Redução de aluguel na pandemia depende de prova do prejuízo do locatário

16/08/2021

Por Orlando Quintino Martins Neto

É certo que a pandemia da Covid-19 impactou de diferentes formas vários setores da economia. Além das consequências nefastas causadas à população na área da saúde, a pandemia trouxe também importantes impactos nas relações contratuais, e aqui queremos nos ater aos contratos de locação.

Em pouquíssimo tempo, depois da declaração de pandemia pela Organização Mundial da Saúde, ocorrida em março/2020, mostraram-se presentes os primeiros efeitos econômicos negativos ao país em decorrência do fechamento de lojas, bares, restaurantes, shoppings e hotéis. Com isso, o segmento das locações, consequentemente, foi diretamente afetado, diante das inúmeras solicitações para renegociação dos respectivos contratos.

O cenário incerto daquele momento contribuiu para que muitas negociações não gerassem um resultado prático eficaz, capaz de atender razoavelmente as partes envolvidas, o que, em consequência, ocasionou a propositura de demandas judiciais pelos locatários para revisão dos contratos, visando a redução ou suspensão dos aluguéis.

No primeiro momento, diante das medidas restritivas impostas pelo Estado, algumas decisões judiciais proferidas em caráter liminar favoreceram locatários, considerados parte hipossuficiente na relação locatícia.

Tais decisões liminares foram proferidas com base na antiga “Teoria da Imprevisão”. Essa tese possibilita o desfazimento ou a revisão de um dado contrato em razão da ocorrência de eventos imprevisíveis e extraordinários – no caso, a pandemia –, que tornem a prestação de uma das partes excessivamente onerosa (Código Civil, artigos 478, 479 e 480).

Contudo, com o passar do tempo os Tribunais passaram a adotar uma postura mais cautelosa, realizando uma análise mais acurada do real impacto provocado pela pandemia sobre a capacidade econômico-financeira das partes.

Diante disso, em pedidos de redução de aluguéis, concessão de descontos ou mesmo substituição do índice de reajuste dos contratos de locação, atualmente há tanto decisões favoráveis quanto contrárias aos locatários. O critério adotado pelos Tribunais – acertadamente, em nossa opinião –, é a análise rigorosa de cada caso concreto.

No que se refere especificamente ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, a questão essencial, normalmente analisada, diz com a prova concreta do desequilíbrio contratual e redução da capacidade econômico-financeira do locatário.

Caso esse requisito não se verifique, tem prevalecido o entendimento de que não há razões para o judiciário interferir na autonomia das partes e suspender ou reduzir os valores dos aluguéis.

Nesse sentido, vale destacar um trecho do voto do Desembargador Luiz Guilherme da Costa Wagner, integrante da 34ª Câmara de Direito Privado do TJSP, citado acórdão que julgou, recentemente (em 28/07/2021), o recurso de apelação nº 1030398-52.2020.8.26.0602:

“É certo que as consequências financeiras da pandemia da COVID-19 serão graves e a todos atingirá indistintamente. Estabelecimentos comerciais fechados, por óbvio, terão seu faturamento reduzido.

Prestadores de serviços, impedidos do exercício de suas funções, experimentarão queda de recebimentos. O Estado diminuirá a sua arrecadação ante a dificuldade das pessoas de pagar os impostos. O cenário é alarmante, exigindo muita cautela e parcimônia do Poder Judiciário.

Dentro do contexto acima apontado, é inegável que as relações jurídicas travadas entre particulares igualmente sofrerão abalo. Não podemos perder de mente, porém, que existe uma grande cadeia produtiva formada pelos integrantes da sociedade, de forma que o desarranjo de um setor pode comprometer o todo.

(…)

Todos estamos interligados. Ao se conceder um benefício para uma ponta desta cadeia produtiva, se a questão não foi muito bem analisada e valorada, pode-se estar causando grande estrago para a outra ponta.

O momento é difícil e não há soluções mágicas.

A sociedade precisará entender que cada relação jurídica privada deverá, por primeiro, ser objeto de análise e discussão individual entre os partícipes do contrato.”

O referido acórdão ficou assim ementado:

“Apelação. Locação comercial. Ação de rescisão contratual c./c. pedido de consignação de chaves e de valores devidos com tutela antecipada de urgência. Sentença de parcial procedência da ação. Irresignação das locatárias Autoras que não se sustenta. Rescisão antecipada do contrato. Impossibilidade de afastamento da multa contratual livremente pactuada entre as partes. Locatárias que não lograram êxito em demonstrar comprometimento em suas finanças em decorrência da pandemia por COVID-19, a justificar a intervenção judicial na relação entre particulares sob a alegação de onerosidade excessiva. Intervenção que tem o caráter excepcionalíssimo, sob pena de violação aos princípios ‘pacta sunt servanda’ e da autonomia da vontade. Multa contratual compensatória devida. Ausência de situação de extrema vantagem para os locadores, que também foram afetados pela pandemia. Locatárias que não se desincumbiram do ônus que lhes competia de comprovar que houve recusa dos locadores em receber as chaves do imóvel. Deve ser considerado como termo final da locação a data do depósito das chaves em cartório. Sucumbência corretamente reconhecida. Sentença mantida. Honorários majorados. RECURSO DESPROVIDO.”

A 33ª Câmara de Direito Privado do TJSP, por sua vez, ao julgar o recurso de apelação nº 1023541-07.2020.8.26.0564, em 01/06/2021, já havia expressado esse mesmo entendimento em acórdão assim ementado:

“Locação de imóvel. Ação declaratória. Pedido de suspensão ou revisão dos aluguéis. Existência de débitos anteriores. Concessão de descontos. Ausência de elementos hábeis a comprovar a existência de onerosidade excessiva do contrato. Sentença reformada. Recurso provido.”

Esse posicionamento vem sendo reiterado por outras Câmaras do TJSP, como, por exemplo, no processo nº 1005033-24.2020.8.26.0625, julgado em 02/03/2021, pela 35ª Câmara; no processo nº 1023541-07.2020.8.26.0564, julgado em 26/05/2021, pela 30ª Câmara; e no processo nº 1027000-97.2020.8.26.0602, julgado em 05/08/2021 pela 36ª Câmara.

Ou seja, em linhas gerais, é correto afirmar que a jurisprudência atual – mormente a do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo –, antes de flexibilizar quaisquer regras anteriormente ajustadas pelas partes em pacto sinalagmático, vem analisando cada caso concreto e o real impacto causado pela pandemia na esfera econômico-financeira dos locatários.

Importante ressaltar que, por conta de o tema ser relativamente recente, sobre ele ainda não há um pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça.

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