Inesperada alta do IGPM não presume desequilíbrio contratual

21/06/2021

Por Teixeira Fortes Advogados Associados

Não é novidade que a pandemia que o mundo vem vivenciando há mais de um ano afetou diretamente as relações comerciais. Todas as pessoas, físicas ou jurídicas, direta ou indiretamente, foram afetadas com a inesperada movimentação no cotidiano, e parte da comunidade jurídica considera o evento pandêmico como o primeiro caso fortuito de âmbito mundial na história da sociedade moderna.

Diante desse cenário, o Judiciário foi assoberbado com diversas ações visando discutir a possibilidade de revisão de contratos, baseadas no fato de que a pandemia teria, inesperadamente, alterado drasticamente a realidade do mercado.

As pretensões revisionais levadas ao Judiciário, em regra, têm como objeto o pedido um provimento judicial no intuito de reequilibrar relações contratuais que já existiam antes da pandemia e que até então eram consideradas estáveis.

O mercado imobiliário, por óbvio, não fugiu à regra e, de súbito, as empresas viram-se diante de diversas ações contra si movidas por promissários compradores no intuito de se rediscutir os índices de atualização contratual previstos nos instrumentos de promessa de venda e compra.

A praxe do mercado imobiliário, sobretudo nos contratos dessa natureza, é de que o valor devido seja reajustado anualmente tendo por base o IGP-M/FGV.

A atualização nesses moldes é da praxe do mercado, e respaldada por farta jurisprudência que entende, pacificamente, que não existe qualquer ilegalidade, seja na atualização anual do valor devido, seja na escolha deste indexador em específico.

Como amplamente noticiado, o IGP-M alcançou uma alta não necessariamente inesperada, porém, diga-se, fora da curva dos últimos anos, o que inevitavelmente causou certo estarrecimento nos promissários compradores.

As demandas ajuizadas em face dos promitentes vendedores não têm obtido êxito no Judiciário que, embora compreendendo que a crise sanitária seja de fato um evento inesperado, não respalda alteração tão brusca, como pode ser verificado em decisões de tutela de urgência proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em que, após interposição de agravos de instrumentos pelo Teixeira Fortes[1], entendeu que a alteração de contrato baseado neste argumento não se sustenta.

Ratificando a tese recursal os Magistrados entendem que a regra legal é que os contratos fazem lei entre as partes e que uma modificação do pactuado entre particulares deve se dar por via de exceção e não de forma tão simplista, de modo que não tolerável haver decisão liminar nesse sentido.

Esse entendimento, que já vem respaldado por jurisprudência anterior, demonstra que a existência de um evento imprevisto não pode gerar automática modificação do pactuado, sob o risco, inclusive, de incentivo ao descumprimento.

A razão da acertada decisão do Tribunal é facilmente verificada ao apurar os preços não apenas na ótica do comprador, como também do promitente vendedor.

Embora incontestável ter havido alta do IGP-M, o que também incontestavelmente gerou aumento do valor do imóvel objeto do contrato, de outro lado a construção civil tem se deparado também com um constante aumento de preço dos insumos necessários à sua atividade, de modo que é possível verificar até mesmo uma alta de 200% (duzentos por cento) em certos insumos.

Assim, vê-se com bons olhos as decisões proferidas pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, pois visivelmente compreendeu que um contrato só se torna excessivamente oneroso quando o fenômeno atinge apenas uma das partes, de forma que a outra se beneficie demasiadamente desta onerosidade, enriquecendo-se desproporcionalmente.

Não é, portanto, o fenômeno que se verifica nos contratos relacionados à venda e compra de imóveis.

Nestes contratos, então, se o Judiciário encampasse tão invasiva alteração do pactuado, estaria também interferindo na possibilidade de entrega de obras e cumprimento de orçamentos expressamente determinados no contrato.

De bom tom, então, que o Judiciário permaneça atento à liberdade de pactuar existente entre particulares, como vem fazendo.

 

[1] Agravos de Instrumento 2120875-33.2021.8.26.0000; 2120880-55.2021.8.26.0000

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