Diante da atual calamidade pública decorrente da pandemia gerada pela covid-19, cujas consequências nos ramos da aviação e turismo são fatos notórios, os pedidos de cancelamento das passagens áreas, com reembolso do valor pago, têm aumentado constantemente, levando alguns consumidores a demandarem judicialmente devido aos problemas enfrentados no momento das tratativas para a restituição do valor.
Um desses problemas refere-se ao fato de que o cancelamento das passagens, com o reembolso do valor, implica cobrança das penalidades previstas em contrato. Ou seja, o valor reembolsado é invariavelmente menor do que aquele pago inicialmente pelo consumidor.
Como se verifica do artigo elaborado pela advogada Patricia Costa Agi Couto, para que não houvesse ônus ao consumidor, a orientação dada pelos órgãos reguladores dos setores de aviação e turismo era o adiamento das viagens ou o cancelamento, mediante troca por um crédito a ser utilizado no prazo de um ano.
No entanto, as condutas adotadas caso a caso pelas empresas de aviação civil e agências de turismo têm sido alvo de insatisfações, especialmente em razão do crédito disponibilizado por determinadas empresas permanecer vinculado ao destino inicialmente contratado.
Para evitar decisões e condutas divergentes, foram editadas duas Medidas Provisórias que regulamentam o cancelamento de passagens aéreas e pacotes turísticos contratados. São elas:
* Medida Provisória nº 925, publicada em 18/03/2020, que dispõe sobre “medidas emergenciais para a aviação civil brasileira”; e
* Medida Provisória nº 948, publicada em 08/04/2020, que dispõe sobre “o cancelamento de serviços, de reservas e de eventos dos setores de turismo e cultura.”
A recém publicada Medida Provisória nº 948/2020 prevê, expressamente, a possibilidade de cancelamento de serviços, desobrigando os prestadores de serviços do setor de turismo a reembolsarem os valores pagos pelo consumidor, em decorrência de cancelamento de reservas por força do estado de calamidade causado pela pandemia.
Em contrapartida, o prestador de serviços deve assegurar ao consumidor, em caráter alternativo, as opções previstas nos incisos I a III do artigo 2º da citada medida provisória. Uma das opções previstas é a disponibilização de crédito “para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas.” Confira-se:
“Art. 2º Na hipótese de cancelamento de serviços, de reservas e de eventos, incluídos shows e espetáculos, o prestador de serviços ou a sociedade empresária não serão obrigados a reembolsar os valores pagos pelo consumidor, desde que assegurem:
I – a remarcação dos serviços, das reservas e dos eventos cancelados;
II – a disponibilização de crédito para uso ou abatimento na compra de outros serviços, reservas e eventos, disponíveis nas respectivas empresas; ou
III – outro acordo a ser formalizado com o consumidor.”
Muito embora a norma não deixe expresso a quem compete a opção, é razoável concluir que se trata de faculdade do consumidor optar pela alternativa que melhor atenda aos seus interesses, notadamente porque ficará privado do serviço contratado e, também, da possibilidade de reembolso imediato dos valores pagos.
A essa conclusão também se chega em observância ao artigo 3º, §1º, da Medida Provisória nº 925/2020, que dispõe sobre a possibilidade de cancelamento de passagens aéreas sem a cobrança de penalidades, desde que o consumidor aceite a utilização de crédito no prazo de doze meses, contado da data do voo contratado:
“Art. 3º O prazo para o reembolso do valor relativo à compra de passagens aéreas será de doze meses, observadas as regras do serviço contratado e mantida a assistência material, nos termos da regulamentação vigente.
§ 1º Os consumidores ficarão isentos das penalidades contratuais, por meio da aceitação de crédito para utilização no prazo de doze meses, contado da data do voo contratado.”
Em que pese a Medida Provisória nº 925/2020, destacada acima, não determinar expressamente que o crédito poderá ser utilizado para destino diverso daquele contratado inicialmente, a ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil publicou em 19/03/2020 matéria sobre a referida medida provisória, informando que o crédito aceito pelo consumidor poderá ser utilizado para a compra de “nova passagem”.
É plausível que o crédito, pela própria literalidade da palavra, possa ser dirigido à compra de outros serviços, leia-se, outro trecho de viagem. A concessão de crédito para a utilização de passagem com o mesmo destino, como têm determinado algumas empresas do ramo da aviação e agências de turismo, equivale à mera remarcação de voo, o que pode não interessar ao consumidor em razão da crise mundial nos cenários da saúde e da economia e do destino inicialmente contratado, que pode estar prejudicado em maior grau em relação a outras regiões.
No entanto, a falta de disposições específicas sobre a quem compete a escolha entre as alternativas dadas pelas Medidas Provisórias aqui mencionadas, poderá implicar em verdadeira avalanche de ações judiciais para discutir a conduta a ser adotada no cancelamento de passagens aéreas.
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