STJ confirma validade da cláusula de coobrigação em contratos de cessão

06/07/2021

Por Marsella Medeiros Bernardes

Em recente decisão proferida pelo Superior Tribunal de Justiça (Recurso Especial nº 1.909.459/SC), foi confirmada a validade da cláusula inserida em contratos de cessão de crédito celebrados com Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDCs”) para prever a coobrigação do cedente pela solvência do devedor de títulos cedidos.

Via de regra, os contratos de cessão de crédito celebrados com FIDCs estipulam a responsabilização do cedente pelo pagamento do direito creditório em caso de inadimplência dos devedores, ainda que não tenha ocorrido nenhuma hipótese de vício de origem. Trata-se da previsão de cessão de crédito pro solvendo, amparada tanto pelo Código Civil, quanto pela Instrução Normativa nº 356, de 17 de dezembro de 2001, editada pela Comissão de Valores Mobiliários.

A validade dessa cláusula, entretanto, tem sido objeto de frequentes questionamentos dos coobrigados perante o Judiciário, recentemente superados.

Em maio de 2021, o Superior Tribunal de Justiça acolheu a tese de validade da previsão contratual de cessão de crédito pro solvendo, conforme decisão proferida pela 3ª Turma por ocasião do julgamento do citado Recurso Especial (REsp nº 1.909.459/SC):

“CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS. CESSÃO DE CRÉDITO PRO SOLVENDO. CLÁUSULA CONTRATUAL QUE ESTIPULA A RESPONSABILIDADE DO CEDENTE PELA SOLVÊNCIA DO DEVEDOR. VALIDADE.
1. Embargos à execução opostos em 12/07/2016, dos quais foi extraído o presente recurso especial interposto em 10/01/2019 e atribuído ao gabinete em 02/12/2020.
2. O propósito recursal é dizer sobre a validade da cláusula contratual inserida em contrato de cessão de crédito celebrado com um FIDC que consagra a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor.
3. Os FIDCS são regulamentados pela Comissão de Valores Imobiliários (CVM), que editou a Instrução Normativa 356/2001, e são constituídos sob a forma de condomínios abertos ou fechados (art. 3º, I, da IN 356/2001 da CVM), sem personalidade jurídica. Eles atuam no mercado de capitais e são utilizados para a captação de recursos. As empresas de factoring, por sua vez, são sociedades empresárias que não exercem qualquer interferência no mercado financeiro.
4. A aquisição de direitos creditórios pelos FIDCs pode se dar de duas formas: por meio (i) de cessão civil de crédito, em conformidade às normas consagradas no Código Civil; ou (ii) de endosso, ato típico do regime cambial.
5. O art. 2º, XV, da IN CVM 356/2001 prevê expressamente o conceito de coobrigação. É certo que tal previsão foi incluída na normativa com a finalidade de referendar a higidez da cláusula constante de contrato de cessão de crédito convencionado com um FIDC, por meio da qual o cedente garante a solvência do devedor. Não só, não há, no ordenamento jurídico brasileiro, previsão legal que vede os FIDCs de estipular a responsabilidade do cedente pelo pagamento do débito em caso de inadimplemento do devedor e, segundo dispõe o art. 296 do CC/02, o cedente ficará incumbido do pagamento da dívida se houver previsão contratual nesse sentido.
6. É válida, assim, a cláusula contratual por meio da qual o cedente garante a solvência do devedor originário.
7. Recurso especial conhecido e provido”.

A relatora do referido recurso, Ministra Nancy Andrighi, ao discorrer sobre as razões de validade da cláusula que prevê a coobrigação do cedente, destacou em seu voto que:

“(…) Como visto, os FIDCs são disciplinados pela IN 356/2001 da CVM. O seu art. 2º, XV, traz o conceito de coobrigação, nos termos a seguir:
XV – coobrigação: é a obrigação contratual ou qualquer outra forma de retenção substancial dos riscos de crédito do ativo adquirido pelo fundo assumida pelo cedente ou terceiro, em que riscos de exposição à variação do fluxo de caixa do ativo permaneçam com o cedente ou terceiro.
É certo que tal previsão foi incluída na normativa com a finalidade de referendar a higidez da cláusula constante de contrato de cessão de crédito convencionado com um FIDC que estabeleça a responsabilidade do cedente pela solvência do devedor.
Em outras palavras, seria um contrassenso concluir pela invalidade dessa espécie de disposição contratual quando a própria entidade responsável pela regulamentação e fiscalização dos FIDCs fez constar expressamente da normativa que os regulamenta o conceito acima colacionado.
Ainda que tal previsão inexistisse, a conclusão permaneceria inalterada, pelos seguintes motivos: (i) não há, no ordenamento jurídico brasileiro, previsão legal que vede os Fundos de Investimento em Direitos Creditórios de estipular a responsabilidade do cedente pelo pagamento do débito em caso de inadimplemento do devedor, e (ii) o art. 296 do CC/02 preceitua que “salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor”. Ou seja, o cedente apenas ficará incumbido do pagamento da dívida se houver previsão contratual”.

A tese recentemente acolhida pelo STJ referendou idêntico entendimento fixado por aquela Corte quando do julgamento do Recurso Especial nº 1.726.161/SP, que contou com a participação da Associação Nacional dos Participantes em Fundos de Investimento em Direitos Creditórios, Multicedentes e Multissacados – ANFIDC; Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais – ANBIMA; Comissão de Valores Mobiliários – CVM; e outros, na condição de amicus curiae.

Assim, para todos os efeitos, nos termos do entendimento fixado pelo STJ e das previsões da IN CVM nº 356 e da lei civil, é absolutamente válida e eficaz a cláusula que prevê a coobrigação do cedente (ou o direito de regresso) pelo pagamento de créditos inadimplidos pelos devedores em operações de cessão de crédito realizadas com FIDCs – o que, sem sombra de dúvidas, confere ainda mais segurança aos investidores de fundos de recebíveis.

Compartilhe

Vistos, etc.

Newsletter do
Teixeira Fortes Advogados

Vistos, etc.

O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.