civil, lei especial que disciplina a forma com que os atos constantes de um processo judicial devem se desenvolver, apresenta norma expressa e que determina o cancelamento de eventual indisponibilidade irregular ou excessiva[2].
Em outras palavras, basta ao mesmo juiz que autorizou a penhora on-line, ao verificar que o ato de construção ocorreu em valor acima do pretendido, simplesmente determinar que regressem ao devedor tais ativos financeiros, o que deverá ocorrer em até 24 horas.
No Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no sentido aqui defendido é o entendimento que vem sendo adotado, como verificamos no julgado abaixo colacionado, obtido em meio a outros que caminham no mesmo passo:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. MONITÓRIA. Pedido de bloqueio de ativos financeiros via sistema BacenJud. “Dinheiro, em espécie ou em depósito ou aplicação em instituição financeira” que figura em primeiro lugar na ordem de preferência legal de penhora. Indeferimento sob a justificativa de possível criminalização da conduta, nos termos da Lei 13.869/19, em caso de eventual constrição superior ao valor do débito. Impossibilidade. Ausência de risco. Possibilidade de contraordem para desbloqueio do excesso, justamente para evitar qualquer abuso ou desnecessidade da medida. Decisão reformada. Autorizado o bloqueio no limite do valor do débito. RECURSO PROVIDO”[3].
A constitucionalidade do artigo 36 da Lei de Abuso de Autoridade, importante consignar, já é questionada por meio de duas ações diretas de inconstitucionalidade, propostas pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público e pela Associação dos Juízes Federais do Brasil[4].
Assim, é certo que caberá ao Supremo Tribunal Federal, em última análise, pacificar a controvérsia recentemente instaurada. Até lá, caberá ao advogado o dever de diligência, levando o tema à Corte Estadual local, onde tem encontrado a adequada expressão.
[1] https://www.cnj.jus.br/bacenjud-amplia-bloqueio-de-valores-para-quitar-dividas/
[2] Artigo 854, § 4º, CPC: (…) “Acolhida qualquer das arguições dos incisos I e II do § 3º, o juiz determinará o cancelamento de eventual indisponibilidade irregular ou excessiva, a ser cumprido pela instituição financeira em 24 (vinte e quatro) horas”.
[3] TJSP, Agravo de Instrumento nº 2009484-10.2020.8.26.0000; 6ª Câmara de Direito Privado, Rel. Des. Ana Maria Baldy, DJ 07/02/2020.
[4] STF, ADI´s nº 6.238 e 6.239, respectivamente, Rel. Min. Celso de Mello.
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