CIR, um (possível) novo lastro de operações de FIDC

16/04/2020

Por Marcelo Augusto de Barros

Entrou em vigor a Lei Federal n° 13.986, de 7 de abril de 2020, resultado da conversão da então chamada MP do Agro, a Medida Provisória n° 897, de 1º de outubro de 2019. Essa nova lei dispõe, dentre outros temas, sobre o patrimônio rural de afetação e a Cédula Rural Imobiliária (CIR).

A CIR tem a chance de mudar a política de investimento de fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC), em especial os multicedentes e multissacados, ou de empresas de fomento mercantil, que não compram ou que dedicam parcela mínima da carteira de recebíveis a esse setor.

Patrimônio Rural de Afetação

É um regime de afetação destinado a prestar garantias ao cumprimento de obrigações previstas em Cédula de Produto Rural (CPR) ou em CIR.

Uma modalidade de garantia similar à alienação fiduciária de bens imóveis previsto na Lei Federal n° 9.514, de 20 de novembro de 1997, porém com algumas diferenças, positivas e negativas:

(a) o patrimônio rural de afetação pode incidir sobre uma fração determinada do imóvel rural;
(b) não incide sobre as lavouras, os bens móveis e semoventes;
(c) o patrimônio afetado continua sujeito a constrições derivadas de obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais do proprietário rural;

A garantia incidir sobre uma parte determinada do imóvel rural é uma novidade positiva. Imóveis rurais de grande extensão (e valor) acabam gerando um receio a pequenos e médios credores quanto à liquidez da garantia.

Acontece com frequência em alienações fiduciárias. Se um imóvel vale 50 milhões e a operação pretendida é de 5 milhões, esse grande excesso de garantia gera desconforto ao credor, sobretudo em virtude da possibilidade de ele, por exemplo, acabar se tornando o dono do bem na hipótese de leilão frustrado da garantia.

Não é à toa que muitos credores fiduciários, nessas situações, optam pela execução judicial em vez de leiloar o imóvel (a propósito, um erro, em nossa opinião).

Com a afetação de uma fração determinada, significa que o credor, na inadimplência, não ficará com todo o imóvel rural, mas apenas com a parte afetada. Uma fração previamente delimitada na área rural. O imóvel será automaticamente desmembrado, gerando uma nova matrícula. Melhora a liquidez da garantia e evita discussões sobre o enriquecimento ilícito do credor.

A diferença negativa em relação à alienação fiduciária está na ressalva, prevista na Lei n° 13.986, a respeito da sujeição dos bens e direitos integrantes do patrimônio de afetação a constrições judiciais (penhoras) derivadas de obrigações trabalhistas, previdenciárias e fiscais do proprietário rural.

Ou seja, se o proprietário rural não pagar alguma dívida trabalhista após o registro do patrimônio de afetação, os credores trabalhistas e fiscais poderão penhorar a garantia.

Na alienação fiduciária, o credor está mais protegido. O imóvel ofertado em garantia é transferido ao credor fiduciário na assinatura do contrato, ocasião em que o devedor fiduciante (o proprietário rural, por exemplo) passa a deter direitos de aquisição do bem, mas não a propriedade.

Significa que, após alienado em garantia fiduciária, o imóvel não poderá ser penhorado por outros credores, inclusive trabalhistas e fiscais. Leia aqui uma recente decisão da Justiça do Trabalho nesse sentido.

Alerta: o essencial aqui é pesquisar o risco de fraude à execução.

No regime de afetação, por outro lado, a transferência do imóvel ao credor somente ocorrerá após a inadimplência. Logo, até lá, se surgirem dívidas trabalhistas, previdenciárias ou fiscais do proprietário rural, a garantia poderá ser impactada. Gera ao credor o recomendável monitoramento de ajuizamento de ações contra o garantidor.

A solicitação de registro do patrimônio rural de afetação pressupõe a instrução de documentos comprobatórios, como a inscrição no Cadastro Ambiental Rural (CAR), certidões e memoriais. Estão previstos no art. 12. Há um certo trabalho a ser feito.

Cédula Imobiliária Rural (CIR)

A CIR é um título crédito representativo de:

(a) promessa de pagamento, decorrente de operação de crédito de qualquer modalidade
e
(b) obrigação de entregar, em favor do credor, bem imóvel rural, ou fração deste, vinculado ao patrimônio de afetação.

Tem características de emissão e cobrança similares às de uma Cédula de Crédito Bancário (CCB).

A redação original da MP do Agro estipulava que a operação de crédito seria contratada, exclusivamente, com instituição financeira. Mas o Projeto de Lei de Conversão, apresentado com o Parecer (CN) n° 1, de 2019, ampliou essa aplicação para permitir a utilização da CIR “em qualquer operação financeira, não só de crédito junto a instituições financeiras”.

O texto aprovado da lei foi: “promessa de pagamento em dinheiro, decorrente de operação de crédito de qualquer modalidade” (art. 17, II)

Uma operação de crédito celebrada perante uma empresa de fomento mercantil, um FIDC ou uma securitizadora de ativos empresariais poderia ser representada por uma CIR?

Se uma operação de factoring é considerada de crédito para o efeito de tributação do IOF, é razoável interpretar que uma empresa de fomento mercantil também poderá figurar como beneficiária original de uma Cédula Imobiliária Rural.

É necessário se atentar, entretanto, ao formato da operação.

Uma empresa de fomento mercantil ou um FIDC não emprestam dinheiro, mas compram recebíveis. Por isso, “a promessa do emitente de pagar o valor da CIR em dinheiro, certo, líquido e exigível no seu vencimento” (art. 22, V) deve se adaptar à realidade das operações de crédito celebradas com esse tipo de entidade.

Se a CIR representar uma operação de empréstimo ou financiamento, a figura original do credor revelará a aplicação ou não de eventuais limitações dos juros remuneratórios. Se a contraparte for uma instituição financeira, poderão ser cobrados juros em percentuais mensais superiores a 1% ao mês, por exemplo.

A CIR tem livre negociação. Pode nascer em benefício de uma instituição financeira – uma fintech Sociedade de Crédito Direto, por exemplo – e ser endossada a um FIDC ou a investidores de uma plataforma de crowdfunding de investimento. Comentamos aqui sobre essas plataformas.

Em até cinco dias úteis contados de sua emissão, a CIR deverá ser registrada em entidade autorizada pelo Banco Central do Brasil a exercer a atividade de registro ou depósito de ativos financeiros, como a B3CERC e CRDC.

E se houver inadimplência? O procedimento é praticamente idêntico ao de excussão de bem imóvel alienado em garantia fiduciária na forma da Lei n° 9.514, ou seja, os bens e direitos vinculados ao patrimônio de afetação – o imóvel e suas construções – serão leiloados extrajudicialmente. Na falta de arrematante, o imóvel se torna de propriedade plena do credor.

Conclusão

A Cédula Imobiliária Rural ou CIR pode se tornar um novo alvo de FIDC, empresas de fomento mercantil, companhias securitizadoras, fintechs de peer-to-peer lending e plataformas de crowdfunding de investimento.

O patrimônio rural de afetação, em especial o incidente sobre uma fração determinada de uma área rural, seria um dos motivos para um gestor ou financiador mudar a política de investimentos em créditos do agronegócio. O tempo dirá.

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