Por Eduardo Galvão Rosado e Gabriela Rodrigues Ferreira
Nos termos do artigo 429 da CLT, as empresas de qualquer natureza (exceto as microempresas, as empresas de pequeno porte e as entidades sem fins lucrativos que tenham por objetivo a educação profissional) são obrigadas a empregar e matricular nos cursos dos Serviços Nacionais de Aprendizagem número de aprendizes equivalentes a 5%, no mínimo, e 15%, no máximo, dos trabalhadores existentes em cada estabelecimento, cujas funções demandem formação profissional.
Para a definição das funções que demandem formação profissional, deverá ser considerada a classificação brasileira de ocupações (CBO). Entretanto, serão excluídas as funções que demandem nível técnico ou superior, cargos de direção, gerência ou confiança. Nesse sentido é a ementa abaixo:
“AÇÃO ANULATÓRIA. A norma excepciona, para fins de inclusão na base de cálculo dos aprendizes, tão somente os empregados sob regime de trabalho temporário e as funções que demandem, para o seu exercício, habilitação profissional de nível técnico ou superior, ou, ainda, as funções que estejam caracterizadas como cargos de direção, de gerência ou de confiança. Da mesma sorte, é pacífico o entendimento do C. TST no sentido de que o art. 93 da Lei nº 8.213/91 estabeleceu cota mínima para contratação de trabalhadores portadores de deficiência ou reabilitados pela Previdência Social, como forma de inclusão desses trabalhadores, com base no percentual de incidência sobre o número de empregados da empresa, não estabelecendo nenhuma ressalva ou exceção de cargos ou atividades para o cômputo do cálculo. Data de publicação 28/10/2019, Processo nº 1001078.69.2019.5.02.0000”
No que concerne ao contrato de aprendizagem, salienta-se que ele é um contrato de trabalho especial, ajustado por escrito e por prazo determinado, não superior a 02 (dois) anos em que o empregador se compromete a assegurar ao maior de 14 (quatorze) e menor de 24 (vinte e quatro) anos, inscrito em programa de aprendizagem, formação técnico-profissional metódica, compatível com o seu desenvolvimento físico, moral e psicológico, e o aprendiz, a executar, com zelo e diligência, as tarefas necessárias a essa formação.
Todavia, diante da atual calamidade pública decorrente da pandemia gerada pelo Novo Coronavírus, muitas empresas têm se questionado acerca de quais medidas podem ser tomadas para se evitar riscos trabalhistas.
O Governo Federal editou as Medidas Provisórias nº 927 e 936 para enfrentamento da crise e, também, para instituir o programa emergencial de manutenção do empregado e da renda.
Mas essas novas regras se aplicam integralmente aos contratos de aprendizagem?
A resposta é não!
De acordo com o artigo 5º, da MP 927, em relação aos aprendizes, só há autorização para a adoção do regime de home office sendo vedada, portanto, a utilização dos outros mecanismos disponíveis, tais como o direcionamento do trabalhador para qualificação; banco de horas etc.
No que concerne a MP 936 que trouxe, dentre alternativas, a possiblidade de suspensão do contrato de trabalho e, ainda, a possiblidade de redução de jornada e de salários, não há nenhuma vedação legal. Nesse sentido dispõe o seu artigo 15º, in verbis:
“Art. 15. O disposto nesta Medida Provisória se aplica aos contratos de trabalho de aprendizagem e de jornada parcial”.
Ocorre que, diante da especificidade do contrato de aprendizagem, cumulado ao fato de que os aprendizes deslocam-se ordinariamente para os locais de trabalho por meio de transporte público coletivo, onde há alto risco de contaminação, o Ministério Público do Trabalho editou a Nota Técnica 05/2020 dispondo, basicamente, que a atual pandemia caracteriza a interrupção dos contratos de trabalho dos aprendizes, sem implicar em redução ou o não pagamento da remuneração, por aplicação analógica do disposto no artigo 60, § 3°, da Lei n° 8.213/91, bem como ante o princípio da proteção integral. Assim prevê o referido dispositivo legal:
“Art. 60. O auxílio-doença será devido ao segurado empregado a contar do décimo sexto dia do afastamento da atividade, e, no caso dos demais segurados, a contar da data do início da incapacidade e enquanto ele permanecer incapaz.
(…)
§ 3o Durante os primeiros quinze dias consecutivos ao do afastamento da atividade por motivo de doença, incumbirá à empresa pagar ao segurado empregado o seu salário integral”.
Ainda de acordo com a citada Nota Técnica, visando a proteção dos adolescentes aprendizes, estagiários e empregados, os envolvidos deverão adotar as seguintes medidas emergenciais:
(i) as aulas teóricas da aprendizagem deverão ser interrompidas, salvo se passíveis de serem ministradas na modalidade à distância e desde que possuam plataforma aprovada pelo Ministério da Economia;
(ii) os empregadores deverão interromper de imediato as atividades práticas, garantida a percepção da remuneração integral;
(iii) em nenhuma hipótese poderá haver substituição das atividades teóricas pelas práticas;
(iv) as entidades concedentes de estágio (públicas ou privadas), devem interromper as atividades presenciais de estágio, substituindo-as por atividades remotas;
(v) os órgãos públicos, organizações da sociedade civil e unidades do sistema nacional de atendimento socioeducativo concedentes da experiência prática deverão interromper as atividades do programa de aprendizagem profissional; e,
(vi) os empregadores que tenham em seus quadros empregados adolescentes, na faixa etária de 16 a 18 anos, devem promover o afastamento imediato do trabalho, sem prejuízo da remuneração integral.
Como se não bastasse, o Ministério Público do Trabalho também vem recomendando às empresas que se abstenham de proceder à rescisão dos contratos de aprendizagem, fora das hipóteses do artigo 433 da CLT e do artigo 13 da IN SIT 146/2018 que têm, respectivamente, a seguinte redação:
“Art. 433. O contrato de aprendizagem extinguir-se-á no seu termo ou quando o aprendiz completar 24 (vinte e quatro) anos, ressalvada a hipótese prevista no § 5o do art. 428 desta Consolidação, ou ainda antecipadamente nas seguintes hipóteses:
I – desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz, salvo para o aprendiz com deficiência quando desprovido de recursos de acessibilidade, de tecnologias assistivas e de apoio necessário ao desempenho de suas atividades;
II – falta disciplinar grave;
III – ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo; ou
IV – a pedido do aprendiz.
§ 2o Não se aplica o disposto nos arts. 479 e 480 desta Consolidação às hipóteses de extinção do contrato mencionadas neste artigo”.
“Art. 13. O contrato de aprendizagem extinguir-se-á:
I – no seu termo final;
II – quando o aprendiz completar vinte e quatro anos, observado o disposto no parágrafo único do art. 6º;
III – antecipadamente, nas seguintes hipóteses:
a) desempenho insuficiente ou inadaptação do aprendiz, que devem ser comprovados mediante laudo de avaliação elaborado pela entidade executora da aprendizagem, a quem cabe a sua supervisão e avaliação, após consulta ao estabelecimento onde se realiza a aprendizagem;
b) falta disciplinar grave prevista no art. 482 da CLT;
c) ausência injustificada à escola que implique perda do ano letivo, comprovada por meio de declaração do estabelecimento de ensino;
d) a pedido do aprendiz;
e) fechamento do estabelecimento, quando não houver a possibilidade de transferência do aprendiz sem que isso gere prejuízo ao próprio aprendiz;
f) morte do empregador constituído em empresa individual;
g) rescisão indireta.
§ 1º Aplica-se o art. 479, da CLT, somente às hipóteses de extinção do contrato previstas no inciso III, alíneas “e”, “f” e “g”.
§ 2º Não se aplica o disposto nos art. 480, da CLT, às hipóteses de extinção do contrato previstas nas alíneas do inciso III.
§ 3º A diminuição do quadro de pessoal da empresa, ainda que em razão de dificuldades financeiras ou de conjuntura econômica desfavorável, não autoriza a rescisão antecipada dos contratos de aprendizagem em curso, que devem ser cumpridos até o seu termo final.
§ 4º Ao término do contrato de aprendizagem, havendo continuidade do vínculo, o contrato passa a vigorar por prazo indeterminado, com todos os direitos dele decorrentes, bastando que sejam formalizadas as devidas alterações contratuais e realizados os ajustes quanto às obrigações trabalhistas”.
Como se denota, existe evidente conflito entre a MP 936 e a Nota Técnica 05/2020. Mas qual deve ser observada pelos empregadores?
É óbvio que, não obstante a representatividade (e importância) que tem o Ministério Público do Trabalho, uma Nota Técnica não pode se sobrepor a uma Medida Provisória.
Ocorre que, por força dos artigos 127 e 201 da CF, o Ministério Público tem como atribuição zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados a todas as crianças e adolescentes, promovendo medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis.
Diante disso e considerando a situação de vulnerabilidade social em que geralmente se encontram os aprendizes (adolescentes e jovens) e os efeitos nefastos que a suspensão, a redução da remuneração e a rescisão irregular do contrato de aprendizagem podem trazer, há risco de os empregadores, se não seguirem as orientações da citada Nota Técnica, serem autuados (apesar de, nesse caso, terem como supedâneo a própria legislação o que, por óbvio, permite a defesa).
Logo, em face desta celeuma, as medidas mais seguras, nesse momento de crise, que podem ser adotadas pelos empregadores em relação aos aprendizes são as seguintes:
(i) abster de proceder à rescisão dos contratos de aprendizagem (exceto nas hipóteses acima mencionadas);
(ii) adotar o regime de home office;
(iii) conceder férias; ou,
(iv) interromper as atividades práticas e teóricas da aprendizagem profissional, mas sem prejuízo da remuneração integral.
12 setembro, 2024
21 março, 2024
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