Procuração para venda de imóvel deve conter poderes específicos

17/03/2020

Por Orlando Quintino Martins Neto

É comum nos depararmos com situações em que algumas pessoas, por razões diversas, nomeiam procuradores para administração geral de seus bens.

Isso ocorre muito, por exemplo, com residentes no exterior que possuem bens no Brasil. Na prática, antes de sair do país, conferem mandato – por meio de uma procuração –, a uma pessoa de confiança que aqui permanecerá, para que esta administre seus bens.

Sobre o mandato, o artigo 661, § 1º, do Código Civil dispõe o seguinte:

“Art. 661. O mandato em termos gerais só confere poderes de administração.
§1º. Para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar outros quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos.”

Como se vê, segundo a lei, os poderes gerais de administração são limitados.

O que a lei quis dizer com “poderes especiais e expressos”? Se em uma procuração estiver escrito que o procurador pode, por exemplo, alienar qualquer bem de propriedade do outorgante, basta?

Negativo!

Em julgamento recente, do Recurso Especial nº 1.836.584 (2019/0266544-2), o Superior Tribunal de Justiça decidiu que, para alienação de bens, os poderes conferidos ao procurador devem ser especiais para alienação do bem individualmente determinado. Não basta constar no documento a menção genérica a “todos os bens”.

No caso concreto mencionado acima, a decisão tratou especificamente de um bem imóvel, e o acórdão foi assim ementado:

DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ESCRITURA PÚBLICA DE COMPRA E VENDA DE IMÓVEL. PROCURAÇÃO. OUTORGA DE PODERES EXPRESSOS PARA ALIENAÇÃO DE TODOS OS BENS DO OUTORGANTE. NECESSIDADE DE OUTORGA DE PODERES ESPECIAIS. 1. Ação declaratória de nulidade de escritura pública de compra e venda de imóvel cumulada com cancelamento de registro, tendo em vista suposta extrapolação de poderes por parte do mandatário. 2. Ação ajuizada em 16/07/2013. Recurso especial concluso ao gabinete em 10/09/2019. Julgamento: CPC/2015. 3. O propósito recursal é definir se a procuração que estabeleceu ao causídico poderes “amplos, gerais e ilimitados (…) para ‘vender, permutar, doar, hipotecar ou por qualquer forma alienar o(s) bens do(a)(s) outorgante(s)’” atende aos requisitos do art. 661, § 1º, do CC/02, que exige poderes especiais e expressos para tal desiderato. 4. Nos termos do art. 661, § 1º, do CC/02, para alienar, hipotecar, transigir, ou praticar quaisquer atos que exorbitem da administração ordinária, depende a procuração de poderes especiais e expressos. 5. Os poderes expressos identificam, de forma explícita (não implícita ou tácita), exatamente qual o poder conferido (por exemplo, o poder de vender). Já os poderes serão especiais quando determinados, particularizados, individualizados os negócios para os quais se faz a outorga (por exemplo, o poder de vender tal ou qual imóvel). 6. No particular, de acordo com o delineamento fático feito pela instância de origem, embora expresso o mandato – quanto aos poderes de alienar os bens do outorgante – não se conferiu ao mandatário poderes especiais para alienar aquele determinado imóvel. 7. A outorga de poderes de alienação de todos os bens do outorgante não supre o requisito de especialidade exigido por lei que prevê referência e determinação dos bens concretamente mencionados na procuração. 8. Recurso especial conhecido e provido.”

Ao proferir seu voto no julgamento, a relatora do recurso, o Ministra Nancy Andrighi, integrante da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao discorrer sobre o artigo 661, § 1º, do Código Civil, assevera que “a finalidade da norma não é outra senão a de proteger o outorgante contra eventuais prejuízos causados por ato praticado em seu nome, mas sem o seu consentimento, pelo mandatário que extrapola o limite dos poderes que lhe foram concedidos por mandato. É dizer, ninguém pode ser obrigado por ato praticado por mandatário que não tenha poderes suficientes ou que exceda os poderes que lhe foram outorgados.”

Diz ainda a relatora:

Salienta-se que a outorga de poderes de alienação de todos os bens do outorgante não supre o requisito de especialidade exigido por lei que, como anteriormente referido, exige referência e determinação dos bens concretamente mencionados na procuração.

Ou seja, segundo o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, no que se refere à alienação de bens, o outorgante, necessariamente, deve conferir poderes especiais nesse sentido, inclusive com a identificação dos bens a serem alienados.

O julgamento do recurso ocorreu em 11/02/2020, e a íntegra do acórdão pode ser consultada clicando aqui.

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