O que mudou com a conversão da MP 936 em Lei?

15/07/2020

Por Thiago Albertin Gutierre

A Lei n° 14.020, sancionada em 06 de julho de 2020, consolidou o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda instituído pela MP 936 para enfrentamento do estado de calamidade pública ocasionado pela Covid-19.

Dentre outras disposições, as principais mudanças no âmbito trabalhista foram as seguintes:

(I) Prorrogação de prazo dos acordos.

Foram mantidos os prazos previstos na MP 936 de 60 (sessenta) dias para a suspensão contratual e 90 (noventa) dias para a redução proporcional de jornada de trabalho e salário, sendo autorizado expressamente a prorrogação dos citados limites temporais por ato do Poder Executivo.

Sobreveio, então, o Decreto n° 10.422, publicado em 14 de julho de 2020, que ampliou os respectivos prazos da seguinte maneira:

SUSPENSÃO CONTRATUAL REDUÇÃO PROPORCIONAL
Acréscimo de 60 (sessenta dias), autorizando um total de 120 (cento e vinte dias). Acréscimo de 30 (trinta dias), autorizando um total de 120 (cento e vinte dias).

Destaca-se, entretanto, que na hipótese de o empregador se utilizar de mais de uma modalidade (suspensão e redução), a somatória das medidas utilizadas, seja de forma sucessiva ou intercalada, não poderá ultrapassar o período máximo de 120 (cento e vinte dias).

Nesse sentido, é importante frisar que os empregadores que já fizeram uso das medidas previstas na MP 936, somente poderão realizar novos acordos se observarem o novo limite temporal, observando ainda que o período já utilizado será computado para fins de contagem de tempo, conforme previsão do artigo 5º da Lei 14.020/2020:

“Art. 5º Os períodos de redução proporcional de jornada e de salário ou de suspensão temporária do contrato de trabalho utilizados até a data de publicação deste Decreto serão computados para fins de contagem dos limites máximos resultantes do acréscimo de prazos de que tratam os art. 2º, art. 3º e art. 4º.”

Para os empregados com contrato de trabalho intermitente, foi acrescida uma parcela do Benefício Emergencial mensal no valor de R$ 600,00 (seiscentos reais), totalizando quatro meses de auxílio.

Salienta-se, ainda, que os acordos poderão ser realizados enquanto durar o estado de calamidade e o Governo poderá publicar novos atos de prorrogação das medidas.

(II) Alteração do critério salarial para os acordos individuais.

As regras para a formalização dos acordos de suspensão contratual e de redução proporcional da jornada de trabalho e salário não foram alteradas. Ainda é necessária, por exemplo, a comunicação do acordo individual ao Ministério da Economia e ao Sindicato de classe no prazo de 10 (dez) dias.

A novidade é a previsão expressa de que os acordos poderão ser ajustados de forma setorial, departamental, parcial ou na totalidade dos postos de trabalho, e a alteração do critério salarial para realização dos acordos via instrumento individual (ou seja, sem a anuência do sindicato de classe), com base na receita bruta auferida pelo empregador. Nesse sentido, vide quadro resumo abaixo:

Modalidade Via Acordo individual
Redução proporcional de jornada e salário em percentual de 25%. Empregados de qualquer faixa salarial.
Suspensão Contratual e redução proporcional de jornada e salário em percentual de 50% e 70%. Empregados com remuneração igual ou inferior à R$ 2.090,00 (que trabalham em empresas com receita bruta no ano-calendário de 2019 superior a R$ 4.8 milhões); remuneração igual ou inferior a R$ 3.135,00 (que trabalham em empresas com receita bruta no ano-calendário de 2019 igual ou inferior a R$ 4.8 milhões); e empregados com diploma de nível superior, com remuneração maior que R$ 12.202,12.

O acordo individual também poderá ser realizado com todos os empregados cuja suspensão contratual, ou a redução proporcional de jornada de trabalho e de salário, não resultar na diminuição do valor total recebido mensalmente pelo empregado, incluídos neste valor o (i) salário; (ii) o Benefício Emergencial pago pelo Governo; e (iii) a ajuda compensatória mensal.Para os demais empregados, os acordos deverão ser realizados com a participação do Sindicato de classe, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho.

A Lei 14.020/2020 trouxe, também, uma previsão expressa de que os atos necessários à pactuação dos acordos individuais poderão ser realizados por meios eletrônicos eficazes, além de quaisquer meios físicos, como a realizada por e-mail ou pelo aplicativo “WhatsApp”. Para tanto, a comunicação eletrônica tem que ser eficaz, ou seja, com idônea anuência do empregado.

(III) Acordo coletivo durante a vigência do acordo individual.

Na hipótese de ser firmado acordo ou convenção coletiva de trabalho na vigência do acordo individual, as novas regras deverão ser aplicadas, desde que sejam mais favoráveis ao empregado, do contrário, prevalecerá o acordo individual.

Vale esclarecer que, no período anterior ao acordo ou convenção coletiva, valem as regras do acordo individual.

(IV) Possibilidade de acordo individual com empregados aposentados.

A Portaria nº 10.486/2020 do Ministério da Economia havia criado uma polêmica ao vedar expressamente o acordo individual (de redução ou de suspensão contratual) com empregados aposentados.

Agora, o empregador poderá realizar o acordo individual com essa classe de empregados, desde que: (i) estejam enquadrados nas hipóteses que autorizam essa modalidade de acordo; e (ii) garanta uma ajuda compensatória no valor do Benefício Emergencial que o trabalhador teria direito se não fosse aposentado.

No caso de suspensão contratual, a ajuda compensatória devida pelo empregador que tenha auferido receita bruta superior a R$ 4.8 milhões no ano-calendário de 2019, será correspondente ao valor que o empregado teria direito à título do Benefício Emergencial acrescido de, no mínimo, 30% de seu salário.

(V) Cancelamento do aviso prévio em curso por acordo.

Não houve grande novidade sobre o tema, pois a legislação trabalhista tem previsão expressa sobre o cancelamento do aviso prévio em curso no artigo 489 da CLT:

Art. 489 – Dado o aviso prévio, a rescisão torna-se efetiva depois de expirado o respectivo prazo, mas, se a parte notificante reconsiderar o ato, antes de seu termo, à outra parte é facultado aceitar ou não a reconsideração.
Parágrafo único – Caso seja aceita a reconsideração ou continuando a prestação depois de expirado o prazo, o contrato continuará a vigorar, como se o aviso prévio não tivesse sido dado.

De toda forma, o objetivo da lei é, com as novas regras (de suspensão e de redução salarial), diminuir o número de demissões.

(VI) Regras aplicáveis à empregada gestante.

A Lei 14.020/2020 dispõe expressamente sobre a possibilidade de realizar acordo, individual ou coletivo, para suspensão contratual e redução proporcional da jornada de trabalho e salário, com a empregada gestante.

As disposições também são válidas para o(a) empregado(a) que adotar ou obtiver guarda judicial para fins de adoção.

Os critérios para a realização dos acordos são os mesmos aplicáveis aos demais empregados, contudo, quando ocorrer o fato gerador do salário maternidade (parto ou adoção), o empregador deverá interromper o acordo e comunicar o Ministério da Economia para cessar o pagamento do Benefício Emergencial.

A garantia provisória de emprego em razão do acordo realizado será, nesse caso, contada após o término da estabilidade gravídica prevista do artigo 10, inciso II, alínea “b” do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, qual seja, de até cinco meses após o parto.

(VII) Indenização por dispensa no período da garantia de emprego.

Restou mantida a garantia provisória de emprego durante o período de vigência do acordo, individual ou coletivo e, por igual período, após o restabelecimento do contrato de trabalho.

No caso de a dispensa ser realizada no curso da garantia provisória, o empregador terá que pagar, além das verbas rescisórias, uma indenização sobre o período estabilitário com as seguintes proporções:

INDENIZAÇÃO ACORDO (INDIVIDUAL OU COLETIVO)
50% do salário que o empregado teria direito durante a garantia. Redução proporcional de jornada e salário em percentual maior que 25% e menor que 50%.
75% do salário que o empregado teria direito durante a garantia. Redução proporcional de jornada e salário em percentual igual ou maior que 50% e menor que 70%.
100% do salário que o empregado teria direito durante a garantia. Suspensão contratual ou redução proporcional de jornada e salário em percentual igual ou maior que 70%.

(VIII) Proibição de dispensa do empregado com deficiência.Salvo nas hipóteses de justa causa, os empregadores não poderão dispensar os empregados portadores de deficiência durante o estado de calamidade pública. Referida proteção não guarda relação com as medidas de suspensão do contrato de trabalho e de redução proporcional de jornada de trabalho e salário.

(IX) Factum Principis.

Após muita discussão sobre o tema, o artigo 29 da nova Lei vedou expressamente a aplicação do artigo 486 da CLT, hipótese do Factum Principis, nos casos de paralisação por medidas de enfrentamento da calamidade pública.

Em outras palavras, a norma afasta a responsabilidade do Poder Público pelo pagamento de indenização decorrente da rescisão contratual pela inviabilidade da atividade empresarial por atos unilaterais de autoridade municipal, estadual ou federal, para o enfrentamento do estado de calamidade pública decorrente da Covid-19.

Por fim, vale esclarecer que os acordos, individuais ou coletivos, realizados na vigência da MP 936 serão por ela regidos, não sendo necessário ajustá-los aos parâmetros da Lei 14.020/2020.

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