TJSP permite a penhora de bem de família de valor vultoso

23/11/2021

Por Isabela Almeida Rodrigues

Em muitos casos da área de recuperação de créditos, credores veem seu direito barrado pela impenhorabilidade do bem de família, garantida pela Lei n.º 8.099/90, quando o devedor possui um único bem imóvel onde constitui sua residência, visto que, de acordo com o texto literal do artigo 1º daquela Lei, o bem não pode ser objeto de penhora, independentemente do seu valor de mercado:

“Art. 1º O imóvel residencial próprio do casal, ou da entidade familiar, é impenhorável e não responderá por qualquer tipo de dívida civil, comercial, fiscal, previdenciária ou de outra natureza, contraída pelos cônjuges ou pelos pais ou filhos que sejam seus proprietários e nele residam, salvo nas hipóteses previstas nesta lei.”

Ocorre que muitos devedores se utilizam dessa garantia legal de forma abusiva. Devem muito, mas vivem em verdadeiras mansões de forma nababesca.

Diante desse sensível cenário, respeitável acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo decidiu que o direito à moradia, protegido pela impenhorabilidade do bem de família, deve ser interpretado de acordo com os princípios constitucionais da igualdade, efetividade da prestação jurisdicional de ação e duração razoável do processo, além dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade.

Por consequência, deferiu a penhora sobre imóvel discutido, desde que reservado 10% do valor daquele para aquisição de outro imóvel capaz de atender a necessidade de moradia digna do devedor e gravado o montante fixado com cláusula de impenhorabilidade, para que seja cumprido o disposto no artigo 1º da Lei 8.099/90.

No caso, o devedor não possuía nenhum outro bem imóvel além do imóvel em que reside, avaliado em R$ 24.000.000,00. À vista disso, os Julgadores pontuaram que a Lei n.º 8.009/90 foi criada com o intuito de garantir um patrimônio mínimo para assegurar o direito de moradia digna ao devedor, mas não pode proteger imóvel cujo valor supera “o patrimônio total da grande maioria dos brasileiros”.

Ao analisar a necessidade do credor e do devedor à luz de princípios constitucionais, a Corte concluiu que nenhuma pessoa necessita de um imóvel de tão vultoso valor, podendo ser admitida a penhora parcial do bem, mediante reserva de valor mínimo suficiente para lhe assegurar uma vida digna, que a Lei n.º 8.099/90 visou preservar.

Em seu voto, o Desembargador Relator Ademir Modesto de Souza pontuou que, embora a Lei n.º 11.382/06 – que previa a possibilidade de um ‘teto’ para a impenhorabilidade do imóvel – tenha sido vetada pelo então Presidente da República, e os Ministros do Colendo Superior Tribunal de Justiça, em sua maioria, tenham se colocado contra a relativização da impenhorabilidade prevista no artigo 1º da Lei n.º 8.099/90, as recentes decisões demonstram uma mudança no posicionamento daquela Colenda Corte, assim como na interpretação da legislação.

Como exemplo, mencionou a penhora sobre salários e rendimentos, que é vedada expressamente pelo artigo 833, inciso IV do Código de Processo Civil, mas é permitida de acordo com o caso concreto, como decidido no Recurso Especial n.º 1.806.438/DF, julgado em 13/10/2020 pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça; assim como o posicionamento do Ministro Luís Felipe Salomão no Recurso Especial n.º 1.351.571/SP, que embora não tenha sido acolhido se mostrava a favor da relativização da impenhorabilidade do bem de família:

“[…] o princípio da isonomia se vê afrontado por situação que privilegia determinado sujeito sem a correspondente razão que justifica esse privilégio. A questão exige muito mais que a simples interpretação literal da norma legal”, aduzindo que “a proposta é de afastamento da absoluta impenhorabilidade, e da possibilidade de ser afastada diante do caso concreto e da ponderação dos direitos em jogo. Não a imposição de nova sistemática. Se o objetivo da lei é garantir a dignidade humana e direito à moradia, acaso deferida, os bens jurídicos manterão incólumes. Ela contínua morando com local e com dignidade superior à média.”

Forte nessas razões, mesmo com um voto contrário, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo fixou por maioria como impenhorável o valor de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos reais), equivalente a 10% do valor do imóvel, pontuando que este foi fixado em reais justamente para impedir prejuízo do devedor na hipótese do imóvel ser avaliado e/ou leiloado por valor inferior.

Este importante precedente se esforça para harmonizar o direito de moradia, traduzido no artigo 1º da Lei 8.099/90, com a necessidade de contemplar o direito do credor em ter seu crédito satisfeito. Em assim sendo, traz luz a inúmeras ações de recuperação de crédito que se encontram frustradas por ausência de bens passíveis de constrição enquanto um bem imóvel do devedor se encontra protegido pela impenhorabilidade da Lei n.º 8.099/90 mesmo com vultoso valor envolvido.

Para acessar o inteiro teor do acórdão, clique aqui.

Compartilhe

Vistos, etc.

Newsletter do
Teixeira Fortes Advogados

Vistos, etc.

O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.