A Constituição Federal permite que os entes políticos (União, Estados, DF e Municípios) instituam taxas em razão do exercício do poder de polícia (art. 145, inciso II). Esse poder compreende as atividades exercidas pelo Poder Público que tenham a finalidade de fiscalizar se as empresas estão cumprindo determinadas normas que dizem respeito, por exemplo, a direitos da coletividade, normas de higiene, segurança, publicidade, ocupação do solo, meio ambiente etc. (art. 78, CTN).
No âmbito municipal, a cobrança desse tipo de taxa é muito comum. Inúmeros municípios possuem leis estabelecendo taxas de fiscalização, localização ou de funcionamento. Os nomes podem variar conforme o município, mas a natureza é essencialmente a mesma. Por se tratar de uma cobrança bastante difundida, algumas prefeituras se aproveitam para cobrar taxas sem nenhum fundamento legal, ou que nitidamente afrontam a Constituição Federal. É preciso estar atento.
Um caso exemplar é a cobrança da Taxa de Fiscalização de Estabelecimentos (TFE) exigida no município de São Paulo, prevista na lei municipal nº 13.477/2002. O munícipio decidiu cobrar essa taxa anualmente, baseado na natureza da atividade desenvolvida pelo contribuinte como único critério para definir o valor a ser pago. Os valores podem variar de uma forma absurda, a depender apenas do ramo empresarial que o contribuinte desenvolve.
O critério adotado pelo município de São Paulo para cobrar a TFE tem levado muitos contribuintes a discutir a legalidade dessa cobrança na justiça. O que as empresas argumentam é que o custo da atividade estatal no exercício do seu poder de polícia, que deveria ser o fator relevante para o cálculo da taxa, não está vinculado à natureza empresarial da atividade desenvolvida.
Foi exatamente esse o entendimento adotado pela 14ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo em julgamento ocorrido em janeiro desse ano, no qual se reconheceu a inconstitucionalidade da base de cálculo da TFE exigida na capital do Estado:
“APELAÇÃO – EXECUÇÃO FISCAL – Acolhimento da objeção prévia de executividade – Taxa de Fiscalização de Estabelecimentos (…) TFE – Estação de Rádio Base – Período de 2016 a 2019 – Lei Municipal 13.477/2002 – Tributo exigido conforme a natureza da atividade – Inconstitucionalidade – Fiscalização – Poder de polícia – Base de cálculo que deve corresponder ao custo da função e não da atividade exercida no local – Precedentes do STF, STJ e TJSP.”[1]
O STF também já se posicionou contra esse aspecto da lei paulistana, por considerar que o critério utilizado para a cobrança não está vinculado ao custo efetivo do exercício do poder de polícia.[2]
Outro exemplo é a Taxa de Licença para Fiscalização, Instalação e Funcionamento de Atividades (TLIF) estabelecida no município de Barretos – SP. O critério usado pela Prefeitura de Barretos para definir o valor da TLIF é o mesmo usado pela Prefeitura de São Paulo, e pelas mesmas razões essa cobrança tem sido questionada judicialmente pelas empresas.
Ao se deparar com a cobrança da TLIF, uma empresa de Barretos do ramo agrícola, patrocinada pelo Teixeira Fortes, questionou no Judiciário o critério adotado pela prefeitura. O argumento foi que a cobrança da taxa deve estar vinculada ao custo da atividade estatal no exercício da fiscalização, fator que não pode ser medido com base na natureza da atividade desenvolvida.
Na sentença, o magistrado deu razão à empresa, reconhecendo que o Código Tributário Nacional não permite que uma taxa seja calculada em função da natureza da atividade[3]:
“O Código Tributário Nacional (art. 77, parágrafo único) proíbe que o valor do tributo seja calculado com base no capital social ou na atividade exercida. Assim, razão assiste ao excipiente ao alegar que o art. 21 da Lei Complementar Municipal nº. 98, de 23 de dezembro de 2008 afronta o Código Tributário Nacional e a Constituição Federal quando permite que a Taxa de Fiscalização de Estabelecimento seja calculada em função da atividade exercida pelo particular (natureza da atividade).”
Também no munícipio de Nova Odessa – SP, as empresas são obrigadas a pagar uma taxa denominada “Taxa de Licença para Publicidade” (TLP). Segundo a prefeitura local, o valor da TLP é definido de acordo com o tamanho do anúncio exposto pela empresa e o tempo que a publicidade permanece instalada. Quanto maior o método de publicidade adotado (como um outdoor, por exemplo) e o tempo de duração de sua exposição, maior é a taxa cobrada pela prefeitura.
As mesmas razões que afastaram a cobrança da TLIF em Barretos foram suscitadas por uma empresa do ramo publicitário para questionar na justiça a cobrança da TLP em Nova Odessa[4]. O que se alegou é que não há relação entre o tamanho de um anúncio publicitário ou o tempo em que ele fica instalado com o custo da atividade fiscalizatória exercida pelo Estado. Se não existe essa relação, não pode o município calcular uma taxa dessa natureza adotando esse critério, pois no final, o contribuinte pagará muito mais do que o estado gastará para “fiscalizar”.
Numa situação ainda mais bizarra, uma empresa do ramo imobiliário foi instada pelo município de Sorocaba a pagar uma taxa denominada “Taxa de Licença de Obra”. Procurando entender o que teria justificado a cobrança da aludida taxa, a empresa se surpreendeu ao descobrir que não havia nenhuma lei municipal em Sorocaba que dispusesse especificamente sobre essa cobrança.
Sob o patrocínio do Teixeira Fortes, a empresa ingressou com uma ação para que a Prefeitura explicasse o fundamento legal da taxa que estava sendo cobrada e os critérios que foram usados para definir o valor lançado, o que a prefeitura não conseguiu fazer. A empresa acabou perdendo na primeira instância, mas a sentença foi reformada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo. Os desembargadores que analisaram o recurso reconheceram que não existe previsão legal no município de Sorocaba que autorize a prefeitura a cobrar a referida taxa[5]:
“Dentre os princípios que restringem o poder de tributar há o da legalidade, que impõe aos entes tributantes a obrigatoriedade de existência de lei para criação ou majoração de tributos, tal como disposto no art. 150, inciso I da Constituição Federal e no art. 97 do CTN. Assim, a instituição de taxas decorre obrigatoriamente de lei específica, não bastando basear-se em disposições acerca do referido tributo lato sensu para legitimar sua cobrança.”
Ou seja, além de exigir aleatoriamente um valor do contribuinte (no caso citado, a taxa exigida pela prefeitura ultrapassava R$50mil), a cobrança da taxa não estava sequer prevista em lei. Isso apenas demonstra o desapego que alguns municípios possuem com condições legais mínimas exigidas para que seja possível a taxação de uma determinada atividade, ainda que essa cobrança esteja dentro da competência que a Constituição Federal lhes outorgou.
Não faltam exemplos de taxas cujos aspectos são contrários à Constituição Federal e ao Código Tributário Nacional, especialmente no âmbito municipal, onde esse tipo de taxa é mais comum. Daí a importância de o contribuinte ficar atento quando for instado a pagar algo dessa natureza. Se houver uma ilegalidade, vale a pena discutir a cobrança no Judiciário.
[1] Processo nº 1530767-12.2016.8.26.0090.
[2] ARE 990.914, Segunda Turma, Rel. Min. Dias Toffoli, julgamento em 20.06.2017
[3] Processo nº 1503369-65.2016.8.26.0066 – Serviço de Anexo Fiscal de Barretos.
[4] Processo nº 1001999-55.2020.8.26.0394 – 2ª Vara da Judicial de Nova Odessa.
[5] Processo nº 1002156-20.2019.8.26.0602 – Vara da Fazenda Pública de Sorocaba.
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