STJ afasta Código do Consumidor e manda aplicar Lei de Alienação Fiduciária

30/10/2020

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Como já abordamos aqui, os Tribunais brasileiros têm dado interpretações distintas em julgamentos relacionados a resolução de contrato de venda e compra celebrado com alienação fiduciária em garantia, ora aplicando o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8078/90), ora a Lei de Alienação Fiduciária (Lei 9.514/97).

Em recente acórdão relatado pelo Ministro Paulo de Tarso Sanseverino (Recurso Especial nº 1.867.209 – SP), a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, entendeu ser aplicável a Lei de Alienação Fiduciária (“LAF”) em ação de resolução de contrato de venda e compra celebrado com alienação fiduciária em garantia, em detrimento do Código de Defesa do Consumidor (“CDC”) e, por consequência, do que dispõe a Lei do Distrato (Lei 13.786/2018).

No caso julgado, o adquirente do imóvel, alegando dificuldades para arcar com o pagamento do saldo devedor, ajuizou ação requerendo a resolução do contrato de venda e compra com alienação fiduciária em garantia, com a devolução dos valores pagos mediante retenção de 10% (dez por cento) pela vendedora, aplicando-se o artigo 53 do CDC[1].

O STJ, revertendo a decisão que havia sido proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, entendeu que o adquirente, ao manifestar sua contrariedade em manter o contrato celebrado entre as partes, tornou-se inadimplente perante o credor fiduciário, sendo aplicável, portanto, o procedimento previsto nos artigos 26 e 27 da LAF.

Como bem explicou o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino em seu voto:

“O procedimento disciplinado nos referidos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/97 – não descuro –, trata, claramente, do inadimplemento do adquirente (devedor fiduciante). O inadimplemento é, assim, pressuposto para a consolidação da propriedade na pessoa do credor fiduciário e submissão do bem à venda mediante leilão.

Mas o inadimplemento aqui não pode ser interpretado restritivamente ao mero inadimplemento das prestações, ou, em outras palavras, à não realização do pagamento no tempo, modo e lugar convencionados (mora).

Deve ele ser entendido, também, como o comportamento que se mostra contrário à manutenção do contrato ou ao direito do credor fiduciário, aí incluindo-se a pretensão declarada do adquirente de resolver o negócio que se vê respaldado pela alienação fiduciária em garantia, postulando ao Judiciário a suspensão da exigibilidade das prestações a que vinculado.

A figura bem se compatibiliza com o instituto da quebra antecipada (ou antecipatory breach na common law), segundo o qual há inadimplemento, mesmo antes do vencimento, quando o devedor pratica atos abertamente contrários ao cumprimento do contrato, como a pretensão de resolução da avença.

(…)

Na especial conformação do contrato de compra e venda celebrado, em que presente alienação fiduciária em garantia, há de ser acatada a possibilidade de resolução do contrato pelo desinteresse do adquirente em permanecer com o bem, mas a devolução dos valores pagos pelo autor não se dará na forma do art. 53 do CDC, em que, ressarcidas as despesas do vendedor mediante a retenção de parte do pagamento, devolve-se o restante ao adquirente.

A devolução dos valores pagos deverá observar o procedimento estabelecido nos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/97, pelo qual, resolvido o contrato de compra e venda, consolida-se a propriedade na pessoa do credor fiduciário, para, então, submeter-se o bem a leilão, na forma dos §§1º e 2º do art. 27, satisfazendo-se o débito do devedor demandante ainda inadimplido e solvendo-se as demais dívidas relativas ao imóvel, para devolver-se o que sobejar ao adquirente, se sobejar.

Assim, em resumo, a formulação pelo adquirente de pedido de resolução do contrato de compra e venda com pacto de alienação fiduciária em garantia sem a imputação de culpa ao vendedor, mas por conveniência do adquirente, representa quebra antecipada do contrato e, assim, satisfaz o requisito para a incidência dos arts. 26 e 27 da Lei 9.514/97.

Resolvido o contrato, a devolução dos valores adimplidos pelo adquirente deverá observar o quanto disposto no §4º do art. 27 da Lei 9.514/97, segundo o qual, uma vez exitoso o 1º ou o 2º leilão, “o credor entregará ao devedor a importância que sobejar, considerando-se nela compreendido o valor da indenização de benfeitorias, depois de deduzidos os valores da dívida e das despesas e encargos de que tratam os §§ 2º e 3º, fato esse que importará em recíproca quitação (…)”.” (grifamos)

Com esse recente julgamento pelo STJ espera-se que, enfim, a questão seja pacificada pelos Tribunais, e a LAF seja aplicada aos pedidos de resolução de contrato celebrados com alienação fiduciária em garantia, considerando que a lei especial disciplina o procedimento de extinção do contrato de alienação fiduciária de bens imóveis e estatui, claramente, que a restituição de valores ao devedor subordina-se ao resultado do leilão do imóvel objeto da garantia, pelo saldo que sobejar, devendo ser afastada a regra geral consumerista.


[1] “Art. 53. Nos contratos de compra e venda de móveis ou imóveis mediante pagamento em prestações, bem como nas alienações fiduciárias em garantia, consideram-se nulas de pleno direito as cláusulas que estabeleçam a perda total das prestações pagas em benefício do credor que, em razão do inadimplemento, pleitear a resolução do contrato e a retomada do produto alienado.”

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