O princípio da sucumbência é muito simples: aquele que perde, paga os honorários do advogado da parte que venceu. Na letra da lei, art. 85 do CPC, “A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor”. Regra geral, que comporta exceções descritas em lei, “Os honorários serão fixados entre o mínimo de dez e o máximo de vinte por cento sobre o valor da condenação, do proveito econômico obtido ou, não sendo possível mensurá-lo, sobre o valor atualizado da causa (…)” (CPC, art. 85, § 2º).
Até o advento do Código de Processo Civil atual, com relação aos danos morais, essa regra de sucumbência não se aplicava. Por se tratar de pedido inestimável e, portanto, de difícil mensuração, aceitava-se que o valor da indenização fosse apenas sugerido pela parte autora, mas fixado pelo juiz, a partir de critérios de moderação e prudência aplicados caso a caso. Não havia nenhuma implicação sucumbencial, caso o pedido de danos morais fosse acolhido em valor inferior ao pleiteado.
Nesse sentido, a Súmula 326 do C. STJ foi editada e sedimentou a questão, com a seguinte orientação:
“Súmula 326: Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca.”
Nos dizeres da Súmula, se a parte autora pleiteava uma indenização por danos morais, sugerindo o valor de cem mil reais e a sentença lhe concedia apenas dez mil, não havia reflexo na sucumbência, ou seja, a parte que ganhou indenização por danos morais não teria que pagar honorários ao advogado da outra parte, correspondentes ao percentual do montante que pediu e não ganhou.
Com o Código atual, esse entendimento passou a ser questionado, porque a nova lei processual determina expressamente que o valor da causa deverá considerar, inclusive, o pedido de indenização por danos morais, determinação que inexistia na legislação anterior:
“Art. 292: O valor da causa constará da petição inicial ou da reconvenção e será:
(…)
V – na ação indenizatória, inclusive a fundada em dano moral, o valor pretendido; (…)”
Diante da modificação da lei, passou-se a entender que há conflito entre a legislação processual atual e a Súmula 326. Nesse raciocínio, o autor que, exemplificativamente, pleitear R$ 100 mil de indenização, e ganhar apenas R$ 10 mil, corre o risco de ser condenado a pagar sucumbência pelo que perdeu, sucumbência que pode ser fixada, nesse caso, entre R$ 9 mil (10%) até R$ 18 mil (20%). Em situações como a do exemplo, portanto, a indenização recebida pelo autor mal pagará o gasto com a sucumbência!
Ainda não há decisão pacificada sobre o tema, mas são já frequentes os julgados entendendo que a Súmula 326 não pode mais ser aplicada:
“ÔNUS SUCUMBENCIAIS Aplicação da Súmula 326 do STJ Descabimento A Súmula nº 326 do Superior Tribunal de Justiça é de 2006, quando vigente o Código de Processo Civil de 1973, que não exigia quantificação da verba indenizatória por dano moral – Código de Processo Civil de 2015 que passou a impor, de forma expressa, o valor pretendido, inclusive, na ação indenizatória por dano moral (artigo 292, V) – Acolhimento em montante inferior ao postulado que influi na distribuição da sucumbência, tal como concluiu o Juízo Recursos parcialmente providos.” (TJSP; Apelação Cível 0018159-41.2012.8.26.0011; Relator (a): Helio Faria; Órgão Julgador: 18ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XI – Pinheiros – 4ª Vara Cível; Data do Julgamento: 13/03/2018; Data de Registro: 15/03/2018) (destacou-se)
“INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. Ilegitimidade da autarquia para figurar no polo passivo, porque sua atribuição é para manter ou conservar o serviço de água pluvial. Legitimidade passiva do município (art. 30, V, da CF). Queda de pedestre em razão do espaçamento entre as grades do bueiro. Nexo de causalidade comprovado. Culpa exclusiva da vítima inexistente. Responsabilidade objetiva do Estado configurada (art. 37, §6º, CF). Indenização por danos morais mantida em R$4.000,00. Juros de mora incidentes sobre a condenação que devem ser calculados conforme determina o art. 1º-F da Lei 9.494/97. Não aplicação da Súmula 326 do STJ, em razão do art. 292, V, do CPC. Sucumbência também da autora. Honorários advocatícios arbitrados por equidade (CPC, art. 85, §8º). Recurso de uma das rés provido, provido em parte o da outra e o da autora.
(…)
A Súmula 326 do Superior Tribunal de Justiça (Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca) é de 2006, quando então vigente o Código de Processo Civil de 1973, que não exigia quantificação da verba indenizatória por dano moral. O Código de Processo Civil de 2015, por sua vez, passou a exigir, de forma expressa, o valor pretendido, inclusive, na ação indenizatória por dano moral (artigo 292, V). Sendo assim, tratando-se de pedido certo e determinado, o acolhimento em montante inferior ao postulado influi na distribuição da sucumbência, tal como concluiu o douto Juízo a quo, de modo que o pedido de reforma não prospera.“ (TJSP; Apelação 1001840-77.2016.8.26.0063, Des. Rel. Milton Carvalho, j. 27/10/2017) (destacou-se)
“A sentença não comporta reforma no tocante à distribuição das verbas sucumbenciais, tendo em vista a aplicação das novas normas processuais, em especial o art. 292, V do novo CPC, que determina a atribuição de valor certo aos danos morais. Destarte, não há que se falar em aplicação da Súmula nº 326 do Colendo STJ.” (TJSP, Apelação nº 1008537-57.2016.8.26, 18ª Câmara de Direito Privado, Rel. Helio Faria, j. 20/06/2017) (destacou-se)
“Por fim, no tocante à distribuição das verbas sucumbenciais, também não merece reparo a r. Sentença monocrática, tendo em vista a aplicação das novas normas processuais, em especial, o art. 292, V, do novo CPC, que determina a atribuição de valor certo aos danos morais. Assim, não há que se falar em aplicação da Súmula 326 do Colendo STJ, razão pela qual o MM. Juiz ‘a quo’ não poderia ter condenado a ré ao pagamento integral dos ônus da sucumbência, nos termos do art. 86, caput, do novo CPC, que reza que, ‘se cada parte litigante for, em parte, vencedor e vencido, serão proporcionalmente distribuídas entre eles as despesas.” (TJSP, 31ª Câmara de Direito Privado, Apelação nº 1012999-34.2015.8.26.0004, Rel. Desembargador Carlos Nunes, j. 14/2/2017) (destacou-se)
Para quem defende a validade da Súmula, sua aplicabilidade se justifica porque é impossível para a parte (e por que não dizer, para seu advogado) definir quanto vale o dano moral, sendo que até mesmo a jurisprudência diverge com relação ao quantum indenizatório em situações absolutamente semelhantes. De fato, indenizações que têm o mesmo ato ilícito gerador, como por exemplo, atraso de voo ou descumprimento de contrato de plano de saúde, são comumente fixadas em valores consideravelmente distintos.
Nessa linha de raciocínio, decisão da Ministra Nancy Andrighi no Recurso Especial 1.534.559 – SP, de 22/11/16, asseverou que: “(…) inexistentes critérios legais de mensuração, o arbitramento do valor da compensação por dano moral caberá exclusivamente ao juiz, mediante seu prudente arbitrário, de modo que não se mostra legítimo exigir-se do autor, no momento da propositura da demanda, a indicação precisa de um valor (…)”, entendimento que permite a conclusão de que a fixação do dano material em valor inferior ao pleiteado não pode implicar sucumbência da parte.
O C. STJ ainda não se manifestou expressamente sobre o tema, mas em decisões posteriores ao advento do novo CPC tem aplicado a Súmula 326. O E. TJSP, por seu turno, também tem decisões no sentido de que a Súmula ainda tem validade, o que confirma que o tema não é realmente pacífico. Confira-se as decisões das Cortes citadas:
“(…) 6. O decaimento mínimo dos autores não enseja o redimensionamento da verba honorária, nos termos do art. 86, parágrafo único, do CPC/2015. Na ação de indenização por dano moral, a condenação em montante inferior ao postulado na inicial não implica sucumbência recíproca (Súmula 326 do STJ).” (STJ, 3ª Turma, AgInt no REsp 1784052-CE, Min. Rel. Marco Aurélio Belizze, j. 17.06.19) (destacou-se)
“DANOS MORAIS Documentos dos autos comprovam a negativa da cobertura do procedimento, somente autorizado pela via judicial. A negativa da cobertura pelo plano de saúde não se tratou de mero dissabor – Caracterizado o dano moral na hipótese “Quantum” indenizatório, no entanto, comporta redução e é fixado à luz das circunstâncias do caso e dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da vedação ao enriquecimento sem causa A redução do valor da indenização não implica sucumbência recíproca Incidência da Súmula 326 do C.STJ, não revogada Sentença mantida quanto à condenação da indenização, mas apenas reduzido o “quantum” para R$ 2.500,00 Recurso da operadora ré provido parcialmente.” (TJSP, Apelação nº 0001285-02.2013.8.26.0510, Rel. Des. Clara Maria Araújo Xavier, j. 20.04.18) (destacou-se)“RESPONSABILIDADE CIVIL. Danos morais. Prestação de Serviços. TV a cabo e telefonia. Agendamento, na central de atendimento da concessionária, de visita técnica para instalação de ponto adicional. Meliantes que obtiveram os dados cadastrais do consumidor e anteciparam a visita, passando-se por prepostos uniformizados da ré, praticando o roubo. Falha no serviço prestado. Configuração do ato ilícito. Conteúdo probatório que permite concluir a negligência da operadora na guarda dos dados cadastrais de seus clientes. Valor arbitrado compatível com a ofensa. Sucumbência recíproca. Não ocorrência, por força do que estabelece a Súmula 326, do colendo STJ, não revogada pelo NCPC. Sentença parcialmente reformada. RECURSO PRINCIPAL DESPROVIDO E PARCIAMENTE PROVIDO O ADESIVO.” (TJSP, Ap. nº 1012685-57.2016.8.26.0100, Desl. Rel. Fernando Sastre Redondo, j. 15.02.2017) (destacou-se)
Diante das incertezas e riscos aqui ponderados, necessário que se tenha prudência na quantificação do pedido de danos morais.
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