Como dissemos em recentes edições de Vistos, etc., é certo que a chegada do coronavírus ao Brasil, e os diversos contratempos que causou, trouxe consigo, inevitavelmente, o direito à revisão de muitas cláusulas e obrigações contratuais, com base no que se chama de teoria da imprevisão, e também, em determinados casos, com base na demonstração da excessiva onerosidade.
Mas é importante registrar que o Brasil, felizmente, não tem histórico no atravessamento de crises dessa espécie. O que se viu de mais semelhante foi a pandemia H1N1 de 2009/2010, mas que nos parece não ter causado tanto impacto. Logo, é certo afirmar que não tem o judiciário brasileiro uma jurisprudência consolidada a respeito do assunto.
Tanto é verdade que recentemente, dia 31/03/2020, o próprio CNJ (Conselho Nacional de Justiça) publicou uma série de recomendações aos magistrados de todo o país, e dentre elas solicitou que sejam avaliadas com especial cautela o deferimento de medidas de urgência durante o período de vigência do Decreto Legislativo no 6 de 20/03/2020, que declara a existência de estado de calamidade pública no Brasil.
Diante desse cenário de absoluta incerteza advinda do COVID-19, que evidentemente se caracteriza como um evento de força maior ou caso fortuito, o que se pode afirmar, com responsabilidade, é que o posicionamento mais conservador que deve ser adotado pelos Tribunais do País é no sentido de que o indivíduo pode pleitear a revisão de certas obrigações, mas desde que comprove relação direta de causa e efeito entre o evento (COVID-19) e a impossibilidade de satisfação de seu compromisso.
Em outras palavras, para que se possa buscar, extra ou judicialmente, a revisão de uma obrigação legal ou contratual, é imprescindível que se prove desde o início que os desdobramentos advindos das medidas determinadas pelos governos Estadual e Municipal, na prevenção ao coronavírus, afetou diretamente a possibilidade de seu cumprimento, resguardado naturalmente o direito do outro contratante, e/ou de um simples credor.
Recomenda-se, portanto, àqueles que não tiverem efetivamente como justificar a impossibilidade de cumprimento de uma obrigação contratual aos efeitos negativos advindos de tais medidas aplicadas ao coronavirus, que mantenham suas contas e compromissos em dia, para que não sofram com os encargos e consequências da mora.
Mesmo porque, ainda que subsista o direito à revisão ou à própria resolução de uma relação contratual por parte de um dos contratantes, o outro contratante ou credor evidentemente estará assegurado de igual direito, vedando assim a possibilidade de enriquecimento ilícito por parte daquele.
Um exemplo importante são as operações envolvendo a concessão de crédito, independentemente do formato ou modelo (p.e. empréstimo, cessão de recebíveis e fomento à produção), em que o tomador do crédito estará obrigado à restituição dos valores recebidos em caso de inadimplemento, independentemente dos efeitos da pandemia.
Aliás, o próprio Código Civil, a despeito de prever no artigo 393 que o devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, também prevê em seu artigo 399 que o devedor em mora responde pela impossibilidade da prestação, embora essa impossibilidade resulte de caso fortuito ou de força maior, se estes ocorrerem durante o atraso.
Oportuno observar, ainda, que o judiciário está atento também ao injustificado desequilíbrio que a concessão de uma medida pode trazer, ao beneficiar excessivamente uma parte na relação, prejudicando a outra. Foi o que fez, a nosso ver com muita propriedade, o Magistrado da 10a Vara Cível do Foro Central de São Paulo ao indeferir pedido de suspensão de pagamento de alugueres de um grupo empresarial, ao destacar que:
“É fato a pandemia mundial COVID-19 acarretou a paralisação de diversas atividades, causando profundo impacto na vida das pessoas, porém, tal impacto seria injustificadamente repassado aos corréus se fosse acolhido o pleito deduzido pela autora.
Por óbvio que tal situação não se recomenda por causar maior e injusto desequilíbrio contratual com uma indevida transferência de responsabilidade, eis que os corréus contam com os locativos posto que também enfrentam dificuldades tidas como presumidas.”
Em outro caso, um devedor buscava a suspensão de um processo de execução de forma absolutamente infundada e desnecessária, e por isso teve o pedido também negado:
“Vistos. Os requerentes pleitearam o sobrestamento da demanda e do prazo recursal por trinta dias alegando que a recente pandemia, causada pela COVID-19 prejudicou a formalização de acordo entre as partes (fls. 1.210/1.211). Como sabido, não é dado ao juiz a possibilidade de suspender prazo recursal, vez que se trata de prazo legal, previsto no art. 1.003, §5º, do CPC. Por outro lado, a Resolução nº 313 do CNJ, dentre outras providencias, ordenou a suspensão dos prazos processuais (art. 5º), o que deve ser observado, até mesmo porque eventual acordo entre as partes pode ser formalizado a qualquer tempo. Nesse contexto, nada a prover no que tange ao pedido formulado. Int.”
Fica aqui, portanto, uma advertência aos contratantes e devedores de modo geral: oportunismo em tempo de COVID-19 não será admitido!
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