No decorrer do último ano, viu-se um considerável aumento no número de pedidos de homologação de planos de recuperação ‘extrajudiciais’ no Judiciário brasileiro. O crescimento se deu em virtude de pequenas, mas importantes inovações trazidas pela Lei nº 14.112, de 24 de dezembro de 2020, que atualizou a legislação que trata da recuperação e da falência do empresário e da sociedade empresária.
O baixo custo e a simplificação do procedimento, comparados ao da recuperação judicial, também incentivaram várias empresas em crise econômico-financeira a optarem pela recuperação extrajudicial como meio de soerguimento. As principais particularidades desse interessante mecanismo serão abordadas a seguir.
A primeira diferença em relação à recuperação judicial é que na recuperação extrajudicial o devedor tem a prerrogativa de eleger quais credores estarão sujeitos ao processo, não sendo obrigado a renegociar a universalidade de dívidas que possui. Por isso, ao invés de “classe” de credores (quirografários, garantia real, etc.), na recuperação extrajudicial fala-se em “espécies” de credores, as quais podem ser subdivididas, por exemplo, em fornecedores, credores financeiros, debenturistas etc. Na recuperação extrajudicial, portanto, há a criação de grupos de credores relativamente homogêneos.
Ademais, diferentemente do que ocorre na recuperação judicial, os créditos derivados das relações trabalhistas não estão a ela sujeitos, salvo se houver negociação coletiva com os sindicatos das respectivas categorias profissionais que resulte na adesão desses créditos ao plano.
Por outro lado, tal como na recuperação judicial, os créditos tributários ficam excluídos, da mesma forma que os créditos com garantia fiduciária e os decorrentes de adiantamento a contrato de câmbio para exportação.
Quanto ao procedimento em si, na recuperação extrajudicial o devedor procura individualmente seus credores, apresentando um plano de restruturação e de pagamento das dívidas, e tenta obter o máximo de adesões possível. Se todos os credores dos grupos selecionados aceitarem a proposta, naturalmente, a homologação do plano no Judiciário será facultativa, embora sirva como forma de conferir maior solenidade ao negócio, haja vista que (i) a sentença será um título executivo, (ii) as partes estarão sujeitas à disciplina dos crimes falimentares, e (iii) será possível efetuar a alienação judicial dos ativos do devedor (as filiais da empresa e eventuais Unidades de Produção Isoladas).
Em contrapartida, quando nem todos os credores aceitarem aderir ao plano apresentado, ou seja, se apenas uma parte deles concordar com a forma de repactuação do pagamento dos seus créditos, a homologação perante o Juízo será obrigatória. Nesse caso, a lei prevê um quórum mínimo de adesões para que o devedor consiga obter a chancela judicial, sujeitando às condições do plano apresentado todos os demais credores que se enquadram nas espécies elegidas.
O quórum necessário para tanto é de mais da metade dos créditos de cada espécie abrangidos pelo plano, diferenciando-se substancialmente do quórum qualificado previsto na recuperação judicial[1]. Vale destacar que a recente alteração legislativa flexibilizou o quórum mínimo de homologação do plano extrajudicial, que na redação original da Lei nº 11.101/2005 era de 3/5 dos créditos sujeitos, uma mudança significativa.
Outra importante inovação da lei foi a extensão do stay period[2] à recuperação extrajudicial, que antes só se aplicava à recuperação judicial. Na R.E., a situação é ainda mais benéfica para o devedor, pois a suspensão das execuções é automática, isto é, começa a valer já a partir do protocolo do pedido, mas deverá ser ratificada pelo juiz, e somente se pelo menos 1/3 (um terço) de todos os créditos de cada espécie abrangidos já houverem aderido ao plano.
Curioso é que o devedor pode ajuizar o pedido antes mesmo de atingir o quórum legal de adesões (mais de 50% dos créditos de cada espécie), situação em que terá um prazo de 90 dias para completar o percentual mínimo. Mas se o devedor não conseguir assinaturas suficientes, a consequência não será a decretação da falência, podendo ele simplesmente desistir do pedido ou mesmo requerer a conversão do processo em recuperação judicial, o que abre bom espaço para certos planejamentos.
O ato que sucede o ajuizamento do pedido de recuperação extrajudicial é a publicação de um edital para dar ciência aos credores sobre a abertura do prazo de 30 dias para apresentação de objeções ao plano apresentado, mediante prova do respectivo crédito. Essas objeções podem se fundamentar apenas em questões como: não preenchimento do quórum legal, simulação de créditos, prática de atos falimentares (p.e., liquidação, alienação ou oneração irregular de ativos) e existência de conluios fraudulentos.
Havendo apresentação de objeções, o juiz decide em 5 dias se homologa ou não o plano. Em caso positivo, todos os credores abrangidos ficam sujeitos aos termos e condições ali previstos. Em caso negativo, o devedor poderá, a seu critério, desistir do processo ou apresentar um novo pedido.
Novamente, na recuperação extrajudicial não se fala em quebra, mesmo que as obrigações do plano eventualmente homologado sejam descumpridas. No entanto, vale ressaltar que a sentença homologatória é um título executivo judicial, que poderá ser protestado e utilizado como pedido de falência baseado na impontualidade do devedor, procedimento próprio previsto na mesma lei. O credor também pode optar por instaurar cumprimento de sentença.
É possível verificar que a recuperação extrajudicial demanda menos despesas e atos processuais do que a recuperação judicial, principalmente pelo fato de que a participação do Administrador Judicial não é obrigatória, e, na maioria dos casos, não se faz necessária. Além disso: não há previsão de convocação de assembleia geral de credores; é publicado apenas um edital (para abertura do prazo de objeções ao plano); e não existirão as inúmeras habilitações e impugnações de crédito típicas da recuperação judicial, ações incidentais que demandam extenso trabalho e dispensa de recursos pelo devedor.
Brevemente explorados os principais aspectos da recuperação extrajudicial, o tema não se esgota. Sem embargo, uma vez que essa ferramenta jurídica tende a ganhar cada vez mais espaço no âmbito da Insolvência Empresarial, credores precisam estar familiarizados com o procedimento para exercerem a cobrança de seus créditos com maior proficiência e expertise.
[1] Computado por valor dos créditos e por cabeça, nas classes dos quirografários e dos credores com garantia real, e por maioria simples dos credores, nas classes trabalhistas e das microempresas e empresas de pequeno porte.
[2] Também chamado de “período de blindagem”, durante o qual as execuções movidas contra o devedor se suspendem, por 180 dias, ficando protegido seu patrimônio, o que funciona como um “fôlego” para que o devedor adote as primeiras medidas de restruturação, sem a pressão, as cobranças e as constrições impostas pelos credores.
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