Matéria publicada no Valor Econômico em 19/01/2022
Bancos têm sido condenados a ressarcir e indenizar clientes por fraudes cometidas em aplicativos, instalados em celulares furtados ou roubados. Decisões dos Tribunais de Justiça dos Estados de São Paulo (TJ-SP) e do Rio de Janeiro (TJ-RJ), por exemplo, consideram que as instituições financeiras falham na prestação do serviço quando alguém consegue burlar o sistema de segurança dos apps.
A discussão, porém, é polêmica e alguns magistrados livram as instituições financeiras de responsabilidade quando o consumidor é descuidado, demora ou deixa de comunicar a ocorrência do crime. Esse é um dos temas que, segundo advogados, estará em alta no Judiciário neste ano, impulsionado pela quantidade de roubos e furtos de aparelhos registrada em 2021.
No Estado de São Paulo, só no primeiro semestre, cerca de 160 mil celulares foram parar nas mãos de criminosos. No Rio de Janeiro, entre janeiro e novembro, foram quase 26 mil registros. Em Minas Gerais, outros 47,5 mil casos foram contabilizados. Os dados são dos órgãos de segurança pública dos Estados.
Segundo a advogada Patrícia Costa Agi Couto, do escritório Teixeira Fortes Advogados Associados, a responsabilidade sobre as instituições recai quando o sistema de segurança apresenta vulnerabilidades. Seja porque permitiu o acesso sem senha ou outra barreira, diz ela, ou porque autorizou saques além dos limites usuais ou operações bancárias fora do perfil do correntista.
“A jurisprudência tem entendido que tal situação, hoje corriqueira, deve ser de responsabilidade do banco. Quando, de fato, o meliante tiver conseguido burlar o sistema de segurança bancário, o que poderia ter sido evitado pela instituição financeira criando um sistema menos falho”, afirma.
Em dezembro, a 18ª Câmara de Direito Privado do TJ-SP confirmou sentença que condenou o Banco Safra a restituir R$ 75,7 mil a uma empresária. Ela foi assaltada no fim de abril do ano passado e teve o montante retirado da conta da sua empresa por meio de TED e Pix – operações que seriam incompatíveis com os seus padrões de movimentação.
No processo, o Safra alegou que a culpa foi da consumidora, que registrou boletim de ocorrência um dia depois do delito e levou três dias para comunicar a instituição financeira sobre o ocorrido.
Para os desembargadores, porém, é da instituição financeira o dever de manter o ambiente digital seguro para que somente o cliente possa acessar a conta e fazer transações. Dessa forma, a fraude praticada por terceiros não a eximiria de responsabilidade.
“A autorização dada pelo banco para o uso do aplicativo em transações destoantes do padrão de consumo da parte autora configura falha na prestação do serviço, no que tange à necessária segurança das operações bancárias”, afirma o relator, desembargador Helio Faria (processo nº 1037240-68.2021.8.26.0002). O pedido de danos morais, de R$ 15 mil, porém, foi negado.
Em outros julgamentos realizados no ano passado, câmaras de direito privado do TJ-SP também condenaram o Banco do Brasil e o Itaú. No primeiro caso, a ressarcir prejuízo de R$ 22,3 mil, além de pagar R$ 15 mil por danos morais (processo nº 1093550-28.2020.8.26.0100). No segundo, a devolver R$ 2,8 mil e indenizar em R$ 3 mil um operador de telemarketing (processo nº 1021040-17.2020.8.26.0003).
“O banco, ao disponibilizar os serviços aos seus clientes, assume os riscos inerentes à sua atividade lucrativa”, afirma o desembargador Spencer Almeida Ferreira, relator do caso do Itaú.
No Rio de Janeiro, obteve decisão favorável um policial militar que teve o celular roubado em 2018. Os assaltantes contrataram um empréstimo consignado no valor de R$ 95,3 mil por meio do aplicativo do Bradesco. Houve, depois, uma série de movimentações, com transferências e depósitos.
A vítima passou a sofrer descontos mensais na conta, no valor de R$ 2,3 mil para quitação do empréstimo. Como não pagou as duas primeiras parcelas, teve o nome negativado (processo nº 0005720-82.2018.8.19.0075).
Ao analisar o caso, a 1ª Câmara Cível do TJ-RJ manteve a sentença para que o banco pague em dobro o montante descontado decorrente da contratação fraudulenta, além de indenização por danos morais de R$ 7 mil.
“Na mesma proporção da evolução dos sistemas eletrônicos bancários, sofisticou-se também os meios para a sua violação, de modo que se espera dos fornecedores de serviços a criação incessante de mecanismos que possam coibir e tornar mais efetiva a proteção dos dados dos correntistas”, afirma, na decisão, o relator, desembargador Sérgio Ricardo de Arruda Fernandes.
De acordo com a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), os associados investem cerca de R$ 2,5 bilhões por ano para aprimorar e tornar mais seguras as transações financeiras do usuário. “Não há registro de violação da segurança. Além disso, para que sejam utilizados [aplicativos], há obrigatoriedade de uso de senha pessoal do cliente”, frisa, em nota enviada ao Valor.
Especialistas apontam que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) ainda não analisou situações específicas de fraudes em aplicativos instalados em celulares furtados ou roubados. Mas que os tribunais, nas condenações, aplicam a Súmula 479, da Corte, segundo a qual “as instituições financeiras respondem objetivamente [sem ser necessário provar a culpa], pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias”.
Advogados que representam instituições financeiras, porém, defendem que a responsabilidade não é absoluta nem ilimitada. Entendem que só há culpa se, após alertado sobre um furto ou roubo, o banco não bloquear preventivamente a conta.
“Não pode ter responsabilidade objetiva e irrestrita só porque é o braço forte da relação”, diz Daniel Bialski, sócio do Bialski Advogados, que tem atuado em casos de fraude bancária. “Não há unanimidade no Judiciário. Cada diferença de ação e reação gera uma decisão, para um lado ou para outro.”
A demora ou a falta de comunicação do roubo ou furto do celular ao banco são motivos que têm levado os desembargadores a negarem pedidos de clientes. Foi o caso de um correntista do Itaú. Ele foi coagido a entregar o celular e as senhas da conta. Uma hora e meia depois, comunicou o banco. Nesse período, o assaltante transferiu R$ 4,9 mil.
“Diante da ausência de comunicação imediata do sinistro à instituição financeira para efetivação do bloqueio da senha eletrônica, o autor permitiu que terceiro a utilizasse, o que configura violação do dever de guarda, assumindo o risco das consequências de sua conduta”, afirma o relator, desembargador Afonso Bráz (processo nº 1001214-68.2021.8.26.0003).
Situação semelhante ocorreu em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. A vítima foi coagida pelo assaltante a informar a senha para desbloqueio do celular e não comunicou o Banco do Brasil sobre o crime. Pouco mais de R$ 2 mil foram retirados da sua conta por meio de Pix, TED e recargas de celular.
“Não restou demonstrada falha na prestação dos serviços pela parte demandada, pois o dever de guarda e o sigilo da senha pessoal da autora a ela lhe compete, bem como a comunicação imediata do fato ao banco requerido”, diz a relatora, juíza Ana Claudia Raab (processo nº 002641070.2021.8.21.9000), da 2ª Turma Recursal Cível do TJ-RS.
Em nota, o Banco Safra informa que analisa caso a caso, a partir do comunicado feito pelo cliente. Afirma que adota todas as medidas de prevenção e as divulga aos clientes, inclusive por redes sociais.
O Banco do Brasil afirma, também em nota, que utiliza tecnologias e informações que permitem avaliar as movimentações realizadas pelos clientes, comparando-as com sua habitualidade e que registra todas as reclamações de movimentações financeiras não reconhecidas por seus clientes, com a abertura de processos de contestação, os quais são analisados por sua área técnica.
O Bradesco diz que a decisão judicial citada na reportagem é exceção e que o banco está recorrendo. “As decisões, em sua maioria, excluem a responsabilidade do banco, uma vez que cabe ao cliente zelar pelos seus dados e equipamentos”, afirma, acrescentando que as alegações de fraude em operações são analisadas em suas particularidades.
O Itaú, em nota, afirma que avalia processos judiciais decorrentes de golpes e fraudes de forma minuciosa e individualizada, o que significa que, a depender da ocorrência, adota medidas específicas. Diz que a segurança é uma das principais prioridades da instituição e orienta que, ao serem vítimas de golpes ou fraudes, os clientes contatem imediatamente o banco e registrarem boletim de ocorrência.
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