Crédito garantido por alienação fiduciária prestada por terceiro não se submete à recuperação judicial

22/03/2022

Por Roberto Caldeira Brant Tomaz

Em recente decisão proferida no julgamento do REsp 1938706/SP[1], a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça reafirmou o entendimento de que a ausência de submissão de crédito garantido por alienação fiduciária aos efeitos da recuperação judicial independe da identificação de quem ofereceu o bem em garantia – se o próprio devedor em recuperação ou se um terceiro.

A relatora do caso, Ministra Nancy Andrighi, destacou que “o fato de o bem imóvel alienado fiduciariamente não integrar o acervo patrimonial da devedora não tem o condão de afastar a regra disposta no § 3º do art. 49 da Lei 11.101/05”. O mencionado dispositivo legal estabelece que o crédito de proprietário fiduciário não se submete aos efeitos da recuperação judicial, prevalecendo os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais.

Como se sabe, quando o devedor pede recuperação judicial, as principais consequências – ou “efeitos” – para seus credores são (i) a suspensão imediata das execuções e das medidas de constrição dos bens do devedor e (ii) a repactuação da dívida e das condições de pagamento originais, na forma do plano que vier a ser aprovado.

No entanto, por expressa previsão legal, a suspensão das ações e a novação da dívida não se aplicam aos credores fiduciários, embora o juiz da recuperação judicial possa determinar a suspensão dos atos de constrição que recaiam sobre bens de capital considerados essenciais à manutenção da atividade empresarial (a conceituação de “bens de capital” é assunto para um artigo próprio).

A questão é que alguns juízes começaram a proferir decisões em processos de recuperação judicial declarando como “quirografários” créditos garantidos por alienação fiduciária de bem ofertado por terceiro, sendo este, na maioria das vezes, sócio da empresa em recuperação. Dessa forma, os credores titulares desses créditos ficaram impedidos de cobrar a dívida por vias próprias.

Esse entendimento ganhou força apenas no Tribunal de Justiça de São Paulo, que em 2019 publicou um enunciado com a seguinte orientação: “Inaplicável o disposto no artigo 49, § 3º, da Lei 11.101/05, ao crédito com garantia prestada por terceiro, que se submete ao regime recuperacional, sem prejuízo do exercício, pelo credor, de seu direito contra o terceiro garantidor.” (Enunciado VI do Grupo de Câmaras Reservadas de Direito Empresarial).

Entretanto, o Superior Tribunal de Justiça – que tem a incumbência de uniformizar a interpretação das leis nos tribunais do país – reiterou o posicionamento já adotado em 2016, no julgamento do REsp 1.549.529/SP, no sentido de que o crédito garantido por alienação fiduciária não se submete aos efeitos da recuperação judicial, ainda que o bem objeto da garantia seja de propriedade de terceiros. Em outras palavras: “é irrelevante a identificação do fiduciante ou do fiduciário com o bem imóvel ou o com o próprio recuperando”, pois a lei afasta dos efeitos do plano não apenas o bem alienado fiduciariamente, mas o próprio contrato por ele garantido.

A nosso ver, o entendimento do STJ é mais coerente com a sistemática do instituto da propriedade fiduciária, que consiste em um direito exercido exclusivamente para os fins almejados no contrato que lhe deu causa, em detrimento dos interesses pessoais dos sujeitos envolvidos. Daí porque irrelevante identificar a origem da garantia para que se possa afastar os efeitos da recuperação judicial.

Além disso, a norma não faz nenhuma ressalva quanto à origem da garantia prestada e não prevê nenhuma limitação ao alcance da regra de exclusão dos créditos garantidos por alienação fiduciária dos efeitos da recuperação. Por isso, não há sentido em se impor ao credor proprietário fiduciário a novação da dívida e as demais consequências do processo de soerguimento apenas com base na origem da garantia.

Embora a decisão em análise não tenha sido proferida em sede de recurso repetitivo – que carrega maior força vinculante às decisões dos julgadores das instâncias inferiores – trata-se de um importante precedente para os sujeitos que atuam no mercado de crédito, por prestigiar o consagrado instituto da propriedade fiduciária.

 

[1] REsp 1938706/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 14/09/2021, DJe 16/09/2021.

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