COVID-19 não impede busca e apreensão de bens de devedor

15/04/2020

Por Maria Claudia Ribeiro Xavier

Sabemos que o cenário econômico atual é permeado de incertezas em virtude da pandemia causada pelo COVID-19.

Mas isso não é justificativa, muito menos razão para oportunismo.

Como mencionado em artigo publicado nesse espaço pelo advogado Mohamad Fahad Hassan, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) recomendou aos Juízes de todo o país que ‘avaliem com especial cautela’ o deferimento das medidas de urgência e a realização de atos executivos nesse período de vigência do decreto de calamidade pública no Brasil[1].

É importante esclarecer que essa recomendação foi elaborada como medida de prevenção à crise econômico-financeira decorrente desse período de isolamento, o que nos leva a concluir que as decisões e os atos a serem realizados nos processos cujas obrigações foram descumpridas antes da pandemia não devem ser influenciados pelo cenário atual.

Ainda que a pandemia do COVID-19 possa levar o devedor a permanecer em mora, dada a piora na sua situação financeira, tal fato não pode justificar o abrandamento das medidas anteriormente adotadas, que visavam garantir o pagamento do credor.

Por mais bem intencionado que seja, nenhuma espécie de ativismo judicial pode comprometer o avanço do Judiciário de acabar com a cultura do devo, não nego, pago quando puder. A cautela recomendada pelo CNJ, a nosso ver, busca justamente enfrentar o oportunismo de alguns, prejudicando os credores, stakeholders e todos que sofrerão as consequências das medidas adotadas para controlar a pandemia.

Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo reformou a decisão[2] de um Juiz que, de ofício (sem provocação das partes), suspendeu a liminar de busca e apreensão de um veículo alienado fiduciariamente. Vale informar, o devedor foi constituído em mora em 2018 e a liminar de busca e apreensão foi concedida em março de 2019.

A decisão foi fundamentada na crise financeira causada pelo novo coronavírus, sustentando o Juiz que a pandemia teria reduzido as possibilidades do devedor ‘em obter numerário suficiente para a purgação da mora’. Frise-se, o inadimplemento ocorreu em 2018!

O Desembargador Arantes Theodoro, relator do acórdão do agravo de instrumento interposto pelo banco credor, observou no seu voto que a mora do devedor não guardava relação com a crise atual e advertiu que a convicção pessoal do Magistrado não deveria interferir na concessão de medida que a Lei determina seja deferida na presença de determinados requisitos:

“EMENTA – Alienação fiduciária. Ação de busca e apreensão. Cumprimento da liminar suspenso em face da quarentena decorrente da pandemia por COVID-19. Descabimento. A concessão da liminar é direito do credor, motivo pelo qual não importa a pessoal convicção do Juiz sobre a razoabilidade dessa providência frente à atual situação econômica, máxime se o próprio devedor nada alegou nesse
sentido.
 Recurso provido.
[…]
O Juiz suspendeu o cumprimento da liminar de busca e apreensão deferida em março de 2019 ao argumento de que a atual pandemia do COVID-19 tornava agora mais difícil a eventual purgação da mora por parte do requerido.
No entanto, o fato é que o devedor está a mora desde outubro de 2018, o que impõe reconhecer que sua persistente inadimplência não guarda relação com a crise econômica que se descortina pela quarentena motivada pela pandemia do COVID-19.
[…]
A propósito dessa sorte de conjectura cabe lembrar que pela disciplina traçada pelo Decreto-lei 911/69 a concessão da liminar de busca e apreensão não é faculdade do Juiz, mas um direito do credor.
Logo, ao deferimento daquela medida não importa a pessoal convicção do Juiz sobre a razoabilidade dessa providência frente ao valor do débito ou a condição econômica do devedor.
Ao Juiz cabe, sim, nos termos do artigo 3º do citado Decreto-lei, apenas aferir se o autor (1) comprovou a existência do contrato de empréstimo garantido por alienação fiduciária, (2) especificou o débito impago e (3) notificou o devedor a pagá-lo.
Pois na espécie estavam presentes esses requisitos formais, sendo isso o quanto bastava ao deferimento da liminar, que fica então agora reestabelecida, sendo de rigor a expedição de mandado para nova tentativa de apreensão do bem no endereço indicado a fls. 82 dos autos originais ou onde o credor indicar.”

TJSP, Agravo de Instrumento n.° 2065007-07.2020.8.26.0000, votação unânime, 36ª Câmara de Direito Privado, julgamento 08/04/2020.

A advertência feita no acórdão é fundamental ao período atual: os comandos legais não podem ceder lugar às convicções pessoais das partes ou dos Magistrados.

Não se ignora que alguns serão mais afetados que outros pelas medidas impostas para contenção do COVID-19, no entanto, essa circunstância momentânea não pode obstar a prática dos atos necessários à preservação do direito do credor, devendo ser ponderado que o favorecimento do devedor, sem justificativa plausível, vai na contramão da cautela recomendada pelo CNJ para prevenir crise econômico-financeira resultante dessa pandemia.

Para ler o acórdão na íntegra, clique aqui.


[1] Recomendação N.° 63, de 31 de março de 2020, Artigo 6° – https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3261
[2] Processo n.° 1001013-09.2019.8.26.0533, 1ª Vara Cível da Comarca de Santa Bárbara D’Oeste.

Compartilhe

Vistos, etc.

Newsletter do
Teixeira Fortes Advogados

Vistos, etc.

O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.