Bloqueio de passaporte e medidas atípicas são tema em pauta no STJ

25/05/2022

Por Isabela Almeida Rodrigues

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, passou a vigorar o artigo 139, inciso IV, o qual determina que compete ao Juiz determinar todas as medidas “indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária”.

Esse mesmo Código instituiu, em seu artigo 6º, que os processos serão regidos pelo princípio da cooperação, e determinou que todas as partes do processo devem cooperar entre si para a solução e a duração razoável da controvérsia.

A partir disso, muitos credores, vítimas de devedores inidôneos, vislumbraram a possibilidade de requerer medidas coercitivas atípicas para a satisfação de seus créditos, as quais não estão previstas expressamente na legislação, mas podem ser sugeridas com fundamento no princípio da efetiva prestação jurisdicional. Os exemplos mais comuns são o bloqueio de cartões de crédito, da carteira nacional de habilitação ou do passaporte, entre outras.

Os Tribunais, então, passaram a se deparar com inúmeros pedidos inéditos para a coerção dos devedores, os quais geraram dúvidas sobre a possibilidade de aplicação, a efetividade e os requisitos para tais medidas coercitivas atípicas.

Como é comum no Direito Brasileiro de hoje, cada Tribunal formou um entendimento peculiar sobre a validade e os requisitos para aplicação dessas medidas, a partir dos casos submetidos à sua apreciação. Câmaras de um mesmo Tribunal também têm divergências importantes.

A título de exemplo, a 38ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de São Paulo, ao julgar o Agravo de Instrumento n.º 2065763-79.2021.8.26.0000, indeferiu os pedidos de suspensão da carteira nacional de habilitação, apreensão de passaporte e bloqueio de cartão de crédito e dos serviços de telefonia/internet fixa e móvel dos devedores, por entender que “tais medidas não demonstram utilidade prática para a satisfação do crédito perseguido e, ainda, afrontam os artigos 8º e 805, ambos do CPC, já que não observam a razoabilidade e a proporcionalidade necessárias para resguardar a dignidade da pessoa da executada e garantir que a execução ocorra pelo meio menos gravoso”.

Já a 24ª Câmara de Direito Privado do mesmo Tribunal, deu parcial provimento a um recurso (Agravo de Instrumento n.º 2139283-72.2021.8.26.0000), para deferir o bloqueio dos cartões de crédito do devedor, visto que “a despeito de não ostentar caráter patrimonial direto, trata-se de medida apta a impedir o maior endividamento do executado”.

Noutra sorte, a 17ª Câmara de Direito Privado também do Egrégio Tribunal do Estado de São Paulo, deu parcial provimento ao Agravo de Instrumento n.º 2175141-67.2021.8.26.0000 para determinar apenas a suspensão da carteira nacional de habilitação do devedor, por considerar a medida “útil e legítima para garantir a efetividade do processo” e julgar o bloqueio de cartões de crédito desproporcional.

Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Paraná passou a admitir a aplicação de medidas coercitivas atípicas apenas em face do “devedor profissional”, que consegue blindar seu patrimônio e possui um padrão de vida que não condiz com a inadimplência[1]. Tudo isso a demonstrar que o entendimento acerca do cabimento e da forma de aplicação das medidas coercitivas atípicas é uma verdadeira incógnita para o Poder Judiciário.

O Colendo Superior Tribunal de Justiça já se mostrou a favor das medidas coercitivas atípicas, desde que estas sejam utilizadas para coerção do devedor ao pagamento e não punição pela inadimplência.

A Terceira Turma daquela Corte Superior fixou algumas premissas, como: (i) a necessidade de indícios de patrimônio apto a cumprir com a obrigação; (ii) a utilização subsidiária das medidas coercitivas atípicas, após a exaustão das medidas típicas para a satisfação do crédito; e (iii) a observância dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e menor onerosidade do devedor, que serão analisados em cada caso concreto[2].

Entretanto, devido à ausência de entendimento jurisprudencial pacificado, os Tribunais estaduais permanecem decidindo de forma divergente sobre o tema, por vezes indeferindo a aplicação de medidas coercitivas atípicas mesmo quando demonstrados os requisitos pré-estabelecidos por aquela Corte Superior.

Esta realidade foi enfrentada pelo Superior Tribunal de Justiça ao receber para julgamento os Recursos Especiais n.º 1.955.539 e 1.955.574, ambos interpostos pelo Banco Daycoval S/A, em face de acórdãos proferidos nos autos dos Agravos de Instrumento n.º 2272477-42.2019.8.26.0000, da 24ª Câmara de Direito Privado, e n.º 2041664-45.2021.8.26.0000, da 22ª Câmara de Direito Privado, ambos julgados pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em que foram indeferidos os pedidos de: (i) suspensão da carteira nacional de habilitação da parte executada, (ii) bloqueio de todos os cartões de crédito; e (iii) restrição de seus passaportes.

À vista disso, em acórdão proferido em 29 de março e publicado em 07 de abril de 2022, a Segunda Seção do Colendo Superior Tribunal de Justiça decidiu pela afetação do Tema, autuado sob o n.º 1.137, para julgar estes Recursos como representativos da controvérsia e com isso, com efeito vinculante a todos os Tribunais do País, “definir se, com esteio no art. 139, IV, do CPC/15, é possível, ou não, o magistrado, observando-se a devida fundamentação, o contraditório e a proporcionalidade da medida, adotar, de modo subsidiário, meios executivos atípicos”.

Diante da relevância do Tema, em atenção ao artigo 1.037 do Código de Processo Civil, determinou-se a suspensão de todos os processos versando sobre o tema, e ainda facultou-se a participação da Federação Brasileira de Bancos (FEBRABAN), do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC), e outras entidades vinculadas ao direito do consumidor, como amici curiae.

A Associação Brasileira de Direito Processual (ADBPRO) demonstrou interesse em atuar como amicus curiae e defendeu sua participação com fundamento em sua abrangência nacional e autorização estatutária para atuar como amicus curiae “com o escopo de contribuir para a solução de demandas envolvendo matéria processual”. Entretanto, seu pedido de participação ainda não foi apreciado pela Corte Superior.

Ante o cenário exposto, atualmente estamos aguardando e acompanhando o julgamento do relevante Tema n.º 1.137, com o qual o Colendo Superior Tribunal de Justiça, auxiliado por entidades especializadas, decidirá sobre a possibilidade de aplicação e os requisitos para as medidas coercitivas atípicas, relevantes para a imposição do pagamento ao devedor contumaz, que em geral ostenta vida luxuosa em detrimento aos seus credores, e perseguição do crédito de nossos clientes.

 

[1] Agravo de Instrumento 0041463- 42.2016.8.16.0000, 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, Relator: Desembargados Themis de Almeida Furquim Cortes, Data do Julgamento: 22/02/2017.

[2] Recurso Especial n.º 1.894.170/RS, Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Data do Julgamento: 27/10/2020; Agravo Interno no Recurso Especial n.º 1.930.022/SP, Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relator: Marco Aurélio Bellizze, Data do Julgamento: 22/06/2021; Recurso Especial n.º 1.788.950/MT, Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Ministra Nancy Andrighi, Data do Julgamento: 23/04/2019.

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