Algumas Prefeituras estão autuando companhias securitizadoras de créditos comerciais ou empresariais para exigir delas o recolhimento do Imposto sobre Serviços de Qualquer Natureza (ISSQN) e o pagamento de multas por descumprimento de obrigações acessórias típicas de prestadores de serviços. A maioria das autuações que temos visto é da Prefeitura de São Paulo, onde estão concentradas muitas companhias securitizadoras.
A justificativa das Prefeituras para a cobrança do imposto é que a securitização de crédito se enquadraria no subitem 10.02 da lista de serviços sujeitos à incidência do ISSQN prevista na Lei Complementar nº 116 de 2003, assim descrito: “agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos em geral, valores mobiliários e contratos quaisquer”.
Na maioria dos casos que analisamos, a exigência do ISSQN contra as securitizadoras nos pareceu ilegal. Primeiro porque as securitizadoras não prestavam serviços a terceiros e, por consequência, não eram contribuintes do ISSQN. E segundo porque, ainda que pudesse ser tratada como serviço, a atividade de securitização de créditos não se enquadra no subitem 10.02 da lista de serviços tributáveis da Lei Complementar nº 116 de 2003.
Nas operações praticadas pelas securitizadoras de créditos comerciais ou empresariais que envolvam exclusivamente a cessão de títulos de crédito, entendemos que não há o aspecto material necessário para a exigência do ISS, que é a prestação de serviços.
De fato, a prestação de serviços tem como pressuposto o cumprimento de uma obrigação de fazer, consistente num esforço humano deliberado, o que não se identifica, sob nenhum aspecto, na operação de aquisição de direitos creditórios, que essencialmente se constitui numa obrigação de dar, o que afasta a incidência do ISSQN sobre tal atividade. Nesse sentido, podemos citar, por analogia, a decisão do Superior Tribunal de Justiça abaixo, que concluiu que não incide o ISSQN sobre a cessão de direitos creditórios praticada por factoring:
“TRIBUTÁRIO. ISS. FACTORING. BASE DE CÁLCULO. 1. “Da interpretação sistemática das normas jurídicas acima, conclui-se que não incide o ISS sobre a compra de direitos creditórios resultantes de vendas mercantis a prazo ou de prestação de serviços” (REsp 552.076/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, DJ 02/08/1997). 2. “A intermediação financeira de recursos, dentre os quais a aquisição de direitos creditórios, é operação tipicamente bancária, nada tendo a ver com a atividade de “factoring” (Resp 591.842/RS, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 06/03/2006). 3. Recurso especial provido para determinar que a base de cálculo do ISS, nas atividades de “factoring”, incida sobre o preço do serviço cobrado, sem inclusão do lucro obtido pela empresa em decorrência da diferença de compra do título e do valor recebido do devedor.” (REsp 998.566/RS, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/04/2008, DJe 21/05/2008)
Se a securitizadora efetivamente vier a prestar algum serviço da lista da Lei Complementar nº 116 de 2003 a terceiros, por óbvio haverá a incidência do ISSQN sobre as respectivas receitas do serviço – mas esse não era o caso da maioria das securitizadoras autuadas, cujos casos foram por nós analisados, que foram autuadas por apenas negociar títulos de crédito.
E por falar na lista de serviços da Lei Complementar nº 116 de 2003, não consta nela a atividade de securitização de créditos. As Prefeituras estão autuando as securitizadoras com base na alegação de que a atividade se enquadraria no subitem 10.02 da lista, que diz respeito à incidência do ISSQN sobre serviços de agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos em geral, valores mobiliários e contratos quaisquer.
O fato de a securitização de créditos não constar no rol taxativo de serviços tributados pelo ISSQN da Lei Complementar nº 116 de 2003 é revelador da não incidência do imposto sobre a referida atividade. E mesmo que se faça uma interpretação extensiva da lista de serviços sujeitos ao ISSQN, como admite a jurisprudência do STJ, não se chega à conclusão de que a securitização de créditos deva sofrer a incidência do ISSQN, pois não há nenhuma atividade correlata arrolada na Lei Complementar nº 116 de 2003.
A exigência do ISS sobre a securitização de créditos com base no subitem 10.02 da lista anexa da Lei Complementar nº 116 de 2003 é uma tentativa das Prefeituras de usarem a analogia (mal aplicada, pois a securitização não se confunde com o agenciamento, corretagem ou intermediação de títulos) para tributar as companhias securitizadoras, prática vedada pelo ordenamento jurídico, conforme artigo 108, parágrafo 1º, do Código Tributário Nacional, que diz que o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei.
Nesse sentido, o Tribunal de Justiça de São Paulo assim decidiu em recente julgamento:
APELAÇÃO – AÇÃO ANULATÓRIA – ISS – Autos de Infração – Multa por falta de livro fiscal – Securitização – Atividade financeira lastreada em garantia para a emissão de debêntures mediante contrato de cessão de ativos mercantis, com cobrança de taxa ou spread – Serviço similar ao descrito no item 10.02, da lista anexa à LC 116/2003 – Falta de tipificação legal – Inexistência das obrigações tributárias principal e acessória – Princípio da legalidade – Sentença reformada para anular os autos de infração, com inversão da sucumbência. Recurso provido.
(TJSP; Apelação Cível 1070169-69.2019.8.26.0053; Relator (a): Octavio Machado de Barros; Órgão Julgador: 14ª Câmara de Direito Público; Foro Central – Fazenda Pública/Acidentes – 8ª Vara de Fazenda Pública; Data do Julgamento: 16/12/2021; Data de Registro: 11/01/2022)
Os fundamentos e precedentes acima expostos nos fazem concluir que as securitizadoras de créditos comerciais ou empresariais não devem se sujeitar à exigência do ISSQN sobre a cessão de direitos creditórios, mas enquanto a jurisprudência não for consolidada nesse sentido, as companhias ficarão expostas ao incômodo de serem autuadas pelas Prefeituras.
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