Em razão da atual calamidade pública decorrente da pandemia gerada pelo Novo Coronavírus, o Governo Federal editou – no dia 22/03/2020 (domingo) – a Medida Provisória nº 927, trazendo, dentre outras medidas, a possiblidade de suspensão dos contratos de trabalho (também conhecida como lay off), pelo período de 4 meses, mediante acordo individual e, ainda, sem a necessidade de manutenção dos salários.
Após críticas de vários setores da sociedade, no dia imediatamente seguinte o Governo Federal editou a Medida Provisória nº 928, revogando aquela disposição.
Logo, não obstante a grande repercussão e das inúmeras notícias veiculadas na imprensa sobre o tema, por ora, a suspensão dos contratos de trabalho, na forma proposta pelo Governo, perdeu validade.
Polêmica à parte, o chamado lay off na verdade já é regulado pela legislação do País, com algumas distinções. Tecnicamente, trata-se de modalidade de suspensão temporária do contrato de trabalho, prevista no artigo 476-A da CLT, e utilizada pelas empresas que se encontram em situação de crise financeira, como forma de evitar demissão de seus empregados e possibilitar seu restabelecimento. Assim dispõe o citado dispositivo legal:
“Art. 476-A. O contrato de trabalho poderá ser suspenso, por um período de dois a cinco meses, para participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual, mediante previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, observado o disposto no art. 471 desta Consolidação.
§ 1o Após a autorização concedida por intermédio de convenção ou acordo coletivo, o empregador deverá notificar o respectivo sindicato, com antecedência mínima de quinze dias da suspensão contratual.
§ 2o O contrato de trabalho não poderá ser suspenso em conformidade com o disposto no caput deste artigo mais de uma vez no período de dezesseis meses.
§ 3o O empregador poderá conceder ao empregado ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, durante o período de suspensão contratual nos termos do caput deste artigo, com valor a ser definido em convenção ou acordo coletivo.
§ 4o Durante o período de suspensão contratual para participação em curso ou programa de qualificação profissional, o empregado fará jus aos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador.
§ 5o Se ocorrer a dispensa do empregado no transcurso do período de suspensão contratual ou nos três meses subsequentes ao seu retorno ao trabalho, o empregador pagará ao empregado, além das parcelas indenizatórias previstas na legislação em vigor, multa a ser estabelecida em convenção ou acordo coletivo, sendo de, no mínimo, cem por cento sobre o valor da última remuneração mensal anterior à suspensão do contrato.
§ 6o Se durante a suspensão do contrato não for ministrado o curso ou programa de qualificação profissional, ou o empregado permanecer trabalhando para o empregador, ficará descaracterizada a suspensão, sujeitando o empregador ao pagamento imediato dos salários e dos encargos sociais referentes ao período, às penalidades cabíveis previstas na legislação em vigor, bem como às sanções previstas em convenção ou acordo coletivo.
§ 7o O prazo limite fixado no caput poderá ser prorrogado mediante convenção ou acordo coletivo de trabalho e aquiescência formal do empregado, desde que o empregador arque com o ônus correspondente ao valor da bolsa de qualificação profissional, no respectivo período”.
Pela análise do texto acima reproduzido, denota-se que as principais características para a implementação do lay off são as seguintes:
(i) previsão expressa em convenção ou acordo coletivo de trabalho;
(ii) período de 2 até 5 meses, com realização de curso de qualificação profissional;
(iii) aquiescência formal do empregado;
(iv) impossibilidade de suspensão do contrato do empregado, por mais de uma vez no período de 16 meses; e
(v) manutenção dos benefícios voluntariamente concedidos pelo empregador.
Em relação ao período de suspensão contratual (para realização do curso de qualificação profissional), é importante frisar que o empregado receberá uma bolsa com fundos provenientes do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), não recebendo qualquer numerário do empregador, salvo ajuda compensatória mensal, sem natureza salarial, definida em instrumento coletivo (observe-se que a proposta do Governo Federal, já revogada pela MP nº 928, permitia a suspensão contratual por meio de simples acordo individual e, ainda, não previa nenhuma contraprestação por parte do Estado, ou seja, nesse caso, o trabalhador ficaria sem nenhum vencimento pelo período de 4 meses, conforme estava disposto no § 5º, do artigo 18, da MP nº 927).
Ainda de acordo com o texto legal em vigor, caso o empregado seja dispensado no transcurso do período de suspensão contratual, ou nos 3 meses subsequentes ao seu retorno ao trabalho, o empregador será responsável pelo pagamento ao trabalhador, além das parcelas indenizatórias previstas na legislação, da multa fixada em instrumento coletivo, com valor mínimo de 100% sobre o valor da última remuneração mensal (essa garantia também não estava prevista na MP nº 927).
Ademais, se durante a suspensão não for ministrado nenhum curso de qualificação profissional, estará descaracterizada a suspensão, devendo o empregador pagar os respectivos salários além da multa normativa prevista para o caso.
Portanto, conquanto aparelhado de óbices burocráticos suprimidos pela revogada Medida Provisória, o lay off é um mecanismo perfeitamente válido e plenamente aceito pela jurisprudência, desde que os requisitos legais sejam devidamente preenchidos. Vejamos:
“LAY OFF. VALIDADE. Considerando que o estabelecimento do chamado Lay Off foi precedido de negociação coletiva; que a ré observou os termos do acordo coletivo firmado, tanto para a instituição da suspensão temporária do contrato de trabalho para qualificação profissional, quanto para a realização dos cursos e para o efetivo e correto pagamento das parcelas acordadas com o sindicado; e que o reclamante confirmou ter aderido e participado do programa, não há falar em sua nulidade, como pretendido pelo autor. Recuso ordinário interposto pelo reclamante ao qual se nega provimento, no particular. Data de Publicação 07/05/2019. Processo nº 1002254.17.2017.5.02.465”
“SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DO CONTRATO DE TRABALHO OU LAY-OFF. INEXISTÊNCIA DE COAÇÃO. VALIDADE. Foram observados, no caso dos autos, os requisitos de validade para a suspensão temporária do contrato de trabalho ou lay-off, na forma do artigo 476-A da CLT. O lay-off vigente a partir de 06/07/2015, com duração de cinco meses, teve previsão em acordo coletivo de trabalho, constando de seus anexos a relação de empregados com o contrato suspenso e os detalhes do programa de qualificação com carga horária de 300 horas, ministrado pelo SENAI, em dias úteis. Fixou-se ainda no acordo coletivo a ajuda compensatória mensal devida ao empregado com o contrato suspenso. Nesse contexto, resultam inócuas as alegações, centradas em atas de audiências de outros processos ou arquivos de mídia, de que o empregado foi intensamente pressionado ou coagido a aderir ao programa, pois, como bem delineado na origem, a dispensa individual ou coletiva constitui uma prerrogativa da empresa, excetuada apenas nos casos de eventuais estabilidades no emprego, e a suspensão temporária do contrato visa justamente evitar o recurso a tais medidas extremas de redução do quadro de pessoal e economia de encargos salariais, com prejuízo maior ao trabalhador. Descabe, portanto, o pedido de pagamento dos salários correspondentes ao período de suspensão ou de indenização nos termos versados no apelo. Recurso ordinário a que se nega provimento. Data de Publicação 13/11/2019. Processo nº 1001231.30.2017.5.02.467”
“LAY OFF. NULIDADE. A suspensão contratual prevista no art. 476-A da CLT impõe requisitos cumulativos para a sua validade, quais sejam: 1) período de dois a cinco meses; 2) participação do empregado em curso ou programa de qualificação profissional oferecido pelo empregador, com duração equivalente à suspensão contratual; 3) previsão em convenção ou acordo coletivo de trabalho; e 4) aquiescência formal do empregado. O descumprimento de qualquer destes descaracteriza o instituto e importa em sua nulidade, sujeitando o empregador ao pagamento imediato dos salários e dos encargos sociais referentes ao período, às penalidades cabíveis previstas na legislação em vigor, bem como às sanções colocadas em convenção ou acordo coletivo. Data de publicação 10/09/2019. Processo nº 1001742-13.2017.5.02.0472”
“SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO. LAY-OFF. NULIDADE. Não havendo comprovação da aquiescência formal do empregado, além de efetivo curso ou programa de qualificação profissional fornecido pela empresa, na forma do art. 476-A da CLT, não há como reconhecer a validade da suspensão do contrato de trabalho na modalidade lay-off. Recurso ordinário a que se nega provimento. Publicação 07/03/2018. Processo nº 1001279.68.2017.5.02.0473”.
É importante destacar, ainda, que há posicionamento de que também existe o lay off para redução temporária de jornada e de remuneração, previsto na Lei nº 4.923/1965 que trata do Cadastro Permanente das Admissões e Dispensas de Empregados. Nesse sentido, é oportuno transcrever os artigos 2º, 3º e 4º da referida legislação. Vejamos:
“(…)
Art. 2º – A empresa que, em face de conjuntura econômica, devidamente comprovada, se encontrar em condições que recomendem, transitoriamente, a redução da jornada normal ou do número de dias do trabalho, poderá fazê-lo, mediante prévio acordo com a entidade sindical representativa dos seus empregados, homologado pela Delegacia Regional do Trabalho, por prazo certo, não excedente de 3 (três) meses, prorrogável, nas mesmas condições, se ainda indispensável, e sempre de modo que a redução do salário mensal resultante não seja superior a 25% (vinte e cinco por cento) do salário contratual, respeitado o salário-mínimo regional e reduzidas proporcionalmente a remuneração e as gratificações de gerentes e diretores.
§ 1º – Para o fim de deliberar sobre o acordo, a entidade sindical profissional convocará assembleia geral dos empregados diretamente interessados, sindicalizados ou não, que decidirão por maioria de votos, obedecidas as normas estatutárias.
§ 2º – Não havendo acordo, poderá a empresa submeter o caso à Justiça do Trabalho, por intermédio da Junta de Conciliação e Julgamento ou, em sua falta, do Juiz de Direito, com jurisdição na localidade. Da decisão de primeira instância caberá recurso ordinário, no prazo de 10 (dez) dias, para o Tribunal Regional do Trabalho da correspondente Região, sem efeito suspensivo.
§ 3º – A redução de que trata o artigo não é considerada alteração unilateral do contrato individual de trabalho para os efeitos do disposto no art. 468 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Art. 3º – As empresas que tiverem autorização para redução de tempo de trabalho, nos termos do art. 2º e seus parágrafos, não poderão, até 6 (seis) meses depois da cessação desse regime admitir novos empregados, antes de readmitirem os que tenham sido dispensados pelos motivos que hajam justificado a citada redução ou comprovarem que não atenderam, no prazo de 8 (oito) dias, ao chamado para a readmissão.
§ 1º – O empregador notificará diretamente o empregado para reassumir o cargo, ou, por intermédio da sua entidade sindical, se desconhecida sua localização, correndo o prazo de 8 (oito) dias a partir da data do recebimento da notificação pelo empregado ou pelo órgão de classe, conforme o caso.
§ 2º – O disposto neste artigo não se aplica aos cargos de natureza técnica.
Art. 4º – É igualmente vedado às empresas mencionadas no art. 3º, nas condições e prazos nele contidos, trabalhar em regime de horas extraordinárias, ressalvadas estritamente as hipóteses previstas no art. 61, e seus parágrafos 1º e 2º, da Consolidação das Leis do Trabalho”.
Como se pode observar, para essa modalidade de lay off as principais características são as seguintes:
(i) redução salarial de até 25% (vinte e cinco) por cento, com a correspondente redução de jornada de trabalho;
(ii) prévio acordo com a entidade sindical representativa dos empregados, homologado pela DRT;
(iii) prazo certo não excedente de 3 (três) meses, prorrogável pelo mesmo período; e,
(iv) vedação da realização de labor extraordinário.
Destarte, não obstante a revogação do artigo 18, da MP nº 927, pela MP nº 928, atualmente existem na nossa legislação duas modalidades de lay off: (a) para qualificação profissional (prevista no artigo 476-A da CLT) que, entretanto, depende do aporte financeiro do FAT (Fundo de Amparo ao Trabalhador) e (b) para redução temporária de jornada e de remuneração (previsto na Lei nº 4.923/1965). Em ambos os casos, todavia, é imprescindível a intervenção sindical o que, também, difere da proposta revogada do Governo.
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