Em 5 de dezembro de 2019, a CVM editou a Instrução nº 617 (“ICVM 617“), que estabelece um novo marco para a prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (“PLDFT”) no âmbito do mercado de valores mobiliários, ampliando as medidas e práticas reguladas anteriormente pela Instrução nº 301, de 16 de abril de 1999 (“ICVM 301”).
A nova regra, que entrará integralmente em vigor em 01/07/2020, estabelece novos parâmetros de atuação dos participantes do mercado de capitais, quais sejam, as pessoas naturais ou jurídicas que prestem serviços relacionados à distribuição, custódia, intermediação ou administração de carteiras no mercado de valores mobiliários, os escrituradores, consultores de valores mobiliários – esta figura não se confunde com consultor de crédito de FIDC –, agências de classificação de risco, representantes de investidores não residentes e as companhias securitizadoras que prestem serviços no mercado de valores mobiliários.
Estas são as principais inovações trazidas pela ICVM 617:
(a) a inserção da Abordagem Baseada em Risco como principal ferramenta de governança da PLDFT;
(b) o aprimoramento das funções do diretor responsável pela norma, bem como a apresentação de deveres vinculados à alta administração;
(c) elaboração periódica de avaliação interna de risco de lavagem de dinheiro e do financiamento do terrorismo;
(d) instituição da medida preventiva chamada de Política “Conheça seu Cliente” (know your client – KYC);
(e) ampliação dos sinais de alerta contendo as operações ou situações atípicas que devem ser objeto de monitoramento e reporte para a Unidade de Inteligência Financeira (“UIF”), o antigo COAF.
Dentre as principais mudanças acima mencionadas, destaca-se a inserção da chamada Abordagem Baseada em Risco como principal ferramenta de governança da PLDFT, o que resulta na necessidade, por parte dos agentes regulados: (i) de estruturação de uma Política de PLDFT; (ii) de elaboração periódica de uma avaliação interna de risco; e (iii) de reformulação de suas regras, procedimentos e controles internos.
A política de PLDFT deve ser documentada, aprovada pela alta administração e mantida atualizada. Suas previsões devem contemplar, no mínimo, informações de como estão estruturados os órgãos da alta administração, definindo os papéis e as responsabilidades dos integrantes de cada nível hierárquico da instituição, a descrição da metodologia para tratamento e mitigação dos riscos identificados, a definição dos critérios e periodicidade para atualização dos cadastros dos clientes ativos, a descrição das rotinas que visem a pautar as diligências relacionadas a investidores não residentes e beneficiários finais e as ações que envolvam a identificação das contrapartes de operações realizadas em ambientes de registro.
Nesse contexto, nota-se que a nova instrução busca trazer um papel maior para a alta administração ao determinar que ela terá que ter ciência dos riscos relacionados ao programa, ser responsável pela aprovação da política de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo e fornecer os meios necessários para que o diretor responsável tenha a autonomia e conhecimento técnico suficientes para a tomada de decisões sobre o tema.
Além disso, a ICVM 617 trouxe um detalhamento maior das atribuições do diretor estatutário responsável por PLDFT em relação ao estabelecimento de políticas, procedimentos e controles internos das entidades reguladas, bem como na verificação da eficácia destes.
Quando as pessoas reguladas integrarem um conglomerado financeiro, será admitida a indicação de um único diretor.
É uma novidade em relação à norma anterior, a ICVM 301, que exigia, de cada uma das pessoas obrigadas, a nomeação de um diretor responsável pelo cumprimento das obrigações previstas na norma. A nova regra deixa claro, entretanto, que a manutenção de um ou mais diretores para desempenhar os deveres descritos na Instrução será uma escolha das instituições que compõem o conglomerado financeiro.
A ICVM 617 também estabelece que o diretor deverá elaborar um relatório anual referente à avaliação interna de risco, que deverá classificar em baixo, médio e alto risco de PLDFT todos os produtos oferecidos, serviços prestados, canais de distribuição e ambientes de negociação e registro em que atuem as pessoas naturais ou jurídicas que prestem serviços relacionados à distribuição, custódia, intermediação, ou administração de carteiras no mercado de valores mobiliários, entidades administradoras de mercados organizados e as entidades operadoras de infraestrutura do mercado financeiro, escrituradores, consultores de valores mobiliários, agências de classificação de risco, representantes de investidores não residentes, companhias securitizadoras que prestem serviços no mercado de valores mobiliários, e os auditores independentes no âmbito do mercado de valores mobiliários.
A avaliação interna deverá se estender também aos clientes, classificando-os, da mesma forma, por grau de risco de PLDFT baixo, médio e alto.
A ICVM 301 versava sobre o cadastro de forma simplificada, pois previa a necessidade de informações sobre perfil de risco e conhecimento financeiro do cliente, porém sem abordar, detalhadamente, sobre a necessidade de elaboração de relatório anual referente à avaliação interna de riscos.
Outra novidade trazida pela norma é a instituição da medida preventiva chamada de Política “Conheça seu Cliente” (know your client – KYC), um dos pilares das PLDFT. A norma define as etapas de condução da política, buscando alinhar as melhores práticas das regulações internacionais e de grupos como o GAFI (Grupo de Ação Financeira Contra a Lavagem de Dinheiro e o Financiamento do Terrorismo), organização intergovernamental que visa a promoção de políticas de combate aos crimes financeiros.
As entidades sujeitas à ICVM 617 deverão adotar procedimentos de KYC que contemplem, no mínimo, as 4 (quatro) etapas a seguir: (1ª) identificação do investidor, a fim de assegurar sua real identidade; (2ª) cadastro do investidor, que poderá ser realizado por meio de sistemas eletrônicos; (3ª) due diligence posterior ao cadastro inicial, que se constitui, na verdade, de diligências que serão adotadas durante todo o relacionamento comercial com o investidor; e (4ª) identificação do beneficiário final, que é, por fim, a identificação de uma ou mais pessoas que participem de fato da tomada de decisões estratégicas daquele investidor, que em última instância se beneficie direta ou indiretamente dos ativos de propriedade daquele cliente.
Por fim, com relação à obrigação de reporte de operação suspeita à UIF, já previsto na norma anterior, a ICVM 617 reforça que devem ser comunicadas operações após uma análise fundamentada.
A instituição deve observar que o não conhecimento do beneficiário final não é, por si só, elemento suficiente para o envio de uma comunicação para a UIF. Em consequência, tal fato deve proporcionar um monitoramento contínuo mais rigoroso, visando à detecção de outras operações atípicas, independentemente da classificação de risco desse investidor.
Assim, na hipótese de serem detectadas atipicidades suplementares, a instituição deve conduzir uma análise mais profunda, com vistas à verificação da necessidade das comunicações, com o objetivo diminuir o número de reportes com informações que não são úteis aos órgãos reguladores.
Com base no disposto, nota-se que as novas diretrizes atingem o objetivo proposto de modernizar a regulação de prevenção à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo no mercado de valores mobiliários, e alinhar as práticas às realizadas pelos principais organismos internacionais, como o GAFI. No entanto, as entidades alvo demandarão uma avaliação detalhada para adequação dos controles internos e do programa de prevenção à lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, para se adequarem antes da norma entrar em vigor.
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