O Tribunal de Justiça de São Paulo (“TJSP”), em recente acórdão proferido em recurso patrocinado pelo Teixeira Fortes, referendou o entendimento de que é válida a propriedade fiduciária sobre direitos de aquisição de imóvel originários de contratos de compromisso de venda e compra não registrados.
Conforme comentado em boletim publicado no dia 06/09/2021[1], o Juiz da Vara Única de Itaí-SP, ao apreciar incidente de cumprimento de sentença, já havia reconhecido que direitos de aquisição de imóvel são considerados coisa móvel fungível, passíveis, portanto, de transferência ao credor com o escopo de garantia e cujo procedimento de execução deve seguir o Código Civil.
Agora, o TJSP, por unanimidade, selou esse entendimento ao destacar que a Lei nº 9.514/1997 é inaplicável na hipótese, uma vez que a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel:
“Importante anotar que, ao contrário do que pretendem os apelantes, resta inaplicável ao caso vertente a Lei 9514/97, uma vez que a alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.
Analisando detidamente os autos, verifica-se que em 21 de agosto de 2018 foi firmado entre as partes ‘Contrato de empréstimo de dinheiro com alienação fiduciária de bem móvel’, onde o valor do empréstimo de R$ 259.991,98 (duzentos e cinquenta e nove mil, novecentos e noventa e um reais e noventa e oito centavos) seria pago pelos apelantes de forma parcelada, nos moldes previstos no contrato acostado às fls. 26/31. (…)
Em garantia ao contrato de empréstimo, os apelantes alienaram os direitos do contrato de compra e venda sobre o imóvel (…)
Assim, tendo a apelada alegado a inadimplência dos apelantes, que, diga-se de passagem, restou incontroversa, bem como constituído os apelantes em mora, resta evidente a aplicação das cláusulas 7ª e 8ª do contrato firmado entre as partes que possuem o seguinte teor:
‘O atraso no pagamento de qualquer parcela implicará em multa, juros e correção monetária estabelecidas no item VII do quadro resumo. Havendo atraso de 7 (sete) dias no pagamento de qualquer parcela, o DEVEDOR será intimado por email, telegrama ou carta registrada para a entregar a posse direta da Garantia à CREDORA, no prazo de 5 (cinco) dias, sob pena de: (I) pagamento da multa diária estabelecida no item VII do quadro resumo e (II) de se sujeitar a ação de reintegração de posse, com pedido liminar’. (…)”. (grifou-se)
A decisão é extremamente importante, porque, para fundamentar o seu voto, o Relator do recurso levou em consideração todas as peculiaridades da operação – cláusulas contratuais e normas específicas ao caso –, algo fundamental para a formação de jurisprudência qualificada em favor da credora fiduciária, visto que esse acórdão vem servindo de parâmetro para outros julgamentos em casos semelhantes. Vejamos:
“(…) Inicialmente, importante esclarecer que restam inaplicáveis ao caso concreto as disposições da Lei nº 9.514/97, uma vez que a referida legislação específica regula a alienação fiduciária através da qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel. Analisando detidamente os autos, verifica-se, por outro lado, que o ajuste celebrado entre as partes decorreu de ‘contrato de empréstimo de dinheiro com alienação fiduciária de bem móvel’, através do qual o valor do mútuo de R$314.230,29 (trezentos e quatorze mil, duzentos e trinta reais e vinte e nove centavos) deveria ser pago pela requerida de forma parcelada, e, em garantia ao contrato de empréstimo, a ré alienou os direitos do contrato de compra e venda sobre o imóvel ‘lote 13, da Quadra HX, do Empreendimento Riviera de Santa Cristina XIII, Setor Iate, e construções/benfeitorias nele existentes e que vierem a ser incorporadas’, nos moldes previstos no instrumento acostado às fls. 37/42. (…)
Assim, restando configurada a inadimplência da ré, bem como havendo prova de sua constituição em mora, resta evidente a aplicação das Cláusulas 7ª e 8ª do contrato firmado entre as partes, as quais possuem, respectivamente, o seguinte teor:
(…) Nesse sentido, inclusive, entendimento do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em caso semelhante ao presente:
‘APELAÇÃO – AÇÃO DE REINTEGRAÇÃO DE POSSE – SENTENÇA DE PROCEDÊNCIA. Argumentos dos réus que não convencem – ‘Contrato de empréstimo de dinheiro com alienação fiduciária de bem móvel’ – Direitos do Contrato de Compra e venda do lote descrito na inicial é o objeto da garantia – Repasse realizado pela autora do valor do empréstimo à administradora dos recursos conforme contrato firmado entre as partes Inadimplência incontroversa dos réus – Eventual ausência de repasse da administradora aos réus, deve ser buscada em ação própria. SENTENÇA MANTIDA RECURSO DESPROVIDO’.
(TJSP. Apelação nº 1006547-35.2019.8.26.0079. 37ª Câmara de Direito Privado. Relator(a): Sérgio Gomes. Data do Julgamento: 03/03/22. DJe 03/03/22)
Outrossim, conforme se depreende do instrumento de fls. 37/42, a autora possui em garantia de alienação fiduciária os direitos que a ré possui em relação ao imóvel anteriormente descrito, ou seja, possui direito pessoal e não real, tudo de acordo com a Cláusula ‘VI’ do ajuste contratual – fl. 39. Nada obstante, considerando a inadimplência da parte requerida, sua posse direta tornou-se injusta na modalidade precária e de má-fé, portanto, tratando-se apenas do desdobramento da posse, possível a reintegração da autora para oportunizar a alienação dos direitos da ré. Logo, a procedência do pedido é medida que se impõe”. (grifou-se)[2]
Vale ressaltar, ainda, que a tese recentemente acolhida pelo TJSP chancelou o entendimento já esposado pelo Professor Nelson Nery Júnior, em Parecer Jurídico anexado aos autos em comento, sobre a validade da propriedade fiduciária sobre direitos de aquisição de imóvel originários de contratos de compromisso de venda e compra não registrados.
Assim, para todos os efeitos, nos termos do entendimento fixado pelo TJSP e pelo Professor Nelson Nery, é absolutamente válida e eficaz a propriedade fiduciária sobre direitos de compra de imóvel, sendo a ação de reintegração de posse a medida adequada e cabível a ser manejada pelo credor fiduciário contra o devedor fiduciante.
[1] Judiciário chancela alienação fiduciária de direitos – Teixeira Fortes Advogados Associados
[2] Ação de reintegração de posse nº 1000488-07.2021.8.26.0420, em trâmite perante a Vara Única de Paranapanema-SP.
01 outubro, 2024
23 setembro, 2024
27 agosto, 2024
26 agosto, 2024
O boletim Vistos, etc. publica os artigos práticos escritos pelos advogados do Teixeira Fortes em suas áreas de atuação. Se desejar recebê-lo, por favor cadastre-se aqui.