O instituto da desapropriação – a forma mais aguda de intervenção estatal na propriedade privada –, tem matriz constitucional, com previsão no artigo 5º, XXIV, que traça os contornos principais: deve ser fundada em necessidade ou utilidade pública ou interesse social, precedida, em regra, de justa indenização em dinheiro.
Embora existam outras modalidades de expropriação – tais como aquelas de caráter sancionatório para fins de urbanização (CF, art.182); para fins de reforma agrária (CF, art. 184); e, por cultivo de psicotrópicos e uso de trabalho escravo (CF, art. 243) -, nos ateremos, aqui, a uma breve análise das fases do procedimento expropriatório por necessidade ou utilidade pública, previsto no Decreto 3.365, de 21/06/1941, e interesse social, regulamentado pela Lei 4.132, de 10/09/1962), dada a sua maior utilização pelos Poderes Públicos e com maior impacto na vida do cidadão comum.
1º Fase – Declaratória
* Decreto expropriatório do Poder Executivo para declarar que determinado bem é de necessidade pública (caracterizada pela situação de urgência); utilidade pública (conveniência da administração pública) ou interesse social (distribuição da propriedade para melhor aproveitamento pela coletividade). O procedimento é conduzido exclusivamente pelo Poder Executivo. O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 969, decidiu que a desapropriação não depende de prévia autorização legislativa.
* Consideram-se casos de utilidade pública: a segurança nacional; a defesa do Estado; o socorro público em caso de calamidade; a salubridade pública; a criação e melhoramento de centros de população, seu abastecimento regular de meios de subsistência; o aproveitamento industrial das minas e das jazidas minerais, das águas e da energia hidráulica; a assistência pública, as obras de higiene e decoração, casas de saude, clínicas, estações de clima e fontes medicinais; e a exploração ou a conservação dos serviços públicos; a abertura, conservação e melhoramento de vias ou logradouros públicos; a execução de planos de urbanização; o parcelamento do solo, com ou sem edificação, para sua melhor utilização econômica, higiênica ou estética; a construção ou ampliação de distritos industriais; o funcionamento dos meios de transporte coletivo; a preservação e conservação dos monumentos históricos e artísticos, isolados ou integrados em conjuntos urbanos ou rurais, bem como as medidas necessárias a manter-lhes e realçar-lhes os aspectos mais valiosos ou característicos e, ainda, a proteção de paisagens e locais particularmente dotados pela natureza; a preservação e a conservação adequada de arquivos, documentos e outros bens moveis de valor histórico ou artístico; a construção de edifícios públicos, monumentos comemorativos e cemitérios; a criação de estádios, aeródromos ou campos de pouso para aeronaves; a reedição ou divulgação de obra ou invento de natureza científica, artística ou literária; (art. 5º, Decreto 3.365/41). Esse dispositivo não diferencia as hipóteses de necessidade ou de utilidade pública, o que deve ser feito a partir da constatação da existência da situação de urgência.
* Consideram-se casos de interesse social: o aproveitamento de todo bem improdutivo ou explorado sem correspondência com as necessidades de habitação, trabalho e consumo dos centros de população a que deve ou possa suprir por seu destino econômico; a instalação ou a intensificação das culturas nas áreas em cuja exploração não se obedeça a plano de zoneamento agrícola; o estabelecimento e a manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola; a manutenção de posseiros em terrenos urbanos onde, com a tolerância expressa ou tácita do proprietário, tenham construído sua habilitação, formando núcleos residenciais de mais de 10 (dez) famílias; a construção de casa populares; as terras e águas suscetíveis de valorização extraordinária, pela conclusão de obras e serviços públicos, notadamente de saneamento, portos, transporte, eletrificação armazenamento de água e irrigação, no caso em que não sejam ditas áreas socialmente aproveitadas; a proteção do solo e a preservação de cursos e mananciais de água e de reservas florestais; a utilização de áreas, locais ou bens que, por suas características, sejam apropriados ao desenvolvimento de atividades turísticas (art. 2º, Lei 4.132/62).
* A partir do decreto expropriatório, ficam as autoridades administrativas autorizadas a penetrar nos prédios compreendidos na declaração com o objetivo de realizar estudos/análises/levandamentos inerentes à desapropriação. Tais atos, todavia, não se confundem com a imissão de posse (que depende de depósito prévio). Se houver recusa do poprietário, o Poder Público pode se socorrer de força policial (art. 7º, Decreto 3.365/41 e art. 5º da Lei 4.132/62).
* Também a partir do decreto expropriatório, inicia-se o prazo de 5 (cinco) anos, no caso de desapropriação por necessidade/utilidade pública, e de 2 (dois) anos, no caso de desapropriação por interesse social, para que o procedimento expropriatório seja efetivado, sob pena de caducidade (art. 10, Decreto 3.365/41 e art. 3º da Lei 4.132/62).
2º Fase : Executória* A fase executória poderá ser administrativa ou judicial. Será administrativa se houver acordo entre as partes em relação ao preço a ser pago pelo bem desapropriado.
* Se não houver acordo, o Poder Público ingressará com a ação de desapropriação. Se houver urgência, mediante depósito prévio do valor do imóvel, o Poder Público será imitido provisoriamente na posse do bem (art. 15, Decreto 3.365/41). O valor da indenização terá que ser fixado judicialmente por meio do laudo judicial provisório, em geral não sujeito ao contraditório.
* A contestação, na ação de desapropriação, em principio, só poderá versar sobre nulidade do processo e/ou impugnação do preço. É vedado, em tese, discutir o mérito do decreto expropriatório (art. 20, Decreto 3.365/41).
* Se não houver concordância em relação ao preço, o valor será apurado mediante perícia (art. 23, Decreto 3.365/41), esta sim sujeita ao amplo contraditório.
* A sentença fixará o preço da indenização. Eventual recurso de apelação será recebido no efeito devolutivo, quando interposto pelo proprietário, e em ambos efeitos quando interposto pelo Poder Público (art. 28, Decreto 3.365/41).
* O depósito do preço fixado na sentença será considerado pagamento prévio da indenização, podendo o proprietário, ainda que discorde do valor, levantar 80% do depósito realizado (art. 33, parágrafo 2º, Decreto 3.365/41).
* A carta de sentença, ou a escritura pública quando a desapropriação for amigável, servirão de título para registro no Cartório de Registro de Imóveis.
São essas, em linhas gerais, as etapas do procedimento expropriatório. Mas a aparente simplicidade do procedimento esconde a complexidade dos temas que podem ser debatidos no âmbito de todo o processo, que vão além da questão do preço apurado pelo bem e da regularidade do processo judicial. Com efeito, apesar da vedação prevista no art. 20 do Decreto 3.365/41, após a Constituição de 1988, doutrina e jurisprudência vêm admitindo o controle jurisdicional do ato administrativo, no que toca à observância de todos os seus requisitos de validade (v.g., realização de audiências públicas; estudo de viabilidade financeira; dentre outros). Sem olvidar das questões inerentes à qualidade da propriedade e da posse do bem expropriado e, também, do direito de extensão, que consiste na possibilidade do expropriado reclamar, na hipótese de desapropriação parcial, que ela seja integral, diante do esvaziamento econômico da área remanescente.
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