Suspensão de execuções por cautelar antecedente à recuperação judicial não pode ultrapassar 60 dias

31/08/2022

Por Roberto Caldeira Brant Tomaz

A Lei de Recuperação Judicial e Falência sofreu diversas alterações pela Lei nº 14.114 de 2020. Dentre as novidades inseridas, destaca-se a possibilidade de o devedor em dificuldade financeira comprovada obter judicialmente uma “tutela de urgência cautelar”, visando a impedir o prosseguimento das ações de execução movidas contra si, por um período de 60 dias, enquanto negocia com seus credores[1]. Embora a lei seja clara quanto à improrrogabilidade desse prazo, alguns juízes não estão obedecendo essa regra.

A novidade introduzida pela Lei nº 14.114 de 2020 se trata de uma fase processual prévia ao eventual pedido de recuperação judicial, em que ainda não há realização de Assembleia, nem votação de um plano de restruturação; o foco dessa nova fase são as tratativas de acordo entre o devedor e os credores, que devem ocorrer em procedimentos de mediação ou conciliação já instaurados antes do pedido cautelar.

Deferida a tutela cautelar requerida pelo devedor, nada impede que o devedor, mesmo obtendo um acordo, decida posteriormente se valer do pedido de recuperação judicial. Nesse caso, o credor ficará sujeito aos efeitos da recuperação judicial, independentemente de ter transacionado com o devedor ou não, mas, para evitar um ônus ainda maior para o credor, a lei prevê que, se o pedido de recuperação judicial ocorrer em até 360 dias após a celebração do acordo, o crédito será reconstituído às condições originalmente contratadas.

Ou seja, se na fase pré-processual o credor chegar a um acordo com o devedor e aceitar receber menos pelo seu crédito, em sobrevindo pedido de recuperação judicial, a dívida voltará ao valor original, desde que o ajuizamento do processo recuperacional se dê em até 360 dias da formalização do acordo.

Há, porém, uma limitação expressa em relação ao período de suspensão das execuções na vigência da tutela cautelar: a Lei prevê que o prazo máximo é de 60 dias, improrrogáveis. Essa limitação deve ser interpretada de forma literal, caso contrário, eventual permissão de extrapolamento desse prazo configurará inegável descumprimento da norma, que é taxativa.

Marcelo Barbosa Sacramone faz pertinente observação sobre essa questão:

“A limitação legal impede que o prazo seja prorrogado. Isso porque, do contrário, o devedor poderá valer-se das medidas cautelares ininterruptamente, alijando os credores do regular exercício de seu direito para serem satisfeitos.”[2]

Ainda assim, desde a alteração legislativa, encontra-se decisões judiciais em sentido oposto, isto é, autorizando a prorrogação do prazo de suspensão de execuções contra o devedor em negociação com credores, geralmente para 120 dias, sob o escopo da “preservação da empresa”.

No entanto, em recente decisão proferida pelo Tribunal de Justiça de São Paulo[3], essa desacertada prorrogação do prazo legal foi revogada no contexto de uma tutela cautelar que já durava mais de 270 dias, período em que o credor ficou impedido de executar a dívida, mesmo não chegando as partes a um acordo no prazo máximo de 60 dias previsto na lei, tampouco havendo o ajuizamento de pedido de recuperação judicial pelo devedor, causando uma situação de evidente insegurança e instabilidade, além do prolongamento da própria inadimplência.

No caso, a instituição financeira, que detinha um crédito que sequer compunha uma das classes de credores atingidas pela decisão de suspensão, recorreu ao Tribunal, alcançando, ao final do julgamento, a extinção total da tutela cautelar e a autorização para voltar a executar seus créditos contra aquele devedor.

Na decisão, proferida pela 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, os desembargadores reforçaram a improrrogabilidade do prazo legal de suspensão:

“O texto positivado, é certo, precisa ser interpretado restritivamente, sendo perceptível a preocupação do legislador em evitar abusos, criadas limitações que não podem ser deixadas de lado, dada a natureza eminentemente efêmera da suspensão prevista, a qual não comporta uma ampliação temporal ou em seu conteúdo.”

Os julgadores chamaram a atenção para a falta de empenho do devedor em empreender tratativas concretas com os credores durante o período em que as execuções se mantiveram suspensas por força da tutela cautelar:

“Na espécie, contudo, ultrapassado um lapso temporal superior a nove meses desde o deferimento da tutela cautelar em apreço, nada foi anunciado quanto à celebração de transações individuais ou acerca da utilização efetiva dos instrumentos jurídicos e processuais disponibilizados pela Lei 11.101, permanecendo suspensa a eficácia de créditos sem qualquer atuação efetiva da devedora, ganhando o comando judicial eminentemente provisório um indevido caráter de perenidade, como se fosse possível permanecer a recorrida imune a sua responsabilidade patrimonial.”

Portanto, embora a Lei seja categórica – como visto – quanto ao prazo de 60 dias para as negociações antecedentes à recuperação judicial, é possível se deparar com pronunciamentos divergentes no Judiciário, razão pela qual é importante que o credor se resguarde em relação ao prazo legal, caso veja a exigibilidade de seus créditos ser suspensa por período superior ao limite legal.

 

[1] Art. 20-B. Serão admitidas conciliações e mediações antecedentes ou incidentais aos processos de recuperação judicial, notadamente:
[…]
IV – na hipótese de negociação de dívidas e respectivas formas de pagamento entre a empresa em dificuldade e seus credores, em caráter antecedente ao ajuizamento de pedido de recuperação judicial.
[…]
§ 1º Na hipótese prevista no inciso IV do caput deste artigo, será facultado às empresas em dificuldade que preencham os requisitos legais para requerer recuperação judicial obter tutela de urgência cautelar, nos termos do art. 305 e seguintes da Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015 (Código de Processo Civil), a fim de que sejam suspensas as execuções contra elas propostas pelo prazo de até 60 (sessenta) dias, para tentativa de composição com seus credores, em procedimento de mediação ou conciliação já instaurado perante o Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc) do tribunal competente ou da câmara especializada, observados, no que couber, os arts. 16 e 17 da Lei n. 13.140, de 26 de junho de 2015.
[…]
§ 3º Se houver pedido de recuperação judicial ou extrajudicial, observados os critérios desta Lei, o período
de suspensão previsto no § 1º deste artigo será deduzido do período de suspensão previsto no art. 6º desta Lei.

[2] SACRAMONE, Marcelo Barbosa. Comentários à lei de recuperação de empresas e falência. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2021, p. 153

[3] TJSP; Agravo de Instrumento 2246437-52.2021.8.26.0000; Relator (a): Fortes Barbosa; Órgão Julgador: 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Foro Central Cível – 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais; Data do Julgamento: 24/03/2022; Data de Registro: 24/03/2022.

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