STJ reputa como fraude à execução a transferência de imóvel a descendente mesmo sem prévia averbação da penhora

03/11/2022

Por Antônio Carlos Magro Júnior

O artigo 789 do Código de Processo Civil dispõe que “o devedor responde com todos os seus bens presentes e futuros para o cumprimento de suas obrigações”.

No vizinho artigo 790, por sua vez, verificamos quais seriam os tais bens sujeitos a constrições em favor dos credores. Dentre as hipóteses previstas, estão aqueles que foram “alienados ou gravados com ônus real em fraude à execução” (inciso V) [1] , ou seja, os bens que, sendo de propriedade do devedor, foram por ele transferidos a terceiros, gratuita ou onerosamente, seja em caráter definitivo ou para fins de constituição de garantias.

Desde 2009, existe o entendimento no Superior Tribunal de Justiça de que a fraude à execução, quando se referir a bem imóvel, dependeria de prévio registro de constrição judicial na matrícula imobiliária (penhora) ou de prova de má-fé do terceiro adquirente, conforme enunciado 375 da Súmula do STJ.

Esse entendimento – a respeito do registro da penhora na matrícula e da má-fé do adquirente – também se encontra previsto na Lei Federal n° 13.097, de 19 de janeiro de 2015, e foi reforçado por recente alteração, promovida pela Lei n° 14.382, de 27 de junho de 2022, que dispensou a prévia obtenção de certidões processuais em negócios imobiliários (vide art. 54, § 2º, da Lei n° 13.097).

Em recente decisão do STJ, esta Corte definiu que outra situação é capaz de configurar a fraude à execução por presunção de má-fé: a alienação de imóvel a descendente com o objetivo de blindar o patrimônio, independentemente de registro prévio da penhora na matrícula imobiliária.

Esse entendimento consta do acórdão relatado pela Ministra Nancy Andrighi, por ocasião do julgamento do Recurso Especial nº 1.981.646/SP. A propósito, vejamos a ementa, ou seja, a síntese do essencial dessa decisão, com os devidos destaques:

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO. DAÇÃO EM PAGAMENTO DE IMÓVEL PELO DEVEDOR INSOLVENTE EM FAVOR DE DESCENDENTE MENOR. DESNECESSIDADE DA EXISTÊNCIA DE AVERBAÇÃO DA PENHORA OU DA EXECUÇÃO NA MATRÍCULA DO IMÓVEL OU DE PROVA DA MÁ-FÉ. (…)

2. O propósito recursal consiste em definir se a averbação da penhora ou da pendência de ação de execução na matrícula do bem ou a prova da má-fé é requisito imprescindível para a caracterização de fraude à execução na hipótese de transferência de imóvel pelo devedor a seu descendente.(…)

5. Esta Corte tem entendimento sedimentado no sentido de que a inscrição da penhora no registro do bem não constitui elemento integrativo do ato, mas sim requisito de eficácia perante terceiros. (…)

6. Por outro lado, se o bem se sujeitar a registro e a penhora ou a execução não tiver sido averbada, tal circunstância não obsta, prima facie, o reconhecimento da fraude à execução. Na hipótese, entretanto, caberá ao credor comprovar a má-fé do terceiro (…).

7. Entretanto, essa proteção não se justifica quando o devedor procura blindar seu patrimônio dentro da própria família mediante a transferência de bem para seu descendente, sobretudo menor, com objetivo de fraudar execução já em curso. Nessas situações, não há importância em indagar se o descendente conhecia ou não a penhora sobre o imóvel ou se estava ou não de má fé. Isso porque o destaque é a má-fé do devedor que procura blindar seu patrimônio dentro da própria família.

Trata-se de importante precedente em favor dos credores, já que essa situação de alienação de bens imóveis pelo devedor a seus descendentes, seja via dação em pagamento, tal como se deu no caso acima analisado, ou mesmo por meio de doação ou venda e compra, corriqueiramente se verifica na prática.

 

[1] Conforme o artigo 790, V, do Código de Processo Civil.

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