Com a evolução do Covid-19 mundialmente, e como tem sido diariamente divulgado na mídia, adquirentes de passagens aéreas e pacotes turísticos têm desistido das viagens compradas e solicitado adiamento ou cancelamento das passagens e dos pacotes. As empresas aéreas e as agências de turismo têm sido orientadas pelos órgãos reguladores de seus setores a facultar aos consumidores o adiamento de suas viagens ou cancelamento mediante troca por um crédito para ser utilizado no prazo de um ano.
A orientação do Procon tem sido no sentido de que as empresas devem oferecer uma alternativa ao consumidor que comprou passagem aérea ou pacote turístico, e que decidiu postergar ou cancelar a viagem em razão da pandemia. Segundo o Procon-SP, o consumidor deve procurar a instituição e com ela negociar o cancelamento/adiamento, porque não há previsão legal para esses casos. Justamente em razão da ausência de legislação específica sobre o tema, companhias aéreas e empresas de turismo têm adotado regras próprias para cada caso. A orientação da ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil é que as empresas aéreas devem regulamentar a questão, assegurando aos consumidores o cancelamento sem ônus das passagens aéreas, sem a cobrança de multas. O que não pode ocorrer, evidentemente, é a ausência de alternativas ao consumidor.
Nesse cenário de incertezas, há que se definir quais direitos podem ser exigidos pelo consumidor.
O Código de Defesa do Consumidor estabelece eu seu artigo 6º, inciso I, os direitos básicos garantidos ao consumidor, ou seja, “proteção da vida, saúde e segurança contra os riscos provocados por práticas no fornecimento de produtos e serviços considerados perigosos ou nocivos”. Amparado em tal garantia, se o consumidor precisa adiar ou cancelar uma viagem por questão alheia à sua vontade e que lhe ameace a saúde e a vida, deve estar assegurado de que não terá ônus.
Mais que isso, o inciso V do mesmo artigo 6º autoriza “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” e também sob tal aspecto o consumidor está amparado pela lei para cancelar a sua viagem. No âmbito da legislação consumerista, é o que se denomina Teoria do Rompimento da Base Objetiva do Contrato, teoria que permite a revisão do contrato quando houve quebra da base de negócio jurídico, devendo o julgador restabelecer o equilíbrio da avença, recompondo a economia contratual.
Em situações em que não exista um acordo entre consumidor e fornecedor, o caminho é ajuizamento de uma ação judicial. Algumas decisões sobre o tema já foram proferidas em sede liminar pelo Poder Judiciário, todas autorizando o adiamento das viagens sem custo, facultando ao consumidor a remarcá-las.
Uma das primeiras decisões foi proferida pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Processo nº 5015072-79.2020.8.21.0001 da Comarca de Porto Alegre). Naquele processo, muito embora os autores tenham pedido o cancelamento dos voos, lhes foi concedida apenas a remarcação dentro do prazo de um ano. Em outro caso, proferido no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, (Processo nº 0053470-40.2020.8.19.0001 do Juizado Especial Cível do Rio de Janeiro) a liminar concedida também autorizou a remarcação das passagens sob o seguinte fundamento: “Há o risco de dano iminente passível de causar sério prejuízo à parte, já que é fato notório o surto da Covid-19 na Itália. Aliás, diante da gravidade do surto, o país determinou o fechamento de diversos pontos turísticos. O cenário não possui previsão para alteração, tampouco remarcação do voo sem que antes ocorra uma mínima normalização das atividades do país de destino e estabilização da situação”.
Não será simples o cancelamento com a devolução integral dos valores pagos. As situações devem ser analisadas individualmente e sempre objetivando o equilíbrio contratual, de forma a não onerar excessivamente nenhuma das partes. Este tipo de cancelamento do contrato certamente será mais difícil de ser obtido judicialmente e, possivelmente, só será admitido em situações muito excepcionais.
08 março, 2024
14 abril, 2023
28 outubro, 2022
O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.