A “Lei do Superendividamento” e as obrigações do fornecedor

30/08/2021

Por Alice Mendes de Carvalho

No dia 02 de julho de 2021 entrou em vigor a Lei 14.181/21, conhecida como Lei do Superendividamento, cujo objetivo é a prevenção e tratamento especial ao superendividamento de Pessoas Físicas, compreendido como “a impossibilidade manifesta de o consumidor pessoa natural, de boa-fé, pagar a totalidade de suas dívidas de consumo, exigíveis e vincendas, sem comprometer seu mínimo existencial, nos termos da regulamentação” [1].

Dentre as inovações trazidas pela nova lei, as obrigações estabelecidas no Código de Defesa do Consumidor merecem uma especial atenção das empresas, a fim de que estas adequem suas práticas comerciais, evitando que eventuais desconformidades acabem numa disputa judicial.

Primordialmente, o art. 54-B dispõe que, no ato da oferta de fornecimento de crédito e de venda a prazo, o fornecedor deverá informar ao consumidor, com exatidão, o custo efetivo total, o número de prestações e seu respectivo montante, o prazo de validade da oferta que deverá ser de, no mínimo, dois dias, as taxas de juros e demais encargos que incidirão ou que vierem a incidir em caso de inadimplemento, bem como cientificar o consumidor de seu direito de liquidar antecipadamente o débito sem nenhum ônus.

Ademais, para garantir maior transparência na oferta do crédito, o fornecedor fica expressamente proibido de “assediar ou pressionar o consumidor para contratar o fornecimento de produto, serviço ou crédito, principalmente se se tratar de consumidor idoso, analfabeto, doente ou em estado de vulnerabilidade agravada ou se a contratação envolver prêmio;[2], bem como de “indicar que a operação de crédito poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor”[3], além disso, também foi vedado ao fornecedor “ocultar ou dificultar a compreensão sobre os ônus e os riscos da contratação do crédito ou da venda a prazo”[4] e “condicionar o atendimento de pretensões do consumidor ou o início de tratativas à renúncia ou à desistência de demandas judiciais, ao pagamento de honorários advocatícios ou a depósitos judiciais.”[5]

Já o art. 54-D estabeleceu que, previamente à contratação, o fornecedor deverá informar e esclarecer adequadamente o consumidor sobre a natureza e a modalidade do crédito oferecido, sobre todos os custos incidentes e sobre as consequências genéricas e específicas do inadimplemento, além de avaliar as condições de crédito do consumidor, mediante análise das informações disponíveis em bancos de dados de proteção ao crédito e informar a identidade do agente financiador e entregar ao consumidor a cópia do contrato de crédito.

O descumprimento de qualquer dessas novas obrigações “poderá acarretar judicialmente a redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo ao principal e a dilação do prazo de pagamento previsto no contrato original, conforme a gravidade da conduta do fornecedor e as possibilidades financeiras do consumidor, sem prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor”[6].

Além das obrigações supramencionadas, também merece especial atenção das empresas, o artigo 54-G do Código de Defesa do Consumidor, que passou a proibir o fornecedor de:

  1. realizar novas cobranças ou débitos em conta de qualquer quantia contestada pelo consumidor em compras realizadas com cartão de crédito ou similar, enquanto não solucionada a controvérsia, desde que notificada a administradora do cartão com antecedência;
  2. recusar-se a entregar cópia da minuta do contrato principal de consumo ou do contrato de crédito;
  3. dificultar, em caso de utilização fraudulenta do cartão de crédito ou similar, que o consumidor peça e obtenha, quando aplicável, a anulação ou o imediato bloqueio do pagamento.

Embora a nova lei procure trazer conforto aos consumidores, não representa necessariamente um incentivo à inadimplência, já que suas disposições exigem boa-fé do consumidor endividado, como bem adverte o § 3º do art. 54-A: “o disposto neste Capítulo não se aplica ao consumidor cujas dívidas tenham sido contraídas mediante fraude ou má-fé, sejam oriundas de contratos celebrados dolosamente com o propósito de não realizar o pagamento ou decorram da aquisição ou contratação de produtos e serviços de luxo de alto valor.”

De certa forma, é possível argumentar que, indiretamente, as empresas também serão beneficiadas, já que o novo diploma legal em tese possibilitará a estas reaverem seus respectivos créditos de forma mais célere, por meio de processo de repactuação de dívidas, grande novidade da lei do superendividamento que consiste em um instrumento legal que permitirá ao consumidor convocar seus credores para fazer a renegociação de suas dívidas, sem que haja a redução do débito principal.

Assim, caso o consumidor esteja envolvido em situação de superendividamento, a seu requerimento, o juiz poderá instaurar processo de repactuação de dívidas, com vistas à realização de audiência conciliatória, na qual o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de 5 (cinco) anos, preservados o seu mínimo existencial.

Caso os credores não compareçam à audiência e não apresentem justificativa para ausência, haverá suspensão da exigibilidade do débito, a interrupção dos encargos de mora e a as empresas terão sujeição compulsória, isto é, estarão obrigados a aceitar o plano de pagamento da dívida apresentado pelo consumidor.

Importa ressaltar ainda, que dentro dos ditames trazidos pela Lei, não podem fazer do processo de repactuação as dívidas com garantia real, como financiamento de veículo, imobiliários e os contratos de crédito rural, por serem bens que não são necessariamente exigíveis para manutenção de um mínimo existencial.

Em síntese, a lei do superendividamento tem como objetivo promover a composição e facilitar a conciliação entre credores e devedores, visando caminhos mais céleres e com soluções mais assertivas, especialmente traçadas em conjunto entre as partes. Neste passo, portanto, será imprescindível que o Poder Judiciário atue junto com os fornecedores na aplicação da nova lei, impossibilitando também sua utilização apenas como meio protelatório para cumprimento das obrigações assumidas pelos consumidores.

 

[1] Art. 54-A, §1º do Código de Defesa do Consumidor

[2] Art. 54-C, inciso IV do Código de Defesa do Consumidor

[3] Art. 54-C, inciso II do Código de Defesa do Consumidor

[4] Art. 54-C, inciso III do Código de Defesa do Consumidor

[5] Art. 54-C, inciso V do Código de Defesa do Consumidor

[6] Art. 54-D do Código de Defesa do Consumidor

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