É comum a prática de devedores que constituem novas pessoas jurídicas quando outra está endividada, para, na prática, sucedê-la nas operações comerciais e com isso “blindar” suas economias de constrições judiciais. A respeito do tema, a doutrina especializada já pontuou que:
“Exemplo típico de má utilização da pessoa jurídica, na qual se torna inteiramente aplicável a desconsideração da personalidade jurídica, é a criação de nova empresa com o objetivo de dar continuidade às operações que outrora eram realizadas por empresa totalmente insolvente e em estado pré-falimentar, com passivo que ultrapassa em muito os ativos, com dívidas tributárias impagáveis, passivo trabalhista de monta, cujo patrimônio se acha inteiramente comprometido e gravado com ônus reais”
O caso objeto desse artigo trata justamente do exemplo acima. Em processo de execução movido por empresa de fomento mercantil em face de uma importante clínica especializada em implantes dentários e odontologia em geral e seus respectivos sócios, a credora viu sua expectativa de recebimento do crédito frustrado pelo irregular encerramento das atividades empresariais dos devedores.
Entretanto, em meticulosa pesquisa conduzida pelo Teixeira Fortes, a credora descobriu que seus devedores, os sócios da clínica de odontologia, na verdade haviam vertido suas atividades empresariais para outra clínica, constituída em nome de duas irmãs dos devedores. Referida empresa, indicada como sucessora da devedora, era uma empresa do mesmo ramo de odontologia, constituída pelos próprios devedores, mas da qual haviam se retirado antes do ajuizamento da ação de execução, certamente já imaginando o risco de ser atingida judicialmente.
Demonstrou-se nos autos que apesar de não pertencerem mais aos quadros societários daquela “antiga empresa”, os devedores jamais deixaram sua administração, e que todos eles – os devedores, suas irmãs, e a sociedade terceira – a bem da verdade pertencem a um único Grupo Econômico, formado com claro objetivo de “blindagem patrimonial” e em prejuízo dos credores.
Não obstante a sucessão empresarial, que por si só justificava o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, outra importante prova do perfil fraudulento dos devedores residia no fato de que pouco antes do ajuizamento da ação, mas já depois da constituição do débito perante a credora, os devedores transferiram todos os seus bens imóveis, sendo parte deles para as irmãs (sócias da empresa sucessora). Tudo configurando uma clássica manobra para “blindagem patrimonial” em fraude aos credores.
A despeito de todos os indícios, o juiz condutor do processo, numa primeira análise, rejeitou o incidente de desconsideração, mas inconformados com essa decisão, por razões evidentes, os advogados que patrocinam o caso interpuseram recurso ao Tribunal, e em decisão monocrática em caráter liminar, S. Exa. o eminente Desembargador Dr. Fábio Podestá determinou o processamento do incidente, observando que o caso apontava claros indícios de fraude, que justificavam sim a instauração do pedido de desconsideração.
“DEFIRO a antecipação dos efeitos da tutela recursal, por vislumbrar, de início, probabilidade de provimento do recurso e perigo de dano de difícil ou impossível reparação, que são os requisitos do parágrafo único art. 995, do NCPC. Em cognição sumária, nota-se que a agravante deduziu, em Juízo, incidente adequado à tutela do direito pretendido, e alegou fatos que têm potencial de caracterizar a confusão patrimonial alegada, como se observa às fls. 21/31 e 34, item 54 (autos do agravo). Assim, à luz da teoria da asserção e diante da rejeição liminar do pedido de desconsideração da personalidade jurídica, antes mesmo de que fosse apresentada resposta pela agravada, de rigor é a concessão do provimento antecipatório, a fim de que seja desde já processado o incidente, com a intimação da parte contrária para que se manifeste nos respectivos autos, nos termos do art. 135, do NCPC.”
Com a instauração do incidente de desconsideração, a lei concede à empresa e sócios da empresa sucessora a oportunidade de apresentarem suas defesas. Via de regra, somente depois do julgamento do incidente é que os bens dessas pessoas serão atingidos, mas o processamento do incidente traz o devedor para a mesa de negociação, por abrir uma janela de oportunidades de constrição dos bens, direitos e negócios transferidos à família.
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