STF: bem de família e fiança na locação comercial

09/03/2021

Por Alice Mendes de Carvalho

Recente entendimento esposado pela Ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), no julgamento do Recurso Extraordinário nº 1.296.835, concluiu que o bem de família de fiador em contrato de locação é penhorável, exceto em caso de contrato de locação comercial.

Ao reverter decisão do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), que determinara a penhora de residência ofertada como garantia em uma locação de imóvel comercial, a Relatora aplicou a técnica do distinguishing, emprestada do regime da Common Law, com respeito ao Tema 295 da repercussão geral, ao destacar que, embora o STF tivesse anteriormente reconhecido ser constitucional a penhora do bem de família do fiador em contrato de locação (o referido Tema 295 da repercussão geral), o mesmo entendimento não deveria ser aplicado no caso de imóveis comerciais, fundamentando seu voto em decisões anteriores da Corte (RE nº 1.287.488, RE nº 1.277.481, RE nº 605.709 e RE nº 1.242.616).

Entre as diversas decisões citadas, destaca-se o voto exarado pela Ministra Rosa Weber, no julgamento do RE nº 605.709:

“Não se vislumbra justificativa para que o devedor principal, afiançado, goze de situação mais benéfica do que a conferida ao fiador, sobretudo porque tal disparidade de tratamento, ao contrário do que se verifica na locação de imóvel residencial, não se presta à promoção do próprio direito de moradia”.

Em linhas gerais, o que se entendeu foi que, em consonância com o princípio da isonomia, não faz sentido que o devedor principal resguarde seu imóvel caracterizado como bem de família, enquanto o fiador que, por regra, é pessoa que se presta a ajudar outra, suporte o ônus de ver sua moradia sendo penhorada por razões não-econômicas. Ou seja, a penhorabilidade do bem de família do fiador, quando a fiança houver sido prestada em contrato de locação residencial, na forma do disposto no artigo 3º, inciso VII, da Lei nº 8.009/90 [1], é justificável sob o prisma constitucional, porque configura medida de proteção ao próprio direito à moradia dos locatários, o que inexiste no caso de fiança prestada em contrato de locação comercial.

A competência do STF para análise da matéria decorre diretamente da Emenda Constitucional 26/00, que incluiu a moradia entre os direitos sociais, no artigo 6º. da Constituição Federal [2].

Atualmente, impossível não perceber-se a formação de uma jurisprudência no STF favorável ao reconhecimento da inadequação da penhora do bem de família do fiador quando a fiança houver sido prestada em contrato de locação de imóvel comercial.

O tema não está definitivamente julgado, e no Recurso Extraordinário nº 1.307.334/SP, Relator o Ministro Luiz Fux, iniciou-se a análise da repercussão geral da questão (penhorabilidade de bem de família do fiador de contrato de locação de imóvel comercial). Com isso, na prática, muitos processos deverão ser suspensos nas cortes de origem, até que o STF decida a repercussão geral e, caso reconhecida, enfrente o mérito da questão em caráter definitivo.

Como podemos esperar alguns anos até que tudo isso ocorra, fica o alerta para o mercado imobiliário quanto a necessidade de adoção de diferentes mecanismos de garantia que assegurem o cumprimento dos contratos.

 

[1] Art. 3º, Lei nº 8.009/90. “A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido: (…) VII – por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação;”

[2] Posteriormente, pelas emendas 64/10 e 90/15, foram acrescentados o direito à alimentação e ao transporte, respectivamente, de forma que a atual redação do artigo 6º. da Constituição Federal é a seguinte: Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

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