O WhatsApp, plataforma de conversas instantâneas mais utilizada mundialmente, é uma das empresas que compõe o grupo Facebook. Tem como ideais a gratuidade do serviço e a ausência de publicidade. Partindo-se dessa premissa, a plataforma não se enquadraria na qualidade de fornecedora de serviços, prevista no Código de Defesa do Consumidor, que prevê que “serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração” (artigo 3º, §2º, do Código de Defesa do Consumidor).
Juridicamente, contudo, a gratuidade do serviço prestado é relativa nesse caso, uma vez que a plataforma indiscutivelmente gera lucros de forma indireta, por via de outras empresas que integram o mesmo Grupo econômico (Facebook e Instagram), que oferecem diversos outros serviços aos usuários.
É o caso dos serviços de publicidade, disponibilização de relatórios de desempenhos, sistema de pagamentos e implementação de links, que remetem os usuários a conversas diretas com a empresa de seu interesse, via WhatsApp, aproximando os interessados. Tais ferramentas viabilizam negociações entre empresas tomadoras do serviço e usuários alvos, concretizando negócios cuja origem foi contratada e remunerada àquelas outras empresas, mas para cuja consecução o uso do aplicativo é praticamente indispensável.
Basta imaginar que, por meio das empresas que integram o mesmo grupo econômico, é possível divulgar um produto ou serviço, negociar via WhatsApp, receber o preço e ainda saber qual é o desempenho do perfil perante os demais usuários, a fim de implementar melhorias ou expandir negócios.
Ou seja, o WhatsApp não é em si mesmo um serviço remunerado, mas as plataformas que dele fazem uso o são. Há uma verdadeira gama de serviços entrelaçados e dependentes entre si, e o fato de o WhatsApp ser ou não remunerado diz muito mais com o modus operandi ou a estratégia do grupo econômico do que com altruísmo, benevolência ou generosidade do grande grupo comandado pelo Sr. Mark Zuckerberg.
Certo é, ainda, que o lucro mais expressivo advém da publicidade indireta. Todos os usuários, ao aderirem aos termos de uso da plataforma, permitem que o aplicativo utilize seus dados pessoais para reportar anúncios relevantes de acordo com suas preferências, pagos por empresas e organizações, sem que estes tenham conhecimento de quem são os usuários destinatários finais da propaganda [1].
Em outras palavras, as empresas do Grupo oferecem um serviço de publicidade mais que certeiro, que alcança diretamente prováveis interessados na propaganda veiculada, aumentando significativamente a chance de venda e, consequentemente, de lucro.
Assim, mesmo uma análise singela e perfunctória, como a que se pretende fazer aqui, é capaz de revelar a onerosidade do serviço prestado pelo WhatsApp, eis que interligado a outros serviços prestados por empresas do mesmo Grupo, que, na prática, detém o monopólio das redes sociais.
Feitas essas considerações, não há dúvidas de que, no Brasil, o WhatsApp e as demais empresas do Grupo Facebook são considerados fornecedores de serviços e, portanto, se submetem ao regramento do Código de Defesa do Consumidor.
As vendas online pelos aplicativos que integram o Grupo Facebook cresceram de forma exponencial nos últimos anos e muitas empresas utilizam as plataformas, com exclusividade, para efetivar suas transações.
Eventual queda repentina do sistema pode gerar a paralisação temporária das empresas destinatárias dos serviços prestados, em especial aquelas que utilizam a rede de forma exclusiva para o desempenho de suas atividades, trazendo diversos prejuízos. Para essas empresas, é como se, repentinamente, as suas portas se fechassem.
Nesse cenário, surge o questionamento: qual é a responsabilidade do WhatsApp pela indisponibilidade repentina do sistema?
O termo de serviço disponibilizado pela plataforma[2] é repleto de cláusulas abusivas sob a ótica da lei consumerista brasileira, genericamente afastadas “em certas jurisdições” não especificadas.
De acordo com o seu termo de uso, cuja aceitação é imposta ao Consumidor como requisito prévio à liberação de acesso à plataforma, o próprio WhatsApp se isenta de eventuais obrigações e responsabilidades:
“… não garantimos que as informações fornecidas por nós sejam exatas, estejam completas ou sejam úteis; não garantimos que nossos serviços estarão em funcionamento, livres de erros, protegidos ou seguros e que nossos serviços funcionarão sem interrupções, atrasos ou imperfeições”.
“Limitação de responsabilidade
As partes do whatsapp não se responsabilizam por lucros cessantes, prejuízos emergentes, indenizações punitivas ou por danos especiais ou indiretos decorrentes ou relativos aos nossos termos, a nós ou aos nossos serviços (seja qual for a causa e em qualquer teoria de responsabilidade, inclusive negligência) mesmo que tenhamos sido avisados da possibilidade de tais danos.”
As cláusulas impostas são claramente leoninas e pouco importa que o WhatsApp se “isente” de sua responsabilidade. Fato é que, uma vez caracterizado como fornecedor de serviços sob a égide do Código de Defesa do Consumidor, as regras impostas aos seus usuários são nulas, de pleno direito, conforme dispositivo do supracitado diploma legal:
“Artigo 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:
I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos.”
Logo, mesmo que o WhatsApp tente limitar a sua responsabilidade, fato é que a norma consumerista brasileira é clara ao defender a nulidade da blindagem, impondo a supressão da cláusula elaborada em desacordo com a Lei.
O termo de uso do WhatsApp também prevê, de forma abusiva, as regras de “disponibilidade e encerramento” dos serviços prestados:
“… podemos ampliar, adicionar ou remover nossos Serviços, recursos, funcionalidades e a compatibilidade com certos aparelhos e plataformas. Nossos Serviços podem ser interrompidos, inclusive para manutenção, reparos, atualizações ou falhas de rede ou de equipamento. Podemos descontinuar alguns ou todos os nossos Serviços, inclusive determinados recursos e o suporte a determinados dispositivos e plataformas, a qualquer momento. Eventos fora de nosso controle podem afetar nossos Serviços, como casos fortuitos ou de força maior.”
Mais uma abusividade imposta ao consumidor, conforme inciso XIII, do artigo 51, do Código de Defesa do Consumidor, que prevê a nulidade das cláusulas contratuais que “autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração”.
A nulidade dessa cláusula é de suma importância. Se eventual queda do sistema já prejudica os usuários que utilizam a plataforma, mais ainda a alteração unilateral da rede ou a interrupção definitiva dos serviços prestados.
Assim, mesmo que o WhatsApp se blinde contratualmente contra a responsabilidade civil que lhe cabe, fato é que em caso de indisponibilidade do sistema, o consumidor poderá pleitear indenização pelos danos materiais que lhe forem causados, desde que efetivamente comprovados.
O Tribunal de Justiça de São Paulo já firmou o entendimento de que o serviço de internet e aqueles dele decorrentes (e-mail empresarial, hospedagem, antivírus e, por analogia, também a rede social) são instrumentos para que diversas empresas operem e aumentem sua atuação, e, em caso de indisponibilidade, há sim o dever de indenizar:
“Prestação de serviços. E-mail empresarial, banda larga, antivírus, help desk empresarial, divulga fácil, firewall empresarial e terra office. Alegação de falhas com prejuízos aos negócios. Pedidos de obrigação de fazer e indenização por danos materiais. Obrigação de fazer prejudicada pela contratação de outra empresa. Pedido de lucros cessantes concedidos em sentença. Vínculo regido pelo CDC. Falha na prestação de serviços caracterizada. Prova suficiente da ocorrência de prejuízo. Atuação maior da autora na captação da clientela pela via digital. Recurso improvido. Há incidência do CDC, sendo irrelevante que os serviços sejam utilizados para ampliar campo de atuação de empresa autora junto aos destinatários de seus produtos e serviços. Vale dizer, existe relação de consumo, com a consequente incidência do Código Consumerista, quando a autora, pessoa jurídica, contrata fornecimento de serviços de internet, utilizando-os para otimização de suas atividades empresariais sem repasse dos serviços a terceiros. O produto não constitui insumo ou transformação da cadeia produtiva. Há demonstração satisfatória de que a ré, nada obstantes insistentes reclamações da autora, não corrigiu as falhas no acesso e comunicação com os clientes e interessados nos produtos e serviços pela internet, causando prejuízos materiais nos lucros e que devem ser apurados em liquidação.”[3]
“RELAÇÃO DE CONSUMO – REPARAÇÃO DE DANOS – SERVIÇO DE INTERNET – Suspensão do serviço por dez dias – Aplicação dos ditames do CDC – Pessoa jurídica que se enquadra, no caso, ao conceito de consumidora, dada a sua vulnerabilidade em relação ao objeto do contrato – Teoria do finalismo aprofundado – Falha na prestação do serviço incontroversa – Lucros cessantes demonstrados a partir da documentação apresentada pela autora, não impugnada de forma especificada pela recorrente – Dedução do valor das despesas para aferição dos danos – Danos morais configurados na espécie – Valor da indenização que se afigura razoável diante da extensão dos danos – Sentença, muito bem lançada, que deve ser mantida por seus próprios fundamentos, na forma do art. 46, da Lei n. 9.099/95 – Recurso a que se nega provimento – Recorrente vencida arcará com o pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 10% sobre o valor atualizado atribuído à causa.”[4]
“PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – TELEFONIA – INDENIZAÇÃO – DANOS MATERIAIS E MORAIS – Falha na prestação dos serviços de internet e telefone – Prejuízo patrimonial da pessoa jurídica autora demonstrado – Condenação da ré no pagamento de indenização por danos emergentes, além dos lucros cessantes – DANO MORAL – Caracterização – Pessoa jurídica – Súmula 227 do STJ – Abalo de crédito, com rescisão de contratos existentes com clientes – Fixação da reparação pelo dano moral em primeiro grau em R$ 30.000,00 – Redução para R$ 20.000,00 – Razoabilidade e proporcionalidade – Manutenção da sucumbência imposta em primeiro grau – Recurso da ré provido em parte.”[5]
Em alguns casos até mesmo o dano moral pode ser concedido, desde que demonstrada ofensa à honra do usuário lesado:
“APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. CONTRATO DE TELEFONIA MÓVEL E PROVEDOR DE INTERNET. FALHA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO DE TELEFONIA. BLOQUEIO INDEVIDO. DANOS MORAIS SUPORTADOS PELA PESSOA JURÍDICA. PREJUÍZO AO EXERCÍCIO DA ATIVIDADE ECONÔMINCA. REFORMA DA SENTENÇA.
O conjunto probatório permite conclusão no sentido de que houve falha na prestação dos serviços por culpa exclusiva do fornecedor. Interrupção injustificada da prestação do serviço de telefonia nas linhas móveis da sociedade empresária, que utiliza o referido serviço para a execução do seu objeto social. Dever de indenizar que decorre de todo o episódio narrado, caracterizando-se in re ipsa, pois inegável o dano a condução dos negócios da empresa e, consequentemente, o prejuízo à atividade econômica desenvolvida decorrente da falta dos serviços de telefonia móvel e de internet. Dano moral configurado. Reforma da sentença. Recurso interposto após a vigência do CPC/2015. Incidência de honorários recursais. Conhecimento e provimento do recurso.”[6]
“APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO DO CONSUMIDOR. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE INTERNET. FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. ART. 14 CDC. A sentença foi pela procedência parcial dos pedidos formulados, condenando a requerida ao pagamento de dano moral no valor de R$ 10.000,00 (…) Falha na prestação de serviço devidamente comprovada pela parte autora, a qual é pessoa jurídica de direito privado e depende do serviço de internet para o funcionamento de seus estabelecimentos. Pelos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, e tendo-se em vista as particularidades do caso concreto, mostra-se razoável a verba reparatória arbitrada pelo juízo de 1ª instância em R$ 10.000,00 (dez mil reais). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO.”[7]
“Prestação de serviços. Telefonia fixa e conexão à internet. Ação de indenização por danos materiais e morais. Consumidora privada da utilização de linhas telefônicas por mais de vinte dias em razão de falha na prestação dos serviços (…) Dano moral. Consumidora, pessoa jurídica fornecedora de alimentos, que enfrentou dificuldades para manter contato com seus clientes e representantes em razão de falha na prestação dos serviços de telefonia e conexão à internet. Intuitivo prejuízo à sua reputação, causador de mácula à honra objetiva, fazendo eclodir o dever da concessionária de indenizar o abalo extrapatrimonial experimentado pela consumidora. Recurso parcialmente provido.”[8]
Importante pontuar que eventual indisponibilidade técnica do sistema não é fator suficiente a ensejar a configuração de caso fortuito ou força maior para a isenção de sua responsabilidade.
Esses acontecimentos somente se concretizam e permitem o afastamento da responsabilidade civil do fornecedor quando os seus efeitos não puderem ser evitados ou impedidos (artigo 393, parágrafo único, do Código Civil), como os fenômenos da natureza (furacões, tempestades, terremotos, etc.) e os fatos humanos (guerras, revoluções, entre outros).
A simples indisponibilidade de sistema, mesmo que por uma falha técnica, não se configura como evento cujos efeitos não podem ser evitados ou impedidos. Logo, há o dever de indenização pelos danos materiais comprovados.
Apurada a responsabilidade e os prejuízos suportados, surge um novo questionamento: qual é o prazo para que o consumidor reivindique a indenização por danos materiais?
Segundo o Termo de Serviços do WhatsApp, o prazo para que o consumidor reivindique seus direitos é de um ano:
“Estes termos também limitam o tempo que você tem para fazer uma reivindicação ou contestação, incluindo o tempo para começar uma arbitragem ou, se permitido, uma ação judicial ou processo de pequenas causas dentro do alcance máximo permitido por lei. Nós e você concordamos que todas as Contestações (exceto as Contestações Excluídas definidas abaixo) devem ter suas arbitragens iniciadas no prazo de um ano a contar de seu surgimento; caso contrário, elas serão prescritas. Isso significa que se nós ou você não iniciarmos a arbitragem dentro de um ano do surgimento da Contestação, a arbitragem será rejeitada porque foi iniciada depois do prazo.”
Mais uma abusividade imposta ao Consumidor e, portanto, nula. O artigo 27 do Código de Defesa do Consumidor prevê que:
“Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos causados por fato do produto ou do serviço prevista na Seção II deste Capítulo, iniciando-se a contagem do prazo a partir do conhecimento do dano e de sua autoria.”
A diminuição considerável do prazo de prescrição de cinco para apenas um ano é prática abusiva, que coloca o consumidor em extrema desvantagem face ao fornecedor e que enseja a nulidade da cláusula, a teor do artigo 51, inciso IV, do mesmo diploma legal, que prevê a nulidade das cláusulas que “estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a equidade”.
O prazo para reivindicar os prejuízos suportados, portanto, é aquele previsto na lei consumerista, impassível de ser reduzido pela vontade imposta por uma das partes.
Denota-se, portanto, que a rede de conversas instantâneas mais utilizada mundialmente, que detém o monopólio indireto do setor e que serve de base para que muitas empresas exerçam suas atividades de forma quase que absoluta, é cheia de cláusulas abusivas, a fim de blindar a sua responsabilidade, facilmente suprimidas no Brasil pelo Código de Defesa do Consumidor.
Excluídas as abusividades contratuais, a queda injustificável da plataforma poderá ensejar o ajuizamento de ação judicial pelo usuário lesado, a fim de ser ressarcido pelos danos materiais e até mesmo morais, desde que efetivamente comprovados.
[1] https://help.instagram.com/581066165581870
[2] https://www.whatsapp.com/legal/terms-of-service#terms-of-service-special-arbitration-provision-for-united-states-or-canada-users
[3] TJSP, Apelação Cível nº 1005984-82.2014.8.26.0704, 25ª Câmara Extraordinária de Direito Privado, Des. Rel. Kioitsi Chicuta, julgado em 28/06/2017, publicado em 28/06/2017.
[4] TJSP, Recurso Inominado Cível nº 1014508-64.2019.8.26.0002, 3ª Turma Recursal Cível – Santo Amaro, Rel. Cláudia Maria Chamorro Reberte Campaña, julgado em 17/08/2020, publicado em 17/08/2020.
[5] TJSP, Apelação Cível nº 0149509-84.2009.8.26.0100, 25ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Claudio Hamilton, julgado em 28/09/2017, publicado em 02/10/2017.
[6] TJRJ, Apelação nº 0030928-59.2015.8.19.0209, 22ª Câmara Cível, Des. Rel. Rogério de Oliveira Souza, julgado em 22/01/2019.
[7] TJRJ, Apelação nº 0024051-38.2017.8.19.0014, 3ª Câmara Cível, Des. Rel. Helda Lima Meireles, julgado em 30/11/2020, publicado em 11/12/2020.
[8] TJSP, Apelação nº 0011750-74.2012.8.26.0229, 28ª Câmara de Direito Privado, Des. Rel. Cesar Lacerda, julgado em 18/07/2017, publicado em 20/07/2017.
04 outubro, 2024
25 julho, 2024
24 julho, 2024
O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.