TJ autoriza rescisão de Termo de Ajustamento de Conduta por mudança da lei

10/11/2022

Por Patricia Costa Agi Couto

Um Termo de Ajustamento de Conduta-TAC é um compromisso assumido perante órgãos públicos, mais comumente perante o Ministério Público, para ajuste de condutas em harmonia com a lei. Como definido pelo art. 5º, §6º, da Lei Federal nº 7.347, de 24 de julho de 1985, que disciplina a Ação Civil Pública, “os órgãos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial”.

Questiona-se se, uma vez firmado um TAC, ele seria imutável ou, se uma lei nova, que legitime a conduta tida por contrária à lei, pode fazer com que o ajuste seja revisto. A resposta é afirmativa: a inovação legislativa pode autorizar a anulação/revisão de um Termo de Ajustamento de Conduta, como se verá em seguida.

Em caso representado pelo Teixeira Fortes, uma administradora de loteamentos havia firmado, décadas atrás, um Termo de Ajustamento de Conduta com o Ministério Público, comprometendo-se a se abster da cobrança das taxas de conservação em novos loteamentos que viesse a implantar.

Com o advento da Lei Federal nº 13.465, de 11 de julho de 2017, mais especificamente o seu art. 78, foi instituído o “loteamento de acesso controlado” e incluído o § 8º ao art. 2º da Lei do Parcelamento do Solo Urbano (Lei nº 6.766/79), que dispõe que “Constitui loteamento de acesso controlado a modalidade de loteamento, definida nos termos do § 1º deste artigo, cujo controle de acesso será regulamentado por ato do poder público Municipal, sendo vedado o impedimento de acesso a pedestres ou a condutores de veículos, não residentes, devidamente identificados ou cadastrados.”.

O legislador, ainda pelo art. 78 da Lei nº 13.465, também introduziu o art. 36-A à Lei nº 6.766, que versa sobre a administração de loteamentos de acesso controlado por entidades civis e vinculação dos titulares de lotes ao custeio da sua manutenção:

“As atividades desenvolvidas pelas associações de proprietários de imóveis, titulares de direitos ou moradores em loteamentos ou empreendimentos assemelhados, desde que não tenham fins lucrativos, bem como pelas entidades civis organizadas em função da solidariedade de interesses coletivos desse público com o objetivo de administração, conservação, manutenção, disciplina de utilização e convivência, visando à valorização dos imóveis que compõem o empreendimento, tendo em vista a sua natureza jurídica, vinculam-se, por critérios de afinidade, similitude e conexão, à atividade de administração de imóveis.

Parágrafo único. A administração de imóveis na forma do caput deste artigo sujeita seus titulares à normatização e à disciplina constantes de seus atos constitutivos, cotizando-se na forma desses atos para suportar a consecução dos seus objetivos.”

Assim, diante da mudança legislativa, a administradora de loteamentos pleiteou, judicialmente, a rescisão do TAC outrora firmado, uma vez que a lei em vigor expressamente permite aquilo que se proibira décadas atrás.

Demonstrou-se que o Termo de Ajustamento de Conduta é uma modalidade de negócio jurídico e, por isso, rege-se pelo princípio jurídico do tempus regit actum (o tempo rege o ato), que impõe sua disciplina pela lei vigente ao tempo de seu ajuste. Isso porque uma lei nova pode ter incidência imediata sobre as relações jurídicas continuativas (ou de trato sucessivo), que contemplam obrigações que se protraem no tempo. Essa regra elementar de direito intertemporal constitui, assim, premissa essencial para determinar os efeitos de uma lei nova ou de uma alteração de entendimento na jurisprudência sobre as obrigações estipuladas nos TACs firmados anteriormente.

É por esses motivos que um TAC pode ser rescindido, revisto ou anulado, se as circunstâncias fático-jurídicas eram diversas da realidade legislativa atual. Sobre o tema, lecionou o jurista Hugo Nigro Mazzilli [1] que “… havendo necessidade de rescindir o compromisso de ajustamento, sujeita-se sua rescisão aos mesmos critérios da rescisão dos atos jurídicos em geral, ou seja: a) voluntariamente, pelo mesmo procedimento pelo qual foi feito; b) ou contenciosamente, por meio de ação anulatória.”

No caso objeto da análise, o Tribunal de Justiça de São Paulo, julgando o Recurso da Apelação nº 1125969-04.2020.8.26.0100, refutou as alegações do Ministério Público, que defendeu a validade do Termo de Ajustamento de Conduta por ser fruto da vontade das partes e ato jurídico perfeito, confirmou a decisão de primeira instância e rescindiu o TAC, asseverando que fato superveniente autoriza a rescisão do Termo de Ajustamento de Conduta e que a Lei nº 6.766, ao tempo da contratação, não regulamentava a matéria hoje tratada no seu art. 36-A, conforme ementa do acórdão proferido:

“Apelação – Ação Ordinária – Termo de Compromisso de Ajustamento de Conduta (TAC) – Fato superveniente – Rescisão – Possibilidade – Cobrança de taxa de manutenção/conservação de loteamento imobiliário – A Lei nº 6.766/79, ao tempo da contratação, não regulamentava a matéria ora discutida nestes autos, o que somente foi feito com o advento da Lei nº 13.465/17, que introduziu o artigo 36-A – Necessidade de observância ao decidido pelo C. STF no Recurso Extraordinário nº 695.911/SP (Tema 492) – Sentença de procedência mantida – Recurso improvido.”

Em outras situações semelhantes, o TJSP também autorizou a revisão de Termos de Ajustamento de Conduta. A 2ª Câmara do Meio Ambiente decidiu, no julgamento da Apelação nº 0000695-18.2013.8.260383, pela anulação do TAC pela mudança da legislação ambiental, em acórdão assim ementado:

“APELAÇÃO CÍVEL – Ação anulatória de TAC – Sentença de procedência que julgou extintas as obrigações assumidas, diante da mudança da legislação ambiental – Condenação do Ministério Público ao pagamento de despesas e honorários advocatícios – Não cabimento – Inteligência do art. 18 da Lei nº 7.347/85 – Cumprimento da função institucional – Má-fé não caracterizada – Recurso adesivo pleiteando a majoração dos honorários prejudicado – Precedentes – Sentença parcialmente reformada. Recurso do réu provido e recurso dos autores prejudicado. (…)” [2]

Decidiu também a 34ª Câmara de Direito Privado, no julgamento da Apelação nº 0000192.62.2014.8.26.0447, pela anulação de TAC que exigia dos consumidores a licença de parcelamento do solo ou de implantação de condomínios horizontais ou verticais, emitida pela Prefeitura Municipal, em atendimento ao disposto no art. 3º, inc. I e II da Resolução ANEEL 456/2000, para ligação da energia elétrica, quando essa portaria foi revogada pela Resolução ANEEL 414/10:

“Ação de anulação de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), por meio do qual a concessionária de serviço público se comprometeu a exigir dos consumidores a licença de parcelamento do solo ou de implantação de condomínios horizontais ou verticais, emitida pela Prefeitura Municipal, em atendimento ao disposto no art. 3º, inc. I e II da Resolução ANEEL 456/2000 para ligação da energia elétrica. Litispendência e decadência não caracterizadas. TAC celebrado sob a vigência da Resolução 456/00, da ANEEL, na qual as exigências em questão estavam expressamente previstas. No entanto, tal resolução foi revogada pela Resolução 414/10, que não condiciona a ligação de energia elétrica à entrega de documentos comprobatórios da regularidade do loteamento. Inexistência de lei que dê subsídio à imposição da mencionada obrigação aos consumidores por meio da concessionária de serviço público, havendo, portanto, clara violação ao princípio da legalidade. Nada obstante, em circunstâncias congêneres, têm-se empreendido consideráveis esforços para regularizar o loteamento, viabilizando a construção da infraestrutura correspondente para tanto. Por fim, é fato que alguns consumidores obtiveram provimento jurisdicional para ter acesso ao serviço em questão, caracterizando afronta ao princípio da isonomia negar a mesma possibilidade a outros consumidores na mesma condição. Julgamento preciso e bastante pelo Juízo de primeiro grau. Sentença mantida por seus próprios fundamentos. Aplicação do artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Recurso improvido, rejeitadas as preliminares.” [3]

A questão também já foi analisada pelo C. Tribunal Superior do Trabalho – TST que decidiu que “nas relações jurídicas de trato sucessivo, entre as quais se inserem as constituídas por meio da celebração de um TAC em que previstas obrigações de fazer e não fazer com efeitos permanentes e prospectivos, a alteração do estado de fato ou de direito autoriza a retificação do quanto ajustado […]”. [4]

Em conclusão, sempre que se demonstrar que lei superveniente tenha alterado o objeto de um Termo de Ajustamento de Conduta de forma substancial, sua rescisão, revisão ou anulação poderá ser pleiteada.

 

[1] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 377.

[2] TJSP, 2ª Cam. Reservada ao Meio Ambiente, Apelação nº 0000695-18.2013.8.26.0383, Rel. Des. Eutálio Porto, j. 17.09.15.

[3] TJSP, 34ª Cam. Dto. Privado, Ap. nº APELAÇÃO Nº 0000192-62.2014.8.26.0447, Des. Rel. Gomes Varjão, j. 24.02.16.

[4] Autos do processo nº RR-1030-74.2010.5.08.0001, Relator Ministro: Douglas Alencar Rodrigues, Data de Julgamento: 16/11/2016, 7ª Turma, Data de Publicação: DEJT 19/12/2016.

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