A chegada do novo coronavírus ao Brasil certamente trará, além de consequências nefastas no que se refere à saúde pública, importantes impactos nas relações contratuais.
A depender da concreta verificação dos danos que o novo coronavírus trará ao País, e das alterações que implicarem nas bases comutativas dos contratos, a legislação civil brasileira prevê a possibilidade de resolução ou revisão das disposições contratuais, com base na chamada “teoria da imprevisão”, que possibilita o desfazimento ou a revisão de um dado contrato em razão da ocorrência de eventos imprevisíveis e extraordinários, que tornem a prestação de uma das partes excessivamente onerosa.
Nesse sentido, dispõem os artigos 478, 479 e 480 do Código Civil:
“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.
Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar equitativamente as condições do contrato.
Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.”
O caráter imprevisível e extraordinário do novo coronavírus é inegável. Mas é preciso cuidado. A reconhecida calamidade pública, por si só, não altera a força vinculante dos contratos, em absoluto.
A teoria da imprevisão deverá ser analisada caso a caso. A prova da onerosidade excessiva é essencial, e a percepção da boa-fé da parte que se diz prejudicada e pleiteia a resolução ou a revisão do contrato, por parte do juiz, deve ser robusta o suficiente para conduzir a um juízo de equidade.
Um comércio impedido de abrir as portas pelo Estado[1] e, consequentemente, sem faturamento, poderia requerer a resolução ou a revisão de contratos com fornecedores, com base na teoria da imprevisão? Acreditamos que nesse caso o pleito seria legítimo.
Em contratos relacionados à construção civil, da mesma forma, reputamos que seria aplicável a teoria da imprevisão, especialmente no que diz respeito ao prazo de entrega da obra. Isso porque, certamente, o cronograma das obras deve ser afetado pelas medidas adotadas pelo Estado para controle da pandemia. Medidas como quarentena ou diminuição do transporte público, ainda que não paralisem totalmente a obra, devem ocasionar uma maior morosidade, quiçá por falta de matéria prima e provável escassez de mão de obra, capaz de impactar os prazos inicialmente previstos.
Por outro lado, imagine-se uma indústria que se mantenha em funcionamento durante a crise, ou cuja produção relacione-se a bens usados no combate a ela, inclusive com aumento da demanda: claro que, nesse caso, dita indústria não estaria apta a requerer a extinção e/ou revisão de seus contratos com base na teoria da imprevisão. Portanto, devagar com o andor.
Assim, sem prejuízo de outras medidas a serem adotadas por conta dos impactos causados pela Covid-19 nas outras áreas do direito (direito do trabalho, por exemplo), fica a recomendação para uma análise acurada das condições sinalagmáticas dos contratos celebrados e, sempre que possível, a busca de uma renegociação das condições contratuais, ainda que provisoriamente, enquanto perdurar a situação excepcional.
Importante ressaltar que não sabemos ainda como a jurisprudência vai se comportar diante desse atual quadro de crise do País. Transferir ao judiciário a obrigação de readequar disposições contratuais pode não trazer o resultado esperado.
[1] Em SP, por exemplo, o Decreto Estadual nº 64.881/20 determina a suspensão do atendimento ao público em diversos segmentos.
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