Embora criterioso, STJ permite penhorar a pequena propriedade rural

28/04/2021

Por Henrique Velloso Papis

A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça recentemente apreciou o Recurso Especial nº 1.843.846/MG, que visou definir qual das partes tem o ônus de provar que determinado bem não pode ser penhorado por ser pequena propriedade rural trabalhada pela família do devedor, nos termos do art. 833, VIII, do Código de Processo Civil de 2015, assim como para definir como essa regra deve ser aplicada caso o devedor seja proprietário de dois ou mais imóveis.

Para solucionarem as controvérsias, os Ministros julgadores inicialmente elucidaram qual foi a intenção do legislador que criou a norma de proteção da pequena propriedade rural: para além de respeitar o seu direito à moradia, o legislador quis garantir o livre exercício de atividade em imóvel próprio, que viabilize a subsistência própria do devedor e de sua família. Os Ministros extraíram essa interpretação do Código de Processo Civil de 1939, da Constituição da República de 1988 e, também, do Código de Processo Civil de 2015.

Entretanto, verificaram que a proteção legislativa não é absoluta, de modo a permitir que o devedor possa se valer da regra de impenhorabilidade para tomar diversos créditos na praça e inadimpli-los irrestritamente. No limite, caso assim fosse, essa hipótese concederia autorização para que o devedor enriquecesse ilicitamente, às custas de terceiros. Esses terceiros, por outro lado, estariam de mãos atadas para realizar a alienação forçada da pequena propriedade rural e, assim, satisfazerem os seus créditos inadimplidos.

Por isso, o STJ esclareceu que a regra de impenhorabilidade pode ser flexibilizada se houver o preenchimento de dois requisitos.

O primeiro estipula que o devedor – e não o credor – deve provar que o bem penhorado, além de ser efetivamente trabalhado para oferecer subsistência para ele e para a sua família, corresponde a pequena propriedade rural. Para isso, deverá demonstrar que o tamanho do bem é de até 4 módulos fiscais, assim definidos pelo município em que se encontrar, ainda que composto por uma ou diversas matrículas.

Já o segundo requisito determina que, se o devedor for titular de dois ou mais imóveis rurais, não contínuos e explorados pela família do devedor, pode-se proteger uma das propriedades e autorizar que a(s) demais sirva(m) à satisfação do crédito exequendo, ainda que as áreas de todos os imóveis somadas sejam de até quatro módulos fiscais. A Corte Superior também autorizou haver a eventual substituição do bem penhorado por outro igualmente eficaz, mas menos oneroso ao executado, para que se respeite o princípio da menor onerosidade da execução.

Adicionalmente, o STJ também diferenciou a causa que justifica a desnecessidade de comprovação da alegação de que um bem é impenhorável por ser de família, mas que demanda a comprovação cabal da alegação de que outro bem configura pequena propriedade rural. Ainda que ambas as proteções decorram do mesmo princípio da dignidade humana, explicou-se que a proteção referente ao bem de família tutela o direito à moradia, enquanto a proteção referente à pequena propriedade rural assegura o patrimônio mínimo necessário à sobrevivência da família do devedor. Desta forma, é a circunstância de protegerem bens jurídicos diferentes que explica a aplicação de regimes jurídicos diferentes para cada caso.

Por fim, a Corte Superior também destacou que a regra da impenhorabilidade não é influenciada (i) pela origem da dívida, isto é, se cobrada por débito decorrente da atividade produtiva realizada na pequena propriedade rural do devedor, (ii) pelo fato de o imóvel ser usado como moradia do executado e de sua família – afinal de contas, a finalidade da proteção em questão é garantir que a área rural seja usada para oferecer subsistência, e não moradia, para o que existe o instituto do bem de família –, ou (iii) por eventual hipoteca da pequena propriedade rural em questão, constituída pelo seu proprietário e devedor.

Neste contexto, chega-se à conclusão de que o STJ tomou decisão relevante, focada em garantir os direitos fundamentais do devedor sem prejudicar os interesses do credor. Desta forma, o credor não estará impedido de satisfazer o seu crédito se o devedor meramente alegar ser dono de pequena propriedade rural. Isso apenas ocorrerá se o devedor demonstrar cabalmente o preenchimento dos requisitos estipulados no Recurso Especial nº 1.843.846/MG, para que lhe seja concedida a tutela da regra de impenhorabilidade de maneira justa.

Veja aqui o acórdão na íntegra.

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