A Constituição Federal resguarda a inviolabilidade aos direitos fundamentais de todo brasileiro ou estrangeiro residente no País, entre eles a liberdade de expressão, intimidade, privacidade e o sigilo das comunicações.
Diante da modernização, tecnologia e velocidade da informação, é necessário que esses direitos constitucionais transcendam também para o mundo digital. Qual é a garantia que o emissor de uma mensagem do WhatsApp, aplicativo de conversa instantânea mais utilizado mundialmente, tem de que o conteúdo por ele emitido será mantido em sigilo? E se divulgado, quais as sanções para o receptor do conteúdo que indevidamente o divulgou?
Por parte da plataforma WhatsApp, o sigilo da comunicação é garantido pela chamada “criptografia de ponta a ponta”[1]. Por esse sistema, apenas o remetente e o destinatário do conteúdo (mensagens, áudios, fotos, vídeos, localização e chamadas) têm acesso ao que foi enviado.
Terceiros, inclusive o próprio WhatsApp ou sua controladora Facebook, não conseguem acessar o conteúdo (ao menos em teoria). O sigilo é tão garantido pela plataforma que nem mesmo por determinação judicial o acesso é possível. Em recurso dirigido ao Superior Tribunal de Justiça, a imposição de multa ao WhatsApp por não divulgar conteúdo solicitado judicialmente foi afastada, justamente pela impossibilidade técnica de cumprimento da determinação[2].
E por parte do destinatário do conteúdo, como o sigilo é garantido?
Infelizmente, não há como garantir que o destinatário não divulgue publicamente o conteúdo recepcionado, mas há como responsabilizá-lo por eventual dano decorrente da divulgação. É o que decidiu o Superior Tribunal de Justiça no Recurso Especial nº 1.903.273 – PR, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi.
O autor da ação, membro da diretoria de um time de futebol, ajuizou ação de indenização por dano moral após conversas trocadas em um grupo de WhatsApp do qual era membro serem divulgadas por um outro integrante do grupo, tornando-a assunto midiático nas redes sociais e na imprensa.
Após a divulgação das mensagens, a imprensa e torcedores do clube imputaram ofensas e injúrias contra o autor e demais membros do grupo, obrigando-o a pedir licença do seu cargo por pressão. Evidentemente, a situação culminou em abalo moral ao autor, que se viu licenciado de seu cargo, estampado em páginas de jornais e redes sociais, manchando toda a história até então construída.
A ação foi julgada procedente, condenando o réu ao pagamento de indenização por dano moral. A sentença foi confirmada pelo Tribunal de Justiça do Paraná.
Irresignado com os termos do acórdão que manteve a sentença de condenação, o réu interpôs Recurso Especial a fim de que o Superior Tribunal de Justiça analisasse a matéria.
Naquele julgado, o STJ ponderou que “ao enviar mensagem a determinado ou determinados destinatários via WhatsApp, o emissor tem a expectativa de que ela não será lida por terceiros, quanto menos divulgada ao público, seja por meio de rede social ou da mídia. Essa expectativa advém não só do fato de ter o indivíduo escolhido a quem enviar a mensagem, como também da própria encriptação a que estão sujeitas as conversas… se a sua intenção fosse levar ao conhecimento de diversas pessoas o conteúdo da mensagem, decerto teria optado por uma rede social restrita ou mesmo repassado a informação à mídia para fosse divulgada”.
Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça, divulgar o conteúdo trocado estritamente entre as partes (emissor e receptor), mesmo que advindos de um grupo com diversos participantes, viola a legítima expectativa, a privacidade e a intimidade do emissor, gerando o dever de indenizar.
Para que haja o dever de indenizar, contudo, não basta a publicação do conteúdo recepcionado, caracterizado como “ato ilícito” na teoria do dano. É necessário que o ato ilícito coexista com outros dois requisitos: o “dano” (prejuízo experimentado pela vítima) e o “nexo de causalidade” entre os dois elementos. Apenas se presentes os três requisitos (ato ilícito, dano e nexo de causalidade), haverá o dever de indenizar.
Consigne-se, contudo, que o sigilo do conteúdo do WhatsApp não é absoluto. Segundo entendimento exarado pelo julgado do STJ, o sigilo poderá ser mitigado “quando a exposição das mensagens tiver como objetivo resguardar um direito próprio do receptor. Nesse caso, será necessário avaliar as peculiaridades concretas para fins de decidir qual dos direitos em conflito deverá prevalecer”: o direito à legítima expectativa, privacidade e intimidade do emissor ou o direito à liberdade de informação do receptor.
Certo é que, apesar da facilidade das mensagens instantâneas, usadas por pessoas físicas e jurídicas, para trabalho, lazer ou mero meio de comunicação, necessário se atentar ao sigilo do conteúdo recepcionado, a fim de evitar que a publicização sem prévia autorização gere o dever de indenizar, como reconheceu o STJ.
[1] Definição de criptografia de ponta a ponta: O WhatsApp define criptografia de ponta a ponta como comunicações que permanecem criptografadas em um dispositivo controlado pelo remetente para um dispositivo controlado pelo destinatário do qual terceiros não podem acessar esse conteúdo, nem mesmo o WhatsApp ou a empresa controladora Facebook. Um terceiro nesse contexto significa qualquer organização que não seja o remetente ou destinatário que participa diretamente da conversa – disponível na Visão Geral da Criptografia do WhatsApp
[2] STJ, AgRg no REsp 1871695/RO, Quinta Turma, Min. Rel. Ribeiro Dantas, julgado em 04/05/2021, publicado em 10/05/2021.
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