Consultora especializada de FIDC não pode ser responsabilizada perante a cedente pela existência do crédito cedido

08/09/2022

Por Rosana da Silva Antunes Ignacio

Em processo com atuação do Teixeira Fortes, uma cedente de créditos a Fundo de Investimento em Direitos Creditórios buscou afastar seu dever de recompra alegando que a responsabilidade pela existência dos direitos creditórios cedidos seria da consultora do Fundo.

Os créditos cedidos eram representados por cheques, que foram sustados pelo devedor. Segundo a autora da ação, a consultora do fundo tinha a atribuição de conferir a validade dos títulos, assumindo, assim, a responsabilidade pelos vícios de origem. Os pedidos foram julgados improcedentes. Ao julgar o recurso de apelação 1011322-93.2020.8.26.0100, a 22ª Câmara de Direito Privado do TJSP acertadamente concluiu que “a responsabilidade pela validade do lastro dos créditos e respectiva existência e adimplemento é da cedente, não podendo ser imputada ao fundo de investimento em direitos creditórios”, e reformou a sentença proferida, consoante ementa a seguir:

“APELAÇÃO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXIGIBILIDADE DE DÉBITO C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. CONTRATO DE CESSÃO DE CRÉDITO FIRMADO COM FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS. LICITUDE DA COBRANÇA REGRESSIVA. TÍTULOS DE CRÉDITOS CEDIDOS, SUSTADOS POR FURTO E ROUBO. AUTOR E RÉS VÍTIMAS DE ESTELIONATO. RESPONSABILIDADE DO CEDENTE PELO INADIMPLEMENTO DO SACADO PREVISTA CONTRATUALMENTE. CLÁUSULA DE RECOMPRA QUE NÃO É ABUSIVA. ASSUNÇÃO DE RESPONSABILIDADE FIRMADA DE ACORDO COM O DISPOSTO NO ART. 296 DO CÓDIGO CIVIL. NATUREZA JURÍDICA DA OPERAÇÃO DE SECURITIZAÇÃO DE RECEBÍVEIS E NÃO DE FACTORING. RÉS QUE NÃO DESCUMPRIRAM O CONTRATO, COMO TAMPOUCO PRESTARAM DE FORMA DEFEITUOSA O SERVIÇO. AUTORA QUE NÃO COMPROVOU O FATO CONSTITUTIVO DE SEU DIREITO. INEXISTÊNCIA DE PROVAS DE QUE AS RÉS TENHAM AGIDO EM CONLUIO COM O ESTELIONATÁRIO OU QUE TENHAM DADO CAUSA AO EVENTO DANOSO. SERVIÇO DE CONSULTORIA ESPECIALIZADA DE ANÁLISE E SELEÇÃO DE DIREITOS CREDITÓRIOS PARA INTEGRAREM A CARTEIRA DO FUNDO, LEVANDO-SE EM CONTA O RISCO DE CRÉDITO DOS CESSIONÁRIOS, ISTO É, A QUALIDADE DA CARTEIRA DE RECEBÍVEIS. OPERAÇÃO ENTRE CEDENTE E O SACADO QUE TINHA LASTRO, DECORRENTE DA VENDA DE CARNE, QUE DEU ORIGEM AO CRÉDITO. RESPONSABILIDADE DO CEDENTE PELA SOLVÊNCIA, VALIDADE DO LASTRO DO CRÉDITO E SUA EXISTÊNCIA. SENTENÇA REFORMADA. – RECURSO PROVIDO.”

A Instrução CVM 356 estabelece que a consultora especializada é contratada pela administradora do FIDC para “dar suporte e subsidiar o administrador e, se for o caso, o gestor, em suas atividades de análise e seleção de direitos creditórios para integrarem a carteira do fundo”[1]. Como bem observou o desembargador relator Edgard Rosa, “a consultora não possui obrigação para com o cedente, mas sim com a administradora”.

De fato, a consultora especializada deve analisar se os direitos creditórios cedidos obedecem aos critérios de elegibilidade determinados pela política de investimento prevista no regulamento do FIDC[2], que, nas palavras da Corte Paulista, corresponde a “examinar se tais títulos mostram-se aptos a ser adquiridos pelo FIDC,” pois, desde que prevista no regulamento, a verificação do lastro dos direitos creditórios adquiridos poderá ser feita por amostragem.[3]

Dessa forma, não se vislumbra inadimplemento contratual da consultora especializada, ou do FIDC, que “não se obrigaram, perante a autora, a verificar a origem ou licitude do título de crédito”, conforme destacou a turma julgadora.

Se a cedente vendeu direitos creditórios com vícios ao FIDC, é exclusivamente dela o dever indenizar o cessionário prejudicado pela operação realizada[4], evitando-se assim o seu enriquecimento sem causa[5].

 

[1] ICVM, artigo 39. A instituição administradora pode, sem prejuízo de sua responsabilidade e do diretor ou sócio-gerente designado, mediante deliberação da assembleia geral de condôminos ou desde que previsto no regulamento do fundo, contratar serviços de:
I – consultoria especializada, que objetive dar suporte e subsidiar o administrador e, se for o caso, o gestor, em suas atividades de análise e seleção de direitos creditórios para integrarem a carteira do fundo…

[2] ICVM, artigo 24. O regulamento do fundo deve prever, no mínimo, o seguinte:
(…) V – política de investimento, discriminando inclusive:
a) os critérios de elegibilidade…

[3] ICVM, artigo 38, O custodiante é responsável pelas seguintes atividades:
I – validar os direitos creditórios em relação aos critérios de elegibilidade estabelecidos no regulamento;
II – receber e verificar a documentação que evidencia o lastro dos direitos creditórios representados por operações financeiras, comerciais e de serviços…
(…) VII, parágrafo 1º. Em fundos em que haja significativa quantidade de créditos cedidos e expressiva diversificação de devedores, o custodiante poderá realizar a verificação do lastro dos direitos creditórios referida nos incisos II e III por amostragem, desde que tal faculdade esteja prevista no regulamento do fundo, observado o disposto no § 13.

[4] Código Civil, artigo 295. Na cessão por título oneroso, o cedente, ainda que não se responsabilize, fica responsável ao cessionário pela existência do crédito ao tempo em que lhe cedeu; a mesma responsabilidade lhe cabe nas cessões por título gratuito, se tiver procedido de má-fé.

[5] Código Civil, artigo 884: Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários.

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