No processo de recuperação judicial, há uma etapa em que os credores se reúnem em local e data predefinidos para discutirem e votarem sobre o plano de soerguimento apresentado pela devedora.
Trata-se da Assembleia Geral de Credores – ou AGC -, que está prevista no artigo 35 da Lei 11.101/2005, e pode ser considerada um dos atos mais importantes de todo o processo, pois, a depender do resultado da deliberação sobre o Plano, será aprovado o pagamento aos credores na forma prevista ou, em outro cenário, poderá ser decretada a falência da empresa.
Pela regra, a AGC é realizada presencialmente, em um local preestabelecido, onde se reúnem os representantes da empresa devedora, o administrador judicial e os credores, não havendo, portanto, previsão legal para realização de uma assembleia de forma virtual.
Eis que surge a pandemia do novo coronavírus, e o Judiciário é desafiado a implementar medidas que atendam às normas de distanciamento social, sem comprometer o acesso à Justiça.
Nesse cenário em que se busca meios alternativos de se manter a tramitação ainda que parcial dos processos judiciais, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) emitiu, entre outros atos normativos, a Recomendação nº 63 de 31 de março de 2020, que traz orientações para todos os juízos com competência para julgamento de ações de recuperação judicial, como por exemplo a possibilidade de realização da Assembleia Geral de Credores por meio online, segundo prevê seu artigo 2º:
Art. 2º Recomendar a todos os Juízos com competência para o julgamento de ações de recuperação empresarial e falência que suspendam a realização de Assembleias Gerais de Credores presenciais, em cumprimento às determinações das autoridades sanitárias enquanto durar a situação de pandemia de Covid-19.
Parágrafo único. Verificada a urgência da realização da Assembleia Geral de Credores para a manutenção das atividades empresariais da devedora e para o início dos necessários pagamentos aos credores, recomenda-se aos Juízos que autorizem a realização de Assembleia Geral de Credores virtual, cabendo aos administradores judiciais providenciarem sua realização, se possível.
Desde então, advogados, juízes e administradores judiciais vêm se mobilizando para adotarem a recomendação do CNJ, partindo do pressuposto de que, embora a lei seja clara quanto à realização presencial da AGC, não há vedação expressa à sua ocorrência de forma virtual, até porque, na época da sua promulgação (2005), a tecnologia nos meios de comunicação não se encontrava tão evoluída quanto nos dias de hoje, em que temos à mão plataformas robustas que possibilitam reuniões em tempo real por qualquer pessoa, sem grandes dificuldades.
A primeira grande assembleia virtual de que se tem notícia ocorreu no processo de recuperação judicial da Odebrecht, autos nº 1057756-77.2019.8.26.0100, já no dia 31/03/2020, e transcorreu normalmente, sem incidentes que pudessem comprometer a formalização do ato, havendo a participação de credores, debates, esclarecimentos e votações, tudo lavrado em ata assinada eletronicamente pelas partes.
Naturalmente, para que todos os envolvidos pudessem estar aptos a participarem dessa forma inovadora de conclave, o Administrador Judicial apresentou nos autos as instruções necessárias, de forma a garantir a observância dos requisitos e prerrogativas legais para instalação da assembleia de credores. Inclusive, estava previsto que, em caso de problemas na conexão, qualquer credor poderia entrar em contato por whatsapp em um número de telefone específico.
Apesar do interessante avanço, por outro lado, a medida ainda não pôde ser implementada em alguns processos em razão da resistência ou mesmo inércia de uma parcela de credores.
Por exemplo, na recuperação judicial da empresa Avícola Dacar Ltda., não obstante o Administrador Judicial tenha apresentado um procedimento bem apropriado para realização da assembleia, verificou-se baixa adesão por parte dos credores (fl. 3162 dos autos do processo nº 000247-90.2018.8.26.0629):
* 10 credores concordaram com a realização da AGC por meio virtual;
* 16 credores não concordaram com a realização da AGC por meio virtual;
* 09 solicitaram informações a respeito do procedimento da AGC por meio virtual;
* Dos 75 credores que estiveram no ato assemblear de 12.02.2020, 43 não se manifestaram.Dentre os pontos levantados pelos credores que se posicionaram contra à realização da AGC virtual está certa dificuldade em garantir de forma equânime a integração dos credores trabalhistas, que muitas vezes não possuem as condições tecnológicas ou o conhecimento técnico necessário para participarem do ato em pleno exercício dos seus direitos de voz e voto.Por questões pertinentes como essa, a opção pela AGC online ainda deverá ser gradativa, situação que precisa ser levada em conta nos atuais projetos de reforma da Lei de Falências e Recuperações Judiciais, os quais preveem a inclusão da assembleia virtual, mesmo após o período de pandemia.
Sem dúvidas, assim como nos dois casos mencionados nesse artigo, os administradores judiciais precisam oferecer todos os subsídios para que as partes exerçam regularmente seus direitos no âmbito da assembleia, ainda que de forma online, como acesso facilitado, interação por chat, devida identificação dos participantes e exibição adequada dos documentos referentes ao plano de recuperação judicial, da apuração dos votos e da ata.
Cremos ser válido o estudo para aperfeiçoamento dessa modalidade de conferência eletrônica que se mostra compatível com a evolução tecnológica pela qual o próprio Judiciário atravessa, e que pode trazer benefícios para o processo de recuperação judicial, como a redução de custos para o devedor e a facilidade de comparecimento pelos credores que precisariam deslocar grandes distâncias no caso de uma AGC presencial.
Em tempos de crise, é uma boa notícia que o Judiciário esteja se aprimorando e implementando melhorias que acompanham a evolução tecnológica e podem ser duradouras.
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